Réu por tentativa de chacina alega tortura por ter sido preso sem cueca

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Um traficante morador de Sapezal (480 km de Cuiabá), réu numa ação penal por crime de homicídio qualificado, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar decisões desfavoráveis do Poder Judiciário de Mato Grosso. Ele alega, dentre outros pontos, que teria sido vítima de tortura, pois na época de sua prisão, foi algemado e levado para a delegacia, sem cueca. Relata que no momento em que recebeu a “visita” de três policiais, estava apenas de short, sem roupas íntimas e sem camisa.

Ainda assim, segundo as alegações apresentadas por seus advogados, ele foi algemado e levado sem que pudesse se vestir adequadamente. Tal situação, na avaliação da defesa, “demonstra inclusive a prática de tortura, nos termos da Resolução 2013/2015 do CNJ”. No Supremo, a 2ª Turma negou o recurso de agravo regimental. A decisão unânime, foi firmada em sessão virtual concluída no dia 1º deste mês. Ao término do julgamento, prevaleceu o voto do relator, o ministro Nunes Marques.

O réu em questão é Eguido Cordeiro Engelmann, de 26 anos, que contesta decisões desfavoráveis proferidas pelo juiz Daniel de Sousa Campos, da Vara Única da Comarca de Sapezal.  A denúncia do Ministério Público contra Eguido foi recebida pelo magistrado no dia 21 de abril deste ano, ocasião em que decretou a prisão preventiva dele e de outros quatro réus.

Consta no processo criminal que tramita na Vara Única de Sapezal, que a Polícia Civil foi acionada na noite do dia 29 de novembro de 2020 para atender um homicídio doloso ocorrido na região do Cinzeiro, em Sapezal. No local, os policiais constataram que houve um tiroteio, no qual dois homens efetuaram disparos de arma de fogo contra quatro pessoas. A vítima Jorge Valdo Coelho de Macedo, de 34 anos, morreu logo após dar entrada no Hospital Santa Marcelina. Além dele, duas mulheres e outro homem foram baleados, mas sobreviveram.

Com o avanço das investigações, o delegado representou pela prisão preventiva de Eguido Cordeiro Engelmann, Renato da Silva Cajueiro, Michel Gustavo Nascimento Ferreira, João Ronaldo da Silva e Sérgio Borges de Oliveira, “todos devidamente qualificados nos autos, pela prática, em tese, dos delitos de tentativa de homicídio qualificado e homicídio qualificado consumado”.

A Polícia Civil apurou que o alvo principal do homicídio era Jorge Valdo Coelho de Macedo e sua companheira M.F.S.S, e que as demais vítimas foram baleadas por estarem no mesmo local, no momento da execução do crime. Segundo a PJC, a motivação do homicídio estaria relacionada com o tráfico de drogas, uma vez que Jorge Macedo e sua esposa vendiam drogas adquiridas da facção criminosa Comando Vermelho.

Contudo, passaram a adquirir drogas fornecidas pela facção PCC (Primeiro Comando da Capital) para revenda em Sapezal, razão pela qual, conforme relatório policial, os membros do Comando Vermelho mandaram executar M. F.S.S, e Jorge Valdo Coelho de Macedo. Consta ainda no processo, que no dia 3 de dezembro de 2020, Eguido Cordeiro Engelmann foi preso em flagrante por tráfico de drogas. Diante das suspeitas de sua participação no homicídio, ele “confessou seu envolvimento no crime de homicídio, descrevendo a motivação, bem como citou a conduta dos demais autores do delito”.

O delegado que investigou o caso representou pela prisão dos envolvidos na tentativa de chacina e a Justiça decretou a prisão temporária (30) dias. No caso de Eguido Engelmann, ele foi preso em Sapezal no dia 3 de março deste ano em cumprimento ao decreto prisional. Em decisão do dia 22 de julho deste ano o juiz Daniel Campos negou pedido do réu Eguido Engelmann, que pedia a prisão preventiva fosse revogada por um período de 60 dias, pois segundo ele, a esposa deu a luz e ele precisava estar em casa para cuidar dela. O magistrado argumentou que a defesa não comprovou nos autos que a esposa do réu estivesse incapacidade, mas apenas que ela teve filho, pois o parto foi confirmado.

O juiz afirmou que a manutenção da prisão continua imprescindível para salvaguardar a garantia da ordem pública, especialmente devido à reiteração delitiva do réu. Ressaltou ainda que as Comarcas de Sapezal e Campo Novo do Parecis não possuem tornozeleira eletrônica, o que inviabiliza o monitoramento réu. “Além disso, o referido pedido não encontra amparo legal, visto que não é possível conceder liberdade provisória temporária, sendo que a legislação criminal prevê apenas saída temporária nos casos de condenações em regime semiaberto, nos termos do artigo 122, da LEP. Ou seja, não existe um meio-termo, de modo que ou estão presentes os requisitos do artigo 312, do CPP ou não estão presentes”, despachou o magistrado.

ALGEMADO SEM CUECA

Num habeas corpus impetrado junto ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a defesa do réu contestou decisões desfavoráveis do juiz de Sapezal que manteve a prisão preventiva enquanto o processo pelo homicídio e pelas tentativas de homicídio avança na fase de instrução processual. Trecho do relatório produzido pelo desembargador Pedro Sakamoto, relator do HC na 2ª Câmara Criminal, traz detalhes da argumentação feita pela defesa do reu.

“Sustenta acerca da violação à Súmula Vinculante n. 11, posto que o paciente foi algemado, assim que foi abordado pelos policiais, sem qualquer motivo, e ainda se encontrava sem as vestes adequadas, sendo conduzido dessa forma à delegacia, apenas de short, sem vestimentas íntimas e sem camiseta, fato este que demonstra inclusive a prática de tortura, nos termos da Resolução 213/2015 do CNJ. Nesse ponto, alega que a motivação exposta pela autoridade policial não é válida, pois seria porque o paciente foi conduzido imediatamente à Delegacia, para não ser exposto, e não havia tempo para trocar de roupa”.

Tal informação não convenceu o relator que negou o habeas corpus. “Pelo que consta dos autos, o mandado de prisão temporária foi cumprido na residência do beneficiário, onde este se encontrava apenas de bermuda (fotografia Id. 79272462), e os policiais o conduziram à delegacia e levaram junto com ele suas roupas. O fato de conduzir o paciente da forma em que foi encontrado no momento da abordagem, por si só, não ofende a sua dignidade, especialmente porque não estava despido e lhe foi oportunizado levar suas roupas. Desse modo, não observo a alegada caracterização de tortura e/ou abuso de autoridade, ou qualquer outra ilegalidade apta a relaxar a prisão do paciente”, afirmou Pedro Sakamoto. Seu voto foi seguido integralmente pelos demais julgadores.

No Supremo, a defesa ingressou com uma representação contra o delegado de Sapezal que investigou o caso. Alegou que o uso de algema no dia da prisão era desnecessário, pois o investigado não oferecia resistência e nem risco de fuga. Por sua vez, o delegado relatou que durante o cumprimento de mandado de prisão os policiais colocam a suas vidas em risco, o que justifica o uso de algemas, inclusive, para garantir maior segurança ao procedimento policial, evitando-se o mal maior que é o emprego de força física para conter o preso, inclusive com a utilização de armas, letais ou não. “Ademais, o investigado já fez ou faz parte da facção criminosa Comando Vermelho, apesar de negar tais fatos, revelando sua periculosidade”, argumentou o delegado perante o Supremo.

Dessa forma, o ministro Nunes Marques negou seguimento à reclamação em abril deste ano, mas a defesa ingressou com agravo regimental contestando a decisão do relator. Agora, em julgamento de mérito, por unanimidade, os ministros da 2ª Turma também negaram o recurso, validando os atos do juiz de Sapezal e do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que ratificaram a necessidade de manter o réu preso.

Fonte: Folhamax