Pantanal tem ilhas lulistas em meio à vitória de Bolsonaro em MT e MS

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O presidente Jair Bolsonaro (PL) obteve votação expressiva em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mas o Pantanal –maior planície alagável do planeta– foi no primeiro turno praticamente uma ilha no Centro-Oeste do país com votos destinados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Bolsonaro obteve 59,84% dos votos válidos em Mato Grosso, ante 34,39% de Lula, mas em cidades pantaneiras como Poconé e Nossa Senhora do Livramento a votação do ex-presidente superou os 60%.

No vizinho do Sul, a diferença foi menor, mas significativa, com 52,70% para Bolsonaro e 39,04% para Lula. No cenário nacional, o petista alcançou 48,43%, enquanto o presidente chegou a 43,20%.

Um dos exemplos de vitória petista em Mato Grosso do Sul é Corumbá, cidade na fronteira com a Bolívia, onde Lula alcançou 46,85% dos votos válidos, ante os 44,66% de Bolsonaro. Em 2018, o atual presidente teve 49,22%, 20 pontos percentuais à frente de seu então oponente, Fernando Haddad (PT), com 29,22%.

No total, 38% das cidades do Pantanal preferiram na eleição do último domingo (2) o ex-presidente Lula, que venceu em 10 cidades, o dobro das 5 conquistadas por Haddad quatro anos atrás.

Estão também na lista de vitórias do PT em 2022 cidades como Aquidauana, Bodoquena, Cáceres e Ladário.

O foco lulista dentro do Pantanal se deve, na avaliação de especialistas ouvidos pela Folha, principalmente a uma força menor do agronegócio na região e à dependência maior de políticas sociais, mas também a um reflexo das queimadas que devastaram o bioma em 2020.

Para Angela Kuczach, diretora da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, cidades como Poconé representam uma visão “menos contaminada” pelas correntes conservadoras do agronegócio, que “tem seus interesses de avanço da soja sobre áreas da floresta amazônica”.

“Essas pessoas estão votando numa proposta que atenderia mais o seu clamor e representaria menos a contaminação [ideológica] da elite do agro, que é o acontece na maior parte das outras cidades, […] e isso acaba influenciando muito nos votos”, afirmou.

De acordo com a diretora, que é bióloga, um fator importante para a mudança de votos do eleitorado pantaneiro é o próprio perfil da população.

“Há uma pobreza muito grande, pessoas de baixa renda que dependem muito da ajuda do governo e viram pouco isso acontecer nos últimos anos”, disse.

O cientista político e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Daniel Miranda avalia que é preciso considerar as diferenças culturais e socioeconômicas do Pantanal em relação a outras regiões dos dois estados, onde o agronegócio é mais forte e tem um polo dinâmico.

“São grandes produtores, de soja, milho, algodão, e muito organizados em associações e sindicatos rurais. O perfil de sociedade civil é diferente.”

Ele avalia também que outra hipótese para a disparidade no Pantanal em relação à média dos estados é histórica.

“O PT já governou algumas dessas cidades mais de uma vez, então deve haver um eleitorado estável”, disse.

É o caso de Zeca do PT, que já foi governador de Mato Grosso do Sul, deputado federal e agora se elegeu deputado estadual com 47 mil votos. Vander Loubet é outro nome forte do PT na região sul do Pantanal.

Ele foi reeleito para o sexto mandato como deputado federal, com 76 mil votos.

Além deles, Camila Jara, também do PT, conquistou vaga de deputada federal com 56 mil votos.

Bruno Araújo, professor da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) e pesquisador de mídia e política do Observatório do Populismo do Século 21, também destaca o grande contraste entre a região norte, com influência do agronegócio e alinhada ao bolsonarismo, e as regiões centro-sul e sudoeste, distantes dessa zona de influência, com populações empobrecidas e que “guardam memórias positivas de avanços que houve durante os governos de Lula”.

Cidades como Poconé ainda guardam o trauma das queimadas que devastaram o Pantanal dois anos atrás.

Na cidade, Lula chegou a 63,13%, superando a já alta votação registrada em 2018 por Haddad, de 55,62%.

“Estas populações associam as queimadas, o aumento do desmatamento, à política antiambiental do governo Bolsonaro. Elas interpretam como uma ameaça para elas próprias”, disse.

Araújo destaca ainda que há na região pantaneira muitas comunidades quilombolas, “que marcam posição contra os permanentes ataques do bolsonarismo às minorias étnicos raciais no nosso país”.

Na visão de Nelson Araújo Filho, coordenador do Instituto AGWA Soluções Sustentáveis, que integra o Observatório Pantanal, rede que reúne 44 organizações socioambientais de Brasil, Bolívia e Paraguai, é difícil não correlacionar o crescimento da presença petista na região aos incêndios na região pantaneira.

“A violência do fogo foi muito impressionante. Em contrapartida, a reação do governo federal não reproduziu, em sentido oposto, o vigor do fogo. […] Dessa compreensão para a sensação de abandono e a resposta na eleição, pode ter sido o rumo do eleitor pantaneiro.”

Fonte: Diário de Cuiabá