Moradores denunciam secretário por falsa promessa de regularização fundiária

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Ao todo, em torno de 600 pessoas teriam pago a taxa de R$ 400 a uma empresa que seria de propriedade do filho do secretário

Moradores do Bairro Ribeirão do Lipa, em Cuiabá, acusam o secretário de Habitação e Regularização Fundiária de Cuiabá, Air Praeiro Alves, e o secretário adjunto de Relações Comunitárias, Jonail da Costa Silva, de tê-los enganados com a promessa de receber o título de posse de suas propriedades.

Em entrevista ao grupo Leiagora/Playagora, eles afirmam terem sido procurados pelos secretários no ano de 2018 e informados que para o processo de regularização correr mais rápido, deveriam pagar uma taxa de R$ 400 à empresa Engecloud Engenharia e Medições pelo  serviço de topografia da área, pois se aguardassem a prefeitura seria mais demorado. Isso porque a prefeitura não dispõe de tal serviço e precisaria licitá-lo. Ao todo, em torno de 600 pessoas teriam pago a taxa, o que dá um total de R$ 240 mil.

Conforme consulta ao CNPJ da empresa que consta dos comprovantes de pagamento apresentados pelos moradores, a mesma pertence a Tabajara Aguilar Praeiro Alves. Está localizada na Rua da Liberdade, nº 94, Centro, CEP 78110-308, em Várzea Grande. Segundo a população do bairro, ele é filho do secretário Air Praeiro. Porém, a equipe do Playagora esteve no endereço nesta quinta-feira (1) e foi informada que no local funciona apenas um escritório de advocacia e nunca foi qualquer empresa ligada ao serviço de topografia.

Dois anos depois da promessa de regularização fundiária, nenhum imóvel foi escriturado. “Eles vieram aqui nos falando que ia ser regularizado, que todo mundo ia concretizar o sonho de ter a casa no nome. Só que a gente precisava pagar essa taxa de R$ 400. Eu tive que emprestar da minha tia. Quem estava recebendo era o Benedito, que era presidente do bairro, ele arrecadou todo o dinheiro e assim, o dinheiro sumiu. Até hoje a gente não tem dinheiro, não tem resposta da prefeitura se vai ter documento”, lamenta Roberta Graciela Almeida Bispo, 35 anos, que mora no Ribeirão do Lipa há mais de 20 anos.

Salomão Matos, morador, conta que não pagou a taxa porque desconfiou que a cobrança poderia se tratar de um golpe. Hoje ele tenta auxiliar os moradores a conquistar o título ou, pelo menos, reaver o dinheiro pago. “Vários moradores me procuraram na época para perguntar se era correto pagar a taxa. Eu recomendei para vários moradores que não pagassem. Fui na Secretaria de Habitação e confirmei que aquilo não era correto, que eles não precisavam pagar”, lembra.

Ele explica que muitos moradores têm medo e por isso demoraram a dar publicidade ao caso. “Eles ficam esperando alguém fazer alguma coisa para daí irem junto”, pontua.

Ilse Salete Leorato Ferreira, 45 anos, moradora do bairro há 11 anos, fala que pagou o valor exigido por medo de perder a casa onde mora. “Juntou o Jonail e o Benedito e nos apresentaram o secretário de Habitação, o Air. Nessa época eles criaram um grupo de whats e ficavam falando que se a gente não pagasse os R$ 400 ia perder a terra. Na reunião foi falado isso também. Aí a gente pagou. Inclusive peguei emprestado porque eles ficavam ameaçando a gente”, relata.

Salomão acrescenta que os moradores que pagaram a taxa, receberam os papeis relativos à topografia. Já os que não pagaram ou pagaram parcialmente, não receberam. Segundo ele, esses documentos estariam em posse de Benedito Anunciação Santana.

Boletim de ocorrência

As moradoras Rita de Cássia Pinto Siqueira Fernandes, Wanderleia da Conceição Siqueira da Silva e Ilse Salete registraram boletim de ocorrência contra a Engecloud, relatando que um representante da empresa “alegava que o não pagamento do valor mencionado acarretaria que as pessoas que pleiteavam a escritura dos terrenos não o receberiam”.

Ainda na ocorrência, elas contam que o bairro foi ocupado pelos moradores há mais de 20 anos e que antes disso tudo era mato. “As referidas cobranças se deram após um carro de som passar pelas ruas do bairro anunciando que haveria uma reunião na escola Maria Tomich para que as escrituras dos terrenos fossem regularizadas em definitivo”.

Outro lado
Ao Leiagora, Jonail nega que ele ou Air tenham indicado a empresa para a realização do serviço de topografia e afirma que foram os próprios moradores quem a escolheram. Além disso, ele pontua que ele e Air compareceram ao bairro em meados de 2018 atendendo um pedido da associação de moradores.

“Nós não fomos lá para orientar ninguém. O doutor Air foi lá para explicar como é que funcionava a questão da regularização fundiária em Cuiabá e isso é feito em todos os bairros. O que foi colocado lá é que nós já estávamos trabalhando essa questão da regularização do Ribeirão do Lipa e em outros bairros que são áreas que pertencem à Gleba Quarta-Feira, área do Incra”, explica.

Joanil reitera que nessa reunião, “em momento nenhum”, ele ou Air orientaram os moradores a realizar a topografia com empresa particular. Ele acrescenta que está em fase de licitação pela prefeitura a contratação de uma empresa especializada para realizar a topografia em 12 bairros de Cuiabá que serão regularizados. Contudo, o certame foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).

“Eles se propuseram a contratar uma empresa particular para fazer esse serviço de topografia para dar entrada na Secretaria de Habitação no processo de regularização ou, como diz o secretário, aguardar o processo de licitação para poder fazer. Então foi uma opção dos moradores fazer com essa empresa privada. Tanto é que o secretário foi muito claro que isso deveria partir da associação da comunidade e se eles adiantassem, a prefeitura iria dar início ao processo com um pouco mais de agilidade, porém, iria ser feito quando resolvesse essa questão da licitação”, pontua.

A reportagem do Leiagora ligou para Air Praeiro, mas as chamadas não foram atendidas. Também tentou entrar em contato com Tabajara Aguilar e as ligações foram encaminhadas para a caixa de mensagem. Também foram enviadas mensagens aos dois, mas igualmente não houve resposta. Por fim, as ligações feitas para Benedito foram encaminhas à caixa postal.

A Prefeitura de Cuiabá enviou nota de esclarecimento. Segue a íntegra abaixo.

Sobre a regularização fundiária do bairro Ribeirão do Lipa, a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária informa que:

– A área pertence à União, portanto, para atender a população local e dar prosseguimento a regularização, a Pasta iniciou o processo de pedido de doação da área ao Município.

– Entretanto, era necessário realizar a medição do perímetro que compreende os bairros quarta-feira, Despraiado e Gleba Ribeirão para dar prosseguimento ao processo.

– A época, foi realizada uma reunião com os moradores para explicar como seria feito o processo de regularização da área.

– A realização da topografia consta no processo que seria realizado pelo Município. Entretanto, pela alta demanda, sua execução dispenderia mais tempo. Diante das circunstâncias, os próprios moradores optaram por contratar uma empresa para realizar o serviço.

– A realização da topografia foi feita sob responsabilidade da associação dos moradores locais, sem qualquer indicação, interferência ou pressão do Município.

– Ficou então a cargo do Município realizar todo o restante dos trâmites, como plotagem e pesquisa socioeconômica, para a realização da regularização fundiária, inclusive a mediação de doação da área via Governo Federal.

– Todo o processo está devidamente documentado e foi realizado com lisura e transparência.

– No momento, a Secretaria aguarda posicionamento do Governo Federal quanto ao pedido de doação da área para prosseguir com os trâmites para regularizar a região.

Às 13h, Benedito entrou em contato com a equipe do Leiagora para passar sua versão dos fatos.

Ele afirma que não está em posse de nenhum documento relativo aos serviços de topografia dos moradores do Bairro. “Não fiquei responsável por mexer com os recursos e também não fico com os documentos. Estava ajudando a fazer o levantamento do local. A hora que entregavam o documento, eu pegava uma cópia e encaminhava para a secretaria e outra entregava para o morador”, garante.

Às 19h, Salomão rebate nota da prefeitura

Salomão afirma que a Associação de Moradores do Bairro Ribeirão do Lipa teve seu ultimo registro em 1993 e foi reativada em Assembleia Geral em 29 de setembro de 2019. “Sendo assim, a Associação de Moradores do Bairro estava fechada no período da ocorrência, e não tem ligações com este caso”.

Fonte: Leiagora/Playagora