Com alta no custo do gás, população pobre convive com fogões improvisados

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A vida para a catadora de lixo Jane Cristina dos Santos, de 50 anos, nunca foi fácil. Mas desde o início da pandemia, as coisas pioraram. O marido, Alex Sandro Rocha, de 48 anos, teve problemas no coração e no pulmão e parou de trabalhar. Além disso, com mais gente sobrevivendo dos recicláveis, a renda minguou. Sua casa, na comunidade Para-Pedro, em Colégio, Zona Norte do Rio, foi mobiliada com móveis doados, das camas ao fogão a gás, que fica do lado do vaso sanitário. A arrumação da casa humilde, que tem paredes de madeira e teto com telhas quebradas, deixa claro que o fogão perdeu a função.

Não é ali que Jane faz a comida do dia a dia: ela utiliza um fogão a lenha improvisado na área externa, que divide com vizinhos que, assim como ela, não têm dinheiro para o botijão. Vendido a R$ 105 no bairro, o gás virou artigo de luxo. Nas casas, só é usado em dias de chuva ou em preparos rápidos, como um café.

Pelos cálculos da Jane, para comprar um botijão, ela precisa vender 50 quilos de garrafas PET, o que leva pelo menos 10 dias para juntar. Antes, com o item mais barato, gastava a metade do tempo para reunir o material reciclável que lhe garantiria a compra do item. Já a lenha é de graça. São madeiras de caixotes de feira, abandonados na rua.

— Quando tem dinheiro, compramos pão, manteiga. O óleo pegamos usado, e as frutas e legumes catamos do chão do Ceasa, que fica próximo daqui — conta Jane.

Mãe de seis filhos, Graziele Oliveira Porto, de 34 anos, tem uma situação um pouco melhor, mas também já usa lenha para cozinhar. O marido, que perdeu o emprego de entregador em abril do ano passado, hoje trabalha arrastando caixotes vazios no Ceasa, por uma diária média de R$ 60. O filho mais velho, de 15 anos, faz o mesmo e reforça a renda da família. Mesmo assim, o gás só dura 22 dias. Na casa, onde também mora a avó de Graziele, são nove bocas para alimentar. Todo fim de mês, a solução é empilhar dois tijolos que ganham uma grade velha por cima para virar um fogão.

Rayane Oliveira, de 24 anos, também cozinha com gás de forma intermitente. Com quatro filhos, reclama que, sem a merenda escolar, as contas apertaram:

— Meu marido trabalha de bico, e eu faço unha na comunidade. Aí, ganho R$ 10 aqui, R$ 20 ali. A gente junta, paga o aluguel, compra comida e, às vezes, gás. Quando não sobra dinheiro, cozinho com lenha.

No Brasil, o percentual de residências usando lenha para cozinhar já supera o das que usam gás. Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que o uso dessa matriz de energia começou a aumentar em 2014, mas só ultrapassou o GLP em 2018. Em 2020, 26,1% dos brasileiros usavam lenha contra 24,4% que ainda tinham acesso ao botijão. E a diferença pode aumentar. Desde o início do ano, o preço médio para os consumidores do botijão de gás subiu quase 30%, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), o equivalente a cinco vezes a inflação do período.

Mais desigualdades

O fim do auxílio emergencial pode contribuir para um cenário de mais desolação. De acordo com a pesquisa Desigualdade de Impactos Trabalhistas na Pandemia, do FGV Social, o número de pobres — que vivem com até R$ 261 por mês — pode saltar de 27,7 milhões para 34,3 milhões, aproximadamente 16,1% da população brasileira. O coordenador do estudo, Marcelo Neri, acrescenta que a inflação dos pobres, nos 12 meses terminados em julho de 2021, foi de 10,05%, três pontos percentuais acima da inflação da alta renda.

Fonte: Folhamax