Brasil em alerta: Curva de mortes do coronavírus está mais rápida que a da Espanha

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O número de mortes pelo coronavírus no Brasil está aumentando a um ritmo mais acelerado do que o registrado na Espanha quando o país europeu estava na mesma fase da pandemia, duas semanas atrás. A Espanha é o segundo país mais afetado do mundo com o coronavírus, só atrás dos Estados Unidos.

Com base nos dados do Ministério da Saúde, o Observatório Covid-19 BR, que reúne especialistas de sete universidades (veja lista ao fim desta reportagem), mede a velocidade da doença no Brasil e a compara com a de outros países.

Uma das ferramentas para fazer essa análise prevê o seguinte cálculo: quanto tempo o coronavírus leva para dobrar o número de óbitos. Até a manhã desta quinta-feira (23), mais de 2,9 mil pessoas haviam morrido de Covid-19 no Brasil. Na Espanha, o número passa de 22 mil.

Segundo o observatório:

  • Nesta terça-feira (21), o tempo de duplicação do número de mortos por Covid-19 no Brasil era de 9 dias e 14 horas;
  • na Espanha, esse número estava em 12 dias e 7 horas há duas semanas (8 de abril);
  • quanto mais baixo é esse intervalo, mais letal é a pandemia no país naquele momento;
  • isso significa que, por esse critério, o cenário no Brasil é pior que o da Espanha se comparados períodos correspondentes do avanço do coronavírus.

A comparação tem de ser feita a partir de datas diferentes porque a pandemia na Europa começou a matar antes.

Vítor Sudbrack, integrante do observatório e físico da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), explica ao G1 que os cálculos em cada país começam cinco dias depois da décima morte.

  • o Brasil estava, nesta terça, no 28º dia da série.
  • e a Espanha estava no 40º dia – lá, o 28º dia foi 8 de abril.
Comparação do tempo de duplicação de mortes provocadas pelo novo coronavírus em cinco países: Brasil, Itália, Espanha, Estados Unidos e França; atualização em 22 de abril de 2020 — Foto: Arte/G1

Comparação do tempo de duplicação de mortes provocadas pelo novo coronavírus em cinco países: Brasil, Itália, Espanha, Estados Unidos e França; atualização em 22 de abril de 2020 — Foto: Arte/G1

Pelas contas dos especialistas, o tempo de duplicação em outros países nesta terça era:

  • França – 23 dias
  • Itália – 28 dias
  • Espanha – 39 dias

“A Espanha e a Itália, na última semana, praticamente saíram da fase exponencial de crescimento e chegaram na saturação”, afirmou Sudbrack, da Unifesp.

O físico acrescenta que a França, que tem mais de 21 mil mortes, também está muito próxima dessa fase.

“Lá, houve uma fase acelerada há 20 dias, quando o número de mortes confirmadas dobrava a cada dois dias. Mas hoje o tempo de duplicação deles é maior que duas semanas”, disse.

Pedestres usam máscaras em Veneza, na Itália — Foto: Reuters

Pedestres usam máscaras em Veneza, na Itália — Foto: Reuters

Risco de crise como a de ‘Nova York’

Nos Estados Unidos, onde as mortes já passam de 40 mil, a série estava na quarta-feira no 44º dia, com tempo de duplicação de 12 dias. No 28º dia, em 5 de abril, o ritmo era de 3,5 dias – situação mais grave do que hoje no Brasil, portanto.

O pesquisador da Unesp diz que cidades brasileiras também podem enfrentar situação semelhante à de Nova York. A cidade de Nova York registrava, até 16 de abril, perto de 11 mil mortes – nesta quinta, passam de 15 mil.

“A explosão de casos em Nova York tem uma razão bastante clara: é um local com uma grande densidade demográfica e que não realizou a tempo as medidas de isolamento social”, afirma Carlos Magno Fortaleza, epidemiologista da Unesp.

RJ, 13/04/2020 Com o fechamento do Parque Nacional da Tijuca, pontos turísticos da cidade como o Mirante Dona Marta, ficam completamente vazios — Foto: Marcos Serra Lima/G1

RJ, 13/04/2020 Com o fechamento do Parque Nacional da Tijuca, pontos turísticos da cidade como o Mirante Dona Marta, ficam completamente vazios — Foto: Marcos Serra Lima/G1

“O Brasil teve mais tempo para se preparar, realizou um isolamento social não ideal, mas razoável, nas grandes metrópoles e nos primeiros dias da pandemia”, pontuou o epidemiologista.

“No entanto, esse isolamento começa a relaxar, e com esse relaxamento nós podemos, sim, ter um aumento explosivo de mortes e chegar a uma situação semelhante à dos Estados Unidos”, destacou Fortaleza.

Profissionais de saúde socorrem mulher com dificuldades de respirar, um dos sintomas da Covid-19, em Nova York (EUA) nesta quarta-feira (150 — Foto: Lucas Jackson/Reuters

Profissionais de saúde socorrem mulher com dificuldades de respirar, um dos sintomas da Covid-19, em Nova York (EUA) nesta quarta-feira (150 — Foto: Lucas Jackson/Reuters

Subnotificação preocupa

O Observatório Covid-19 BR calculava, até meados de março, o tempo de duplicação de casos no Brasil, cuja metodologia é semelhante à utilizada para a conta da curva de mortes. A falta de testes maciços — com a consequente subnotificação — levou o grupo a suspender essa conta.

“Os dados não refletem a realidade da doença no país; logo, tampouco as nossas análises”, justificou Sudbrack.

“Atrasos de notificação, além da subnotificação e mudanças em seu protocolo, alteram o cálculo do tempo de duplicação e do número reprodutivo artificialmente. Não há como separar os efeitos da doença e da falta de testes sem informações mais detalhadas sobre cobertura de testagem ou número de testes aguardando análise por parte dos órgãos públicos”, continuou.

“O número de casos confirmados sofre mais com subnotificação do que o mortos”, ressalvou Sudbrack.

Como a conta é feita

De toda doença como a Covid-19 é esperado um crescimento exponencial. Ao contrário de um crescimento linear, que sobe de um em um, no exponencial o aumento é em parcelas cada vez maiores — e esses saltos podem ser previstos.

Os especialistas, então, pegam essa curva-modelo e vão ajustando para cima ou para baixo.

“Nós esperamos um comportamento exponencial; isso significa que o tempo para o número de casos duplicar é constante. Então em cada janela de cinco dias a gente ajusta uma curva exponencial e ‘anota’ o valor desse tempo de duplicação que melhor se ajustou aos dados. Daí fazendo isso para todos os dias, a gente tem esse gráfico”, explicou Sudbrack.

Participam da pesquisa especialistas da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade de Berkley (nos Estados Unidos) e Universidade de Oldenburg (na Alemanha).

Fonte: G1