Para sobreviver, bancas de jornal vendem eletrônicos e até roupas

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Jornais, revistas, a prévia da novela, o horóscopo da semana, quadrinhos para completar a coleção. As bancas espalhadas pela cidade, responsáveis por popularizar o hábito da leitura, têm tido que se adaptar às mudanças do tempo e expandir o seu nicho de mercado para sobreviver.

Em Cuiabá, o exemplo mais expressivo dessa “mutação” é a banca RJ Mourão Revistaria, localizada atrás de um ponto de ônibus na Avenida do CPA, a mais movimentada da cidade.

A variedade de opções é tamanha que os olhos se perdem nos penduricalhos expostos dentro e em volta da banca. São chaveiros, cabos de carregador, pentes, quites para unha, produtos de higiene pessoal, roupas, bolsas e acessórios, eletrônicos e até redes.

A jovem Jéssica Maria, de 24 anos, funcionária da banca há 3, conta que desde que começou a trabalhar no ponto a variedade de produtos é grande, mas que sempre ouve o patrão falar de como era em tempos passados.

“Essa banca existe há 25 anos. Antigamente, era só revista e jornal e foi mudando com o tempo, colocando variedades. Acho que pela internet, o povo parou de comprar tanta revista e jornal. Hoje, tudo que você pensar a gente tem aqui”, disse.

Apesar de ter “perdido” o protagonismo, as revistas e, principalmente, os jornais ainda têm o seu público fiel. “Aqui sai de tudo um pouco e ainda sai bastante jornal; são mais pessoas idosas, senhores, que compram, mas sai”, afirmou.

No ramo há 20 anos, sendo 8 deles no mesmo ponto de vendas, o comerciante Jorge Kodi KumaKura, de 56 anos, dono da Banca dos Concursos, localizada em frente à Praça Alencastro, também precisou se adaptar e incrementar suas opções.

“Antigamente, uma banca vendia só revista, jornais e cigarros e sobrevivia disso, vendia muito. Hoje, a gente já colocou refrigerante, água e encheu de bala, se não a gente não sobrevive”, afirmou.

Segundo Jorge, que tem na banca a única fonte de renda, uma das maiores reclamações dos clientes é a falta de frequência dos exemplares. Cuiabá já não tem uma distribuidora de revista para alimentar a demanda.

Para o comerciante, a quase extinção das bancas na Capital termina por dificultar o acesso à cultura.

“Antigamente, só na Praça Alencastro havia umas quatro. Cada prefeito que entrou foi tirando, então tira o acesso à leitura. ‘Ah, o povo não gosta de ler’. Mas também não tem acesso. Uma coisa vai levando a outra”, disse.

Alcinto Scarinci, de 80 anos, é novato no ramo e tem a Banca Central há apenas um ano. Ele era cliente de longa data do antigo proprietário e viu como expectador as mudanças no setor.

“Sempre gostei, sempre fui cliente e quando o antigo dono morreu, como eu não estava fazendo nada, comprei a banca da mulher dele”, disse.

“Eu comprava a coleção de carrinhos que vinha toda semana, jornais e revistas também. Hoje vejo que as vendas diminuíram muito, mas ainda tem quem goste da leitura escrita”.

Alcinto conta que apesar de vender muitas figurinhas para álbuns e para “bater bafo” – brincadeira de criança – e ter uma clientela fiel, também vende bebidas e cigarros para “completar a venda” e levar o negócio para frente.

Amor ao papel

Nadando contra a maré, uma das poucas, se não a única, banca da Capital que se mantém fiel à cultura da leitura impressa é a Banca Popular, localizada na Praça Popular há quase quatro décadas.

A comerciante Alessandra Pereira de Oliveira, de 42 anos, proprietária há 15 do ponto, conta que é a sua paixão pelo papel que a mantém nesse ramo cada vez mais difícil.

“Não vendo outros produtos, não quero fugir do foco. O meu foco é a cultura da leitura, tudo que envolve o papel”, afirmou.

Formada em direito, essa é uma relação de longa data. “Sempre trabalhei com papel, já trabalhei na revista IstoÉ, em jornal… Meu primeiro emprego foi em uma papelaria. É uma paixão”, disse.

“Peguei a banca na coragem mesmo. Aquela época também não foi fácil, nenhuma fase desses 15 anos foi fácil. A única época que é boa para todas as bancas é a da Copa do Mundo, apesar de ainda ser uma concorrência desleal”, afirmou.

E foi com a Copa do Mundo que a Banca Popular se tornou referência nos eventos de trocas de figurinhas, ganhando, inclusive, destaque na imprensa internacional. O objetivo, segundo Alessandra, sempre foi o resgate da afetividade.

“Colecionadores, crianças, pais, mães, avós, avôs, desde o início de 2014 quando criamos. Nós criamos por causa da parte afetiva das pessoas, da brincadeira, ai em 2018 nós fizemos também, foi uma fase bacana”, relembra.

Em 2022, no entanto, Alessandra notou que a materialidade se sobressaiu. “Tinha umas especiais e as pessoas achavam que valia R$ 2 mil, R$ 4 mil, 10 mil R$ 15 mil. Era um pedaço de papel que valia 80 centavos”, disse.

Seja pela popularização do consumo online ou pela falta de cultura da leitura, as vendas tiveram uma queda significativa, mas Alessandra mantém a sua clientela fiel, que passa essa paixão pela leitura de geração em geração.

“Tem que persistir, a gente não pode desistir. O momento não está bom para ninguém, mas com certeza vai melhorar”, disse.

Alessandra toca o negócio ao lado do marido, Alexsandro Malaquias.

Segundo a pasta de Meio Ambiente da Prefeitura de Cuiabá, a Capital já teve 16 bancas registradas como tal. Hoje, apenas duas seguem registradas com essa nomenclatura.

É possível, no entanto, que algumas delas tenham migrado a atividade para comércio.

Fonte: Midianews