Investimento na logística levou a Capital para o centro do continente

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Logística, tanto na paz quanto na guerra, sempre influenciou decisões nacionais.

Foi assim com a transferência da Capital mato-grossense, de Vila Bela da Santíssima Trindade para Cuiabá; da Capital do Brasil, de Salvador para o Rio de Janeiro; e com a tentativa de se transferir a Capital da República, do litoral para o Brasil interior.

Estrategistas, os colonizadores portugueses construíram fortes Brasil afora, inclusive em Mato Grosso.

Além de segurança militar, eles queriam dinamizar o abastecimento dos navios que levavam para a Coroa Portuguesa a pilhagem feita no Vice-Reino do Brasil, e isso levou o rei Dom José I, em 31 de agosto de 1763, a transferir de Salvador para o Rio de Janeiro, a Capital brasileira.

Por que o Rio?

Pela logística para escoar o ouro de Minas Gerais.

Os portugueses construíram a Estrada Real ligando Paraty (RJ) a Vila Rica, que, mais tarde ,seria Ouro Preto.

Os carregamentos percorriam o trajeto, desembarcavam o mineral em Paraty, de onde era levado por pequenas embarcações ao porto no Rio, e dali para os gajos.

O trajeto de Paraty a Vila Rica não era a única Estrada Real. Todas as estradas ganhavam esse nome e somente por elas a economia podia transitar.

Quem se aventurasse por rota clandestina, praticava crime de lesa-majestade. Daí que surgiu a palavra descaminho.

Ouro e diamante povoavam as cabeças coroadas portuguesas, e ambos eram abundantes em Mato Grosso, com o mineral extraído em Cuiabá e entorno, e a pedra mais cobiçada do mundo facilmente encontrada em Diamantino e região.

Ora, se o garimpo tinha as digitais cuiabanas e a cidade estava à beira de rio navegável que permitia acesso ao mar, então que se transferisse a Capital, de Vila Bela da Santíssima Trindade, para Cuiabá.

Foi isso o que aconteceu em 28 de agosto de 1835.

A logística favoreceu Cuiabá e derrotou Vila Bela, à margem do rio Guaporé, pelo qual, em pequenas embarcações, se alcançava o Amazonas, mas que, no trajeto, tinha as cachoeiras do rio Madeira, que serviam como barreira natural à navegação.

Assim, a logística premiou Cuiabá transformando-a na Capital mato-grossense, bem no centro do continente, o que sempre motivou governantes a sonharem com alternativas para sua ligação com o mar, como fez o governador José Vieira Couto de Magalhães, ao defender a abertura de uma estrada ligando Cuiabá a Santarém (PA).

Couto Magalhães governou entre fevereiro de 1867 e abril de 1868, no auge da guerra travada pelo Paraguai contra a Tríplice Aliança: Brasil, Argentina e Uruguai.

Couto Magalhães também foi governador de São Paulo, Goiás e Pará e exerceu mandatos de deputado por Mato Grosso e Goiás.

Homem culto, general, advogado, jornalista, escritor, ensaísta, etnólogo, folclorista, poliglota e estrategista – assim era Couto Magalhães, que criou um presídio mato-grossense para paraguaios durante a guerra. No entorno, surgiu Várzea Grande.

FGV

Geisel e BR-163

A logística da rodovia sonhada por Couto Magalhães virou realidade em 20 de outubro de 1976, quando Geisel cortou a fita inaugural da BR-163

A logística da rodovia sonhada por Couto Magalhães virou realidade em 20 de outubro de 1976, quando o presidente Ernesto Geisel cortou a fita inaugural da BR-163, em Mato Grosso chamada de Cuiabá-Santarém, e no Pará, de Santarém-Cuiabá.

A 163 fez parte do Plano de Metas de outro mineiro, o líder Juscelino Kubitschek (JK), e a maior parte de sua execução teve à frente o coronel José Meirelles, que comandava o 9º Batalhão de Engenharia e Construção (9º BEC) aquartelado em Cuiabá.

Meirelles era coestaduano de Couto Magalhães e JK.

No começo da década de 1940, em nome da logística, forças políticas queriam transferir a Capital de Mato Grosso para Campo Grande.

Líderes daquela cidade apresentavam forte argumentação: Campo Grande tinha ligação ferroviária com São Paulo, era melhor estruturada do que Cuiabá; de quebra, o peso político regional era maior no Sul, mais habitado.

Quando o cerco se fechava, o cuiabano Filinto Müller entrou em ação, revertendo o cenário.

Filinto era muito influente no Governo do presidente Getúlio Vargas e soube bem usar essa influência em defesa de Cuiabá.

Tanto assim, que arrancou um pacote de obras do Governo Federal capaz de dar ares de imponência à bucólica capital isolada.

O pacote conseguido por Filinto nunca foi apresentado com suas impressões digitais políticas.

Sempre foi creditado ao seu irmão e interventor em Mato Grosso, o advogado Júlio Strübing Müller.

Porém, políticos da época sustentavam que até mesmo o cargo de Júlio se devia ao mano, pois sua nomeação era privativa de Vargas.

Júlio foi eleito governador pela Assembleia Legislativa, exercendo o cargo de 4 de outubro a 24 de novembro de 1937, quando foi destituído e transformado em interventor, função que exerceu até 8 de outubro de 1945.

A força de Filinto no poder não ficou restrita à nomeação de Júlio. Também foi dele a indicação de outro de seus manos, o engenheiro civil Fenelon Müller, para interventor de Mato Grosso, no período de 8 e março a 28 de agosto de 1935.

Na década de 1940, com irmãos à parte, Filinto transformou Cuiabá.

Àquela época, a cidade ganhou do Governo Federal o prédio do Liceu Cuiabano Dona Maria de Arruda Müller; a Residência Oficial dos Governadores; o Palácio da Justiça, que abrigava o Judiciário e a Assembleia Legislativa; o Cine Teatro Cuiabá, onde Liu Arruda levava cuiabanos às gargalhadas com seu ácido humor; o Hospital Geral; a Pequena Central Hidrelétrica do Rio Casca; a primeira estação de tratamento de água; o Centro de Saúde do Estado; as antigas sedes da Secretaria Geral do Estado e da Secretaria de Fazenda (Sefaz); o Hotel Águas Quentes e o Grande Hotel; o primeiro Campo de Aviação de Cuiabá; o quartel do 44º Batalhão de Infantaria Motorizado (antigo 16º BC); e a Ponte Júlio Müller, sobre o rio que empresta o nome a Capital.

O Campo de Aviação de Cuiabá foi inaugurado em 6 de agosto de 1941, com o pouso do bimotor Lockeed transportando Vargas, que assim se tornou o primeiro presidente a visitar a capital mato-grossense, onde nasceu o poeta ‘fazedô’ de frases Manoel de Barros, o “Manequinho”.

O cuiabano marechal Eurico Gaspar Dutra chegou à Presidência da República.

Antes de se eleger, Dutra foi ministro da Guerra no período em que o Brasil combatia ao lado dos Aliados contra o Eixo.

Vargas temia que o Rio de Janeiro, então Capital do país, sofresse bombardeio.

Esse temor o levou a criar a “Marcha para o Oeste”, cuja síntese seria encontrar uma área para uma nova capital.

Dutra, que detinha o poder militar, tratou de puxar brasa pra sardinha de sua cidade, que é cantada em prosa e verso pelo poeta Moisés Martins.

Dutra designou o coronel do Exército Flaviano de Mattos Vanique para escolher o endereço da nova capital.

Vanique partiu rumo ao centro geodésico do Brasil, mas, pela limitação dos equipamentos topográficos, ao invés de definir a área onde se localiza Água Boa (Nordeste de MT), criou o arruamento de Nova Xavantina, 80 quilômetros ao Sul de Água Boa, a chamada Cidade Coração do Brasil.

Os Aliados venceram e o projeto se esvaziou, mas, mesmo assim, Dutra reforçou seu bairrismo com a logística e, por pouco, não deixou Cuiabá perto da nova capital.

Por falta de conscientização, para a população a onipresente, logística nem sempre é associada ao desenvolvimento de Cuiabá, que, mesmo com lentidão, consegue avanços no setor de transporte terrestre.

Hoje, sua ligação com Mato Grosso do Sul pela BR-163 é duplicada, mas a tricentenária cidade ainda ressente com a falta do apito do trem, muito embora, desde o final do século XIX, trave permanente luta por uma ferrovia.

Quem primeiro sonhou com o trem foi o poconeano engenheiro Manoel Esperidião da Costa Marques, que defendia uma ferrovia ligando o centro do continente a São Paulo.

No século passado, a professora, jornalista e primeira servidora pública estadual mato-grossense, Maria Dimpina Lobo Duarte, assumiu na Imprensa a luta pelos trilhos.

Finalmente, em 1976 o então deputado federal Vicente Vuolo apresentou projeto incluindo ao Plano Nacional de Viação a ligação ferroviária de Mato Grosso a São Paulo.

O projeto de Vuolo virou lei e a ferrovia opera desde 2013 entre Santos e Rondonópolis, onde se construiu o maior terminal ferroviário de cargas agrícolas da América do Sul.

Como peças de um quebra-cabeças, mas sem o desempenho da fundista Jorilda Sabino, as diferentes etapas da logística impulsionam o desenvolvimento de Cuiabá.

Cada uma se encaixa com o passar do tempo, desde 8 de abril de 1719, data da fundação da cidade pelo bandeirante paulista Pascoal Moreira Cabral, que utilizou o barco, único meio de transporte à época para chegar ao local onde semeou uma cidade qu,e para não ficar muito longe de algum lugar, se localiza no Centro Geodésico da América do Sul.

Fonte: Diário de Cuiabá