Denunciado de matar paciente de Cuiabá, “Doutor Bumbum” está proibido de exercer a profissão

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O desdobramento do caso de cirurgião que aplicou em julho do ano passado substância química não recomendada em humanos nos glúteos (nádegas), levando a óbito uma paciente de Cuiabá, que o procurou no Rio de Janeiro para fazer a cirurgia estética, culminou com a cassação do registro do médico.

A decisão, em caráter definitivo e sobre a qual não cabe recursos,  impede Denis Cesar Barros Furtado, conhecido como Doutor Bumbum, de exercer a medicina.

No último dia 24 de abril, o Conselho Federal de Medicina (CFM) julgou um recurso apresentado por Furtado e manteve sua cassação do exercício profissional, aplicada inicialmente pelo Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Agora, não cabe mais recurso. A decisão do Tribunal Superior de Ética Médica do CFM foi unânime e a decisão foi publicada no Diário Oficial da União da última segunda-feira.

Na ocasião da prisão, Furtado disse que a morte da paciente foi uma “fatalidade” e disse que estaria sofrendo uma injustiça. Ele alegou já ter feito mais de 9 mil procedimentos cirúrgicos sem maiores problemas.

Cabe ao conselho regional do DF executar a decisão, que precisa ser publicada também em jornal de grande circulação. Por último, a cassação precisa ser expressa no site do conselho, o que não havia ocorrido até as 21h desta sexta-feira.

Acusação

Furtado responde a homicídio doloso pela morte de Lilian Calixto, em cujos glúteos aplicou PMMA, substância derivada do acrílico que não deve ser usado em humanos. A aplicação foi feita durante um procedimento estético, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, no dia 14 de julho de 2018. Lilian morreu horas depois, na madrugada do dia 15.
O médico foi preso em 19 de julho e permaneceu preso até 30 de janeiro deste ano, quando os desembargadores da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) concederam um habeas corpus a ele e determinaram o cumprimento de medidas cautelares, como comparecer mensalmente em juízo, abster-se de qualquer contato físico ou eletrônico com as testemunhas, não se ausentar do Rio sem autorização judicial e se recolher em casa no período noturno, se não estiver trabalhando.   arquivo

Lilian ao lado do marido: ela era uma mulher saudávell, mas perdeu a vida nas mãos de um médico assassino (foto arquivo Facebook)

A gerente de banco Lilian Calixto, de 46 anos, viajou de Cuiabá (MT) para o Rio de Janeiro, na manhã de um sábado, 14 de julho passado, para fazer intervenções estéticas que planejava há quatro meses.

Antes de embarcar, ela disse à família que passaria por um procedimento sem grandes complicações, que duraria no máximo 1h30, e retornaria na noite do mesmo dia para a capital mato-grossense.

Mas ela não contou aos parentes que faria um implante nos glúteos.

O responsável pelos procedimentos foi um médico que ela acompanhava nas redes sociais havia seis meses: Denis César Barros Furtado, conhecido como “Doutor Bumbum”. Furtado possuía mais de 600 mil seguidores no Instagram – ele deletou a conta na terça-feira, 17. Em seu perfil, propagava resultados de intervenções que inspiraram a bancária a procurá-lo.

Lilian marcou as intervenções com o “Doutor Bumbum” por meio do WhatsApp. Familiares acreditam que ela tenha encaminhado fotos para que ele fizesse uma avaliação e um orçamento dos procedimentos. A bancária queria colocar um chip que funcionaria como implante hormonal, em razão da menopausa, e também aplicar PMMA (polimetilmetacrilato) nos glúteos.

Parentes dela acreditam que Furtado tenha cobrado R$ 20 mil pelos procedimentos e afirmam não saber se ela pagou o valor integral antes das intervenções.

Os procedimentos estéticos de Lilian estavam agendados para serem feitos em Brasília, onde o médico afirma possuir uma clínica. Porém, na última sexta-feira, 13, Furtado informou à paciente que as intervenções somente poderiam ser feitas no Rio de Janeiro.

Antes de viajar, Lilian informou à família apenas que faria a implantação do chip para controle hormonal. Uma amiga sabia que ela também passaria pela aplicação do PMMA. Os parentes da bancária descobriram a segunda intervenção somente quando souberam de sua morte.

A aplicação do PMMA, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), não é indicada nos glúteos. “É um produto sintético que, muito embora autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não é recomendado pela SBCP, sobretudo em áreas com grande volume e em planos anatômicos profundos, como os glúteos”, afirma Denis Calazans, secretário-geral da entidade.

A bancária morreu na madrugada do domingo, 15, horas após passar pelos procedimentos estéticos. A suspeita é de que a aplicação do PMMA tenha sido feita de modo excessivo e ocasionou uma embolia pulmonar, quando artérias dos pulmões são obstruídas por coágulos.

Mulher segura e independente. Mãe de dois filhos, uma garota de 13 anos e um jovem de 24, ela era classificada como a líder da família. Ela gostava muito de viajar com o marido, o empresário Osmar Jamberci, com quem estava casada há 19 anos.

“Ela era muito especial para a gente. Perdi a coisa mais importante da minha vida. Ela era tudo para mim”, disse à BBC News Brasil Victor Calixto, filho do primeiro relacionamento dela.

Enteado de Lilian, Alessandro Jamberci afirma que a madrasta costumava atrair a simpatia das pessoas em todos os lugares que frequentava. “Ela sempre foi muito bem-quista por todos. Além disso, a Lilian foi uma supermulher para o meu pai.”

Vaidosa, a bancária costumava se preocupar com dietas e era adepta de exercícios físicos. “A minha mãe era muito saudável. Tinha uma saúde excelente. Não tinha doença, não tinha nada”, declara Victor.

‘Não sabia dos riscos’

Duas semanas antes de embarcar para o Rio de Janeiro, Lilian ouviu relatos positivos de uma amiga que havia aplicado PMMA com o “Doutor Bumbum”. Outras colegas dela também haviam feito, anteriormente, a intervenção com o médico e o elogiavam. Nas redes sociais, Furtado afirma ter feito mais de cinco mil bioplastias, intervenções à base de injeções para remodelar o corpo.

Para Victor, a mãe não pensava que o procedimento pudesse trazer graves consequências. “Acredito que ela não entendia os riscos, porque sempre teve medo. Se fosse uma coisa mais perigosa, com certeza não faria.”

Logo que chegou à capital fluminense, na tarde de sábado, Lilian pegou um táxi e pediu que o motorista a conduzisse ao endereço informado pelo médico, na suposta clínica dele. O local era uma cobertura, na Barra da Tijuca. O filho dela acredita que a bancária se surpreendeu quando chegou ao lugar.

“Eu conheço a minha mãe, ela sempre foi muito correta e tinha medo dessas coisas. O médico, com certeza, a manipulou para que ela fizesse (o procedimento) no apartamento dele”, diz.

Na cobertura de Furtado estava, além do médico, a mãe dele, a ex-médica Maria de Fátima. A mulher teve seu registro cassado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) do Rio de Janeiro em 2015, por divulgar a utilização de métodos com resultados não reconhecidos pela medicina. Fátima teria auxiliado nos procedimento de Lilian. No local também estavam a secretária e namorada de Furtado, Renata Fernandes, e a técnica em enfermagem Rosilane Pereira da Silva.

Lilian chegou ao prédio por volta das 17h. Ela pediu ao taxista que a levou que a esperasse por duas horas, período que estimava para concluir as intervenções. Conforme o enteado de Lilian, o motorista ficou em frente ao local até as 22h. “Ele ficou esperando e só saiu quando percebeu que a avistou no carro do médico. O taxista foi nossa peça-chave para descobrir as informações”, conta o filho.

A bancária foi levada da cobertura de Furtado direto para o Hospital Barra D’Or. Ela chegou ao local por volta das 22h50. Câmeras do circuito interno de segurança da unidade de saúde mostram que o médico levou a paciente ao local junto com a mãe, a secretária Renata Fernandes e a técnica em enfermagem Rosilane Pereira.

“Ela chegou muito ruim e foi encaminhada para a sala vermelha. Os médicos entregaram os pertences dela, como roupas e joias, a ele [Furtado]. Depois, ele desapareceu”, diz Alessandro Jamberci.

Conforme boletim médico do Hospital Barra D’Or, Lilian chegou à unidade de saúde com falta de ar, taquicardia e pele azulada. Ela estava consciente e relatou que havia aplicado cerca de 300 mililitros de PMMA nos glúteos. A bancária morreu às 1h12 de domingo.

Foragido

Após a morte da bancária, a Justiça do Rio de Janeiro decretou a prisão preventiva do médico e a prisão temporária de sua mãe. Os dois permanecem foragidos. Eles foram indiciados por homicídio doloso, junto com Renata Fernandes, que está presa, e Rosilane Pereira, cujo pedido de prisão não foi acolhido pela Justiça.

Para auxiliar na busca por Furtado e Maria de Fátima, a Polícia Civil do Rio de Janeiro tem oferecido recompensa de R$ 1 mil para quem passar informações sobre o seu paradeiro.

Segundo a delegada Adriana Belém, da 16ª Delegacia de Polícia do Rio, na Barra da Tijuca, Furtado tem uma ficha com sete anotações criminais, uma delas por homicídio, em 1997, quando tinha 24 anos. Entre os outros delitos estão porte ilegal de arma, crime contra a administração pública, resistência à prisão e violação de domicílio.

No ano passado, ele foi indiciado quatro vezes pela Polícia Civil do Distrito Federal por exercício ilegal da medicina e por crime contra o consumidor, e teve seu registro médico cassado pelo CRM-DF.

Nesta quarta-feira, os familiares de Lilian torciam para que o médico e a mãe dele fossem presos o mais breve possível. Na tarde desta quinta-feira, Dr. Bumbum e a mãe foram presos pela Polícia Civil do Rio.

“Eu tenho fé em Deus que esse médico vai pagar pelo que fez, para consolar a nossa família e também porque a Justiça tem que ser feita para que outras famílias não passem pelo mesmo sofrimento”, afirma Victor Calixto.

O corpo de Lilian chegou a Cuiabá na tarde de terça-feira e foi velado por parentes e amigos. A bancária foi enterrada na manhã do dia seguinte em um cemitério da capital mato-grossense.

Familiares dela relataram à BBC News Brasil que planejam, posteriormente, entrar com uma ação judicial contra Furtado. “Mas por enquanto, estamos esfriando a cabeça depois de tudo o que aconteceu”, diz o enteado da bancária.

Fonte: Página Única