“Cidade dentro de Cuiabá”, Bairro do CPA chega aos 40 anos

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“O CPA é uma cidade à parte de Cuiabá”, define o arquiteto e urbanista José Antônio Lemos sobre o bairro que neste mês de agosto completa 40 anos. Porém, mesmo planejada, a região ainda apresenta problemas estruturais.

De fato: com cerca de 200 mil habitantes, a região da Grande CPA, como é conhecida a aglomeração dos bairros CPA 1, 2, 3 e 4, é maior que a imensa maioria das cidades de Mato Grosso.

O bairro surgiu com a implantação do novo Centro Político Administrativo, que abriga a sede do Governo do Estado até hoje.

O arquiteto, que participou da equipe de construção do CPA durante os primeiros anos da década de 70, explica que um dos grandes transtornos é a falta de integração da malha viária entre os bairros que compõem a região.

“Uma pena que o projeto não teve continuidade e depois ele foi se fazendo aos pedaços de forma que o sistema viário do CPA 1 não se encaixa direito com o CPA 2 e esse não encaixa com o 3 e o 4”.

Segundo o profissional, isso aconteceu porque os governos estaduais seguintes ao de José Fragelli, que o lançou, não deram continuidade ao projeto, o que fez com que o local se transformasse em uma colcha de retalhos.

“Cada governo que vinha fazia sua parte e ficou em emendas. Faltou essa parte da integração entre as ocupações que foram acontecendo”, afirma.

Outra questão é a ocupação ilegal fazendo com que os bairros expandissem de maneira desgovernada, aproveitando-se da ausência do poder público. Lemos também lamenta a falta de áreas verdes.

“A maioria das áreas verdes foram invadidas ou ocupadas ilegalmente. O próprio Bairro Morada do Ouro era um dos projetos mais bonitos, feito para os funcionários, com muitas áreas verdes e praticamente todas foram invadidas ou ocupadas de forma que hoje se tem dificuldade até na regularização daqueles terrenos”, aponta o arquiteto.

Porém, para os moradores, o que tem preocupado é a criminalidade. Conforme Manoel Boreli, de 43 anos, morador do CPA 3, que acompanha o desenvolvimento do Bairro há 25 anos, a violência assusta.

“Ainda tem a questão de roubo, violência. Tem alguns focos de tráfico, a tal da cracolândia ainda tem, mas não é uma coisa escancarada como no Centro, no Beco do Candeeiro”.

Os moradores também sentem falta de um hospital. Boreli diz que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no Bairro Morada do Ouro é a mais próxima da região. O Grande CPA chegou a ter um hospital durante alguns anos, mas a unidade fechou as portas.

Sonho da casa própria vira pesadelo

Em 1976, apesar das críticas e da resistência, o Governo de Mato Grosso deu início à implantação do 1º Núcleo Habitacional do CPA. A extinta Companhia de Habitação do Estado (Cohab) passou a realizar um levantamento cadastral de pessoas inscritas para concorrer ao sorteio das casas.

Por conta do grande número de interessados, a Cohab já começou a trabalhar em projetos de construção de novos núcleos.

Em 1979, as obras do CPA 1, o primeiro núcleo, foram concluídas e 944 famílias foram beneficiadas com a casa própria.

Benedita Doroteia e seu marido, Benedito Teodoro e Camargo e seu marido Benedito Teodoro de Matos foram contemplados pelo sorteio do núcleo do CPA 3, sendo uma das famílias pioneiras do bairro.

“Eu fui uma das primeiras a chegar aqui. Sempre morei nesta casa. Aqui era uma casa com uma sala pequena, cozinha e três quartos”, relembra a matriarca, de 80 anos.

A família veio de Rosário Oeste em busca de uma melhor vida na Capital, que prometia emprego, educação e maior bem-estar.

“Nós éramos do sítio. Viemos para Cuiabá em busca de uma vida melhor para as nossas crianças, para estudar”.

Dona Benedita conta que, naquela época, o núcleo era composto apenas pelas casas e não possuía o básico para se viver, como asfalto, energia e água. O transporte público também era escasso.

“Aqui era feio, era só terra, não tinha asfalto. As casas eram sem muro, sem nada”, diz.

Segundo ela, levou cinco anos para a rua em frente a sua casa fosse pavimentada. Também faltavam farmácias, mercados, padarias, escolas e até igrejas no Grande CPA.

“Aqui não tinha nada de comércio. Tudo o que você precisava tinha que ir ao mercado grande, aqui também não tinha igreja. Era longe do Centro, faltavam as coisas… Nós passamos bastante falta”, afirma.

Manoel diz que o comércio só passou a crescer após a implantação do Comando Geral da Polícia Militar, na Avenida Historiador Rubens de Mendonça.

“Na parte do CPA 1, quando saiu o Comando Geral, o pessoal percebeu que ia crescer mesmo e começou a investir. Isso tem mais de 20 anos”, relembra.

A aposentada também revela que se surpreendeu nos primeiros dias, quando foi ligar a torneira e não encontrou água. Depois, quando a água foi implantada no Bairro, surgiu outro problema: canos entupidos.

“Quando chegou a água e foi ligar, cadê? Os canos estavam todos entupidos. Era tudo mal feito. A água era pouca, só vinha à noite”.

Somente com muita pressão dos moradores que o poder público atendeu às demandas da população do Grande CPA.

“Aí a gente foi batendo atrás, foi arrumando, mas demorou. Até hoje ainda não está bonito, mas está melhor”, expõe.

Benedita acordava cedo todos os dias e enfrentava a batalha de pegar ônibus até o trabalho, no Centro da cidade. Boreli conta que o transporte coletivo passava poucas vezes por dia no Bairro e as ruas de terra pioravam o que já era ruim.

“Ônibus eram só umas três ou quatro vezes por dia, bem precário. No começo, só as principais avenidas eram asfaltadas, o resto era tudo terra”, diz o morador.

Mesmo com dificuldades, a costureira aposentada conseguiu criar sete filhos no CPA 3.

Apesar dos problemas ainda frequentes, a aposentada, que mora na mesma casa há 37 anos, não consegue imaginar sua vida em outro lugar.

“Ainda não está ideal, mas melhorou muito. Eu gosto muito daqui assim mesmo”, afirma.

Assim como a idosa, Manoel tem orgulho de ser um dos moradores do Grande CPA. Ele vê a expansão do bairro como um avanço para a população.

“Como toda Cohab, tinha uma farmácia, uma ‘merceariazinha’. Mas era bem precário. Hoje em dia é uma cidade dentro de outra, tem de tudo. Você pode viver a vida toda sem sair do CPA”, finaliza.

Inspiração em Brasília

De acordo com o arquiteto José Antônio Lemos, Cuiabá viveu estagnada durante muitos anos. No entanto, com a construção de Brasília e a marcha para o Oeste, o Governo do Estado percebeu que poderia crescer, na década de 60.

“O pessoal já tinha visto o efeito de Brasília, a cidade estava crescendo, sofrendo o impacto”, diz.

Além disso, a Capital também enfrenta o problema de superpopulação do Centro Histórico e o risco de sua decadência. Com isso, Frageli percebeu que precisava pensar em uma maneira de preservar o Centro.

“Então surge a ideia na cabeça de alguns iluminados de fazer com que esse crescimento da cidade se desse de uma forma mais afastada do Centro Histórico, de maneira a permitir que o Centro fosse preservado e que a cidade crescesse de uma forma mais organizada. Foi um planejamento para o futuro”, afirma Lemos.

Assim, Frageli decidiu mudar as sedes do Governo para o novo Centro Político Administrativo (CPA), que era afastado do Centro. O objetivo principal era conter o crescimento desenfreado da região.

“A cidade ia crescer e algumas pessoas pensaram no futuro em um lugar mais afastado, mais elevado e que a cidade pudesse crescer de uma forma mais organizada. Pensava-se em uma área bem generosa naquela região. O plano de atração para essa nova área seria o Governo do Estado, a estrutura administrativa estadual ficaria nesse local como um ímã atraindo a parte nova da cidade”, relembra o arquiteto.

O conjunto político foi pensado por um grupo de trabalho específico tocado pelo arquiteto urbanista Júlio Delamônica Freire e o engenheiro Sátiro Moreira Castilho.

Em três anos, a equipe inaugurou o Centro Político e Administrativo, em 1975, com o Palácio Paiaguás, secretarias, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa, segundo Lemos.

“Com essa parte do Estado, que tem uma grande força, começando a funcionar lá em cima a ideia era que a cidade fosse puxada para lá”, explica.

Outro grande marco dessa obra foi a construção da Avenida Historiador Rubens de Mendonça, conhecida como Avenida do CPA. O objetivo era criar uma estrutura de mobilidade generosa para atender à grande demanda de carros que surgiria anos à frente.

“A ideia era ter 50 metros de largura. Hoje ainda deve ser uma das maiores avenidas do Mato Grosso. Isso era já pensando no futuro”, relata o profissional.

Nessa avenida, os especialistas previam a instalação de lojas, agências bancárias, para atender a população que habitaria a nova região da cidade.

“Nessa área, entre o Centro e o CPA, era para que pudessem ser instalados os novos centros bancários, comerciais… Era para ter um polo do Centro Histórico e um polo do CPA com a Avenida do CPA ligando”, expõe José Antônio.

Já as moradias foram destinadas primeiramente aos servidores públicos que trabalhariam no novo centro político. Porém, a equipe de arquitetos e engenheiros previa o crescimento.

“A questão da habitação foi pensada inicialmente para ser dos servidores públicos, mas com uma quantidade grande de pessoas ia ter comércio, uma série de coisas. Então a habitação não deveria ser só para os servidores”.

José Antônio relembra que o projeto foi muito criticado. Pairava sob o CPA a fama de que seria um elefante branco na Capital.

“Naquele tempo em que a gente trabalhava na Avenida do CPA, os críticos diziam que a avenida era coisa de maluco, de sonhador que não tinha o que fazer, um elefante branco, que ligava nada a coisa nenhuma”, relembra.

No entanto, o arquiteto considera a região um sucesso, apesar da falta de continuidade do planejamento por parte dos governos seguintes.

“O CPA vingou e hoje é uma das partes mais importantes da região metropolitana de Cuiabá. É uma parte viva, dinâmica”, afirma.

Fonte: Midianews