Em 2015, Manoel Messias de Oliveira estava em sua casa na cidade de Poxoréu, interior do Mato Grosso, quando recebeu uma ligação de seu filho mais velho. Michael estava aos prantos do outro lado da linha.
Naquele dia, o rapaz, então com 19 anos, sentiu medo de morrer depois que soube do assassinato do traficante Mãozinha, com quem ele dividia uma casa, em Goiânia.
O crime era um acerto de contas do tráfico de drogas e Michael sabia que o seu destino poderia ser o mesmo. Por isso, decidiu fugir e, novamente, recebeu abrigo do primo Jefferson Delgado e da tia Ellen Cristina.
Quando Michael tinha 15 anos e também precisou sair às pressas de Poxoréu, foram eles que o receberam em Goiás. Na sua cidade natal, o garoto era procurado por roubos e por associação ao tráfico, crimes que o pai dele demorou a descobrir.
“Eu sempre ouvia que a família era a última a saber [quando um filho faz coisas erradas]. Foi assim que eu vi que isso era verdade”, diz Manoel, à Folha.
O mato-grossense está ansioso para ver o filho atuar na final da Libertadores pelo Flamengo, contra o Palmeiras, neste sábado (27), às 17h, no Uruguai. Para ele, cada vitória no futebol representa uma superação para Michael, que quase teve seu sonho destruído por causa das drogas.
“Quando metralharam um amigo dele, que ele chamava de ‘pai 2’, as coisas começaram a mudar. Ele entrou na igreja e agora quer tentar ajudar outras crianças com a superação dele. Ajuda muita gente na cidade onde nasceu”, afirma Manoel.
Poxoréu é uma cidade de cerca de 16 mil habitantes e fica a aproximadamente 200 km de Cuiabá. Foi lá que Michael passou sua infância, período em que costumava fugir da escola para jogar bola. Professores relatavam aos pais do garoto que ele saía para o recreio e não voltava para a sala de aula.
O hoje atacante do Flamengo, inclusive, foi reprovado na terceira série do ensino fundamental. Mesmo assim, sua professora queria que Manuel assinasse uma autorização para o filho representar o colégio em um torneio de futebol.
“É engraçado. Em Geografia, matemática e português reprovam. E depois querem ele no campeonato. Lembro que eu disse ‘negativo'”, lembra Manoel, que só mudou de ideia após ser convencido por seu irmão.
O problema com os estudos não era o único motivo de preocupação da família. “Um dia, um policial veio conversar comigo e se espantou quando eu disse que o Michael era meu filho. Ele disse que já tinha perseguido ele e quase dado um tiro nele. Isso me bateu uma tristeza.”
O próprio jogador admite já ter feito uso de drogas e sofrido tentativas de assassinato, além de pensar em cometer suicídio, situações que o levaram a ter depressão.
A chegada a Goiás para morar com o primo e a tia foi o ponto de virada na vida de Michael. Depois de passar pelo Monte Cristo e pelo Goiânia, foi contratado pelo Goianésia, em 2017.
Naquele mesmo ano, uma ajuda inesperada, vinda do cantor Amado Batista, seria responsável por dar ao atleta a primeira grande chance da carreira.
Antes de uma partida contra o Goiás, o cantor ligou para Harlei Menezes, ex-diretor de futebol e atual vice-presidente do time esmeraldino. “Eu estava saindo de casa para ir para o jogo e o Amado Batista me ligou falando: ‘Harlei, tem um jogador pequeno, mas muito arisco, velocista, driblador, joga lá na minha fazenda com os meus funcionários e com meus amigos. Dá uma olhada nele, quem sabe ele não te interessa'”, conta Harlei, que se tornou um ídolo esmeraldino atuando como goleiro.
O Goiás venceu a partida por 4 a 2, mas Harlei diz que Michael foi o grande destaque. “No dia seguinte, eu entrei em contato com a pessoa que representava ele e nós o contratamos por cinco temporadas. Depois, ele confirmou tudo o que o Amado Batista tinha dito”, afirma o dirigente.
As qualidades do atacante também chamaram a atenção de Jorge Jesus, ex-técnico do Flamengo, que foi o responsável por autorizar sua contratação. O clube desembolsou R$ 34 milhões para tirá-lo do Goiás.
No time da Gávea, Michael já se transformou em uma espécie de xodó da torcida, mesmo sem ser titular. Desde a chegada de Renato Gaúcho, o futebol dele evoluiu. Dos 18 gols que o atacante tem na temporada, 12 foram marcados sob seu comando –Renato chegou em julho ao clube.
Para o pai Manoel, seu filho não se adaptou ao estilo dos técnicos que substituíram Jesus. Com Rogério Ceni, houve até uma decepção. “Teve um jogo que ele [Rogério] chamou meu filho para entrar na partida e disse para ele: ‘Vai lá e me prova que estou errado sobre você’. Isso deixou ele triste, era tão fã daquele cara.”
A idolatria a Ceni vinha desde a infância, já que Michael era são-paulino.
“Lembro que ele só chorou duas vezes, uma quando o São Paulo perdeu um título e a segunda quando o Brasil perdeu de 7 a 1 [na Copa do Mundo de 2014]. Hoje ele é Flamengo, com gosto”, diz Manoel, que é corintiano e, por isso, tem dois ótimos motivos para torcer pelos cariocas na decisão da Libertadores.
“Se Deus me permitir, eu gostaria de ver meu filho fazer um gol no Palmeiras na final.”
Fonte: Diário de Cuiabá