Procuradoria da República entende que decreto infringe o direito de ir e vir dos cidadãos.
Após o governador Mauro Mendes (DEM) decretar toque de recolher e restrição de circulação de pessoas para conter o avanço da covid-19, o Ministério Público Federal (MPF) entendeu que a medida infringe o direito de ir e vir dos cidadãos e ainda colocou em xeque o trabalho de coerção da Policia Militar.
Na tentativa de controlar a disseminação do vírus e assim reduzir as taxas de ocupação hospitalar que estão à beira do colapso, o Governo enviou projeto à Assembleia Legislativa que prevê aplicação de multa de R$ 500 aos cidadãos que foram pegos pela PM circulando após as 21h sem que haja emergência. Empresas que desrespeitarem as regras podem ter multas de R$ 10 mil.
No entanto, o MPF que entrou com várias ações no ano passado, assim como o Ministério Público Estadual (MPE), cobrando ações mais rígidas do Estado e municípios para conter a covid, desta vez se opôs e entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao procurador-geral da República, Augusto Aras, com pedido de liminar contra o toque de recolher em Mato Grosso.
Ainda que a taxa de ocupação da rede pública esteja à beira do colapso, com 88,6% para UTIs adulto e 43% para enfermarias, o pedido partiu do procurador da República Everton Pereira Aguiar Araújo, atuante na Procuradoria da República no Município de Barra do Garças (MT).
De acordo com o Decreto nº 836, de 1º de março de 2021, em seu artigo 5º, institui o “toque de recolher” em todo o Estado a partir do dia 3 de março (quarta-feira), com duração de 15 dias, entre as 21h e 5h. Para o procurador da República Everton Aguiar, o decreto do Governo de Mato Grosso afronta a Constituição Federal.
“No ponto, a mera leitura do conteúdo da norma impugnada permite constatar que o Governador do Estado do Mato Grosso excedeu os limites constitucionais e legais de sua atuação ao decretar a restrição a circulação de pessoas de forma ampla a irrestrita e ainda condicionar a circulação de pessoas a juízo de valor ‘da autoridade policial responsável pela fiscalização’. Assim agindo, o Governador do Estado do Mato Grosso afrontou diretamente à liberdade de locomoção constitucionalmente prevista no art. 5°, XV.”, enfatiza Aguiar em sua representação encaminhada ao PGR.
Outro ponto questionado pelo procurador na representação trata do fato de que não há fundamentação científica que aponte que a medida de restrição de liberdade de locomoção em determinado horário auxilie no combate, de forma eficaz, da transmissibilidade da covid-19.
Agência Brasil
Taxa de ocupação dos leitos de UTI está acima de 85% em Mato Grosso.
Além disso, o procurador também salienta a contradição encontrada no decreto que, ao mesmo tempo que promove o toque de recolher, permite que sejam realizados eventos sociais, corporativos, empresariais, técnicos e científicos, igrejas e templos e congêneres, cinemas, museus e teatros, e a prática de esportes coletivos, desde que não ultrapassem o máximo de 50 pessoas por evento, respeitando o limite de 30% da capacidade máxima do local, e respeitando os horários definidos.
“Vê-se que o Decreto editado não tem por base evidências científicas”, aponta o membro do MPF. Aguiar ressalta que “o constituinte decidiu que a limitação da liberdade fundamental (direito de circulação ou de ir e vir) somente poderá ocorrer em caso de decretação de Estado de Sítio onde o presidente da República precisa do aval do Congresso Nacional e sujeitar-se-á a sua fiscalização. Ao que parece os Governadores dos Estados se autoconcederam poderes para além daqueles que o texto constitucional conferiu ao Presidente da República, uma porque seus decretos não dependem de autorização do parlamento e duas porque não há previsão sequer de sua fiscalização. Trata-se de poder incompatível com um Estado Democrático de Direito”.
Ao representar pela propositura da ação direita de inconstitucionalidade, o procurador destacou a importância do pedido de suspensão cautelar argumentando que enquanto perdurar os efeitos do referido decreto há o risco de ações materiais por parte do Estado de Mato Grosso, por meio de agentes estaduais que venham a cercear, sem qualquer respaldo constitucional, a liberdade de locomoção das pessoas que estiverem em seu território.
“Ademais a norma além de impor a restrição a circulação de pessoas de forma ampla a irrestrita, ainda condiciona a circulação de pessoas a juízo de valor ‘da autoridade policial responsável pela fiscalização’, o que traz o risco adicional e concreto de que a medida venha a ser fator de discriminação e de violação de outros direitos constitucionais além do direito à liberdade de locomoção”, finalizou.
No país, um movimento dos secretários estaduais de saúde pede pelo lockdown nacional em cidades com taxa de ocupação de UTIs acima de 85%. A pandemia tem se agravado, chegando a picos de mortes diárias mais altas do que no início, em 2020. A rede privada de Mato Grosso também está perto de colapsar, com 90% de ocupação dos leitos privados de UTI Covid. Já a taxa de ocupação dos leitos de internação em enfermaria está em 88%.