Valdir Barranco vota contra projeto que incentiva invasão de Terras Indígenas

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O deputado estadual Valdir Barranco (PT) votou contra o Projeto de Lei Complementar (PLC) 17/2020, de autoria do Poder Executivo, enviado pelo governador Mauro Mendes (DEM), aprovado em primeiro turno nesta quarta-feira (17), no plenário da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. O projeto modifica os procedimentos de análise e validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no estado, autorizando o registro de propriedades em sobreposição à terras indígenas em fase de estudo, delimitadas ou declaradas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

O projeto foi aprovado por treze votos a favor, dois contra e seis abstenções e segue para votação em 2º turno. Se novamente aprovado e, posteriormente sancionado, o PLC 17/2020 permitirá a regularização de áreas invadidas em 27 terras indígenas. Somadas, as sobreposições superam 486 mil hectares, quase o tamanho do Distrito Federal.
Entre os principais beneficiários do projeto estarão multinacionais, bancos e empresas agropecuárias. Apenas os deputados petistas Valdir Barranco e Lúdio Cabral votarm contra a aprovação do projeto.

“É uma vergonha tramitar nesta Casa um projeto com tamanha desfasatez. Sabemos como foram constituídos os conglomerados de terra neste Estado; sabemos como funciona a grilagem que se apoderou das áreas públicas da União e do Estado e vitimou milhares de vidas. Não bastasse isso, os grandes fazendeiros (grileiros de terra), agora querem se utilizar desta Assembleia Legislativa para legitimarem estas apropriaçãos”, disse o deputado Valdir Barranco. “isso não é um discurso ideológico, mas um discurso em defesa da Constituição Federal. As Terras Indígenas (TIs) são um bem da União e, portanto, inalienáveis e indisponíveis”, completou.

Os impactos do PLC 17/2020 não se resumem às TIs ainda pendentes de homologação. Segundo nota assinada pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e outras 19 organizações, a proposta de Mauro Mendes abre brechas para a validação de CAR em territórios já regularizados e homologados, inclusive aqueles interditados em razão da presença de povos indígenas isolados.

De Olho nos Ruralistas

De acordo com o site De Olho nos Ruralistas, o documento se baseia em nota técnica assinada por Operação Amazônia Nativa (Opan), Instituto Centro de Vida (ICV), Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) e pela ONG International Rivers, que destaca a ilegalidade do PLC, por contrariar o artigo 231 da Constituição Federal e a jurisprudência estabelecida desde 2013 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e consolidada, em 2019, no julgamento de quatro ações diretas de inconstitucionalidade sobre o Código Florestal:

“A demarcação e a titulação de territórios têm caráter meramente declaratório e não constitutivo, pelo que o reconhecimento dos direitos respectivos, inclusive a aplicação de regimes ambientais diferenciados, não pode depender de formalidades que nem a própria Constituição determinou, sob pena de violação da isonomia e da razoabilidade.”
Para as organizações, o projeto tende a agravar conflitos agrários e invasões às terras indígenas, ampliando a exposição dos povos indígenas à Covid-19, já em curso. Localizada na divisa dos municípios de Pontes e Lacerda, Porto Esperidião e Vila Bela da Santíssima Trindade, a TI Portal do Encantado registrou aumento de ameaças por funcionários da Fazenda Tarumã, conforme relato de um indígena da etnia Chiquitano, transcrito na carta:

“Nós fechamos nosso território com cadeado no dia 06/06, comunicamos o Exército e colocamos uma placa de aviso sobre a pandemia na entrada da aldeia. No dia sete de manhã, um invasor que nos ameaça há meses estourou o cadeado. Aí nós fechamos de novo. Por volta das cinco da tarde, o gerente da Fazenda Tarumã veio nos ameaçar. Ele entrou por dentro do mato e chegou falando que a gente não podia fechar porque o território não era nosso. Ele disse que era dono e que iria cercar a terra. Também falou que não tinha medo de nós porque a terra era dele e podia colocar máquinas.”

Em tramitação desde o dia 20 de abril, o PLC 17/2020 foi editado pelo governo de Mato Grosso apenas um dia antes da publicação, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), da Instrução Normativa nº 9/2020, que também exclui do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) as terras indígenas pendentes de homologação.

Escrita a quatro mãos pelo presidente da Funai, Marcelo Xavier, e pelo Secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura (e ex-presidente da União Democrática Ruralista), Nabhan Garcia, a medida vem sendo duramente criticada por juristas e indigenistas por violar a publicidade e os direitos constitucionais dos povos indígenas.
A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal em Mato Grosso emitiu uma liminar, em tutela de urgência, suspendendo os efeitos da IN 9/2020 no estado. Dois dias antes da votação, em 15 de junho, o mesmo MPF, por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, enviou ao presidente da Assembleia, o deputado estadual José Eduardo Botelho (DEM), um pedido para suspender a tramitação do PLC 17/2020, em  decorrência da decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). O ofício foi ignorado.