Sem conseguir uma vaga em um hospital especializado em Mato Grosso, ela precisou amarrar e sedar o garoto para que ele não tentasse cometer suicídio. Os dois moram em Nova Mutum, cidade a 242 km de Cuiabá.
“Primeiro, ele começou a se isolar socialmente. Ficava muito tempo no quarto. Depois foi ficando agressivo até que, nos picos de crise, a impressão é de que ele enlouquece”, diz a mãe, que gasta cerca de R$ 600 por mês nos quatro medicamentos para o filho.
“Percebi que a solução seria interná-lo em uma clínica especializada”, conta. O jovem foi diagnosticado com transtorno afetivo bipolar, “um tipo de doença mental da categoria de transtorno de humor”, explica o psiquiatra Elson Asevedo, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp ). “Além de períodos de depressão, o transtorno provoca momentos de euforia; o cérebro parece funcionar em um ritmo muito acelerado, o que pode colocar o paciente em risco.
O adolescente também foi diagnosticado com episódios de depressão grave com sintomas psicóticos. “Ter um episódio grave implica em maior risco de suicídio. Não significa que todos, mas 90% dos suicídios são decorrentes de transtornos mentais”, explica o médico.
Em uma das crises agudas do filho, a professora precisou da ajuda de três homens para segurar o garoto, sedá-lo e amarrá-lo. “Não foi a única vez”, lamenta Carla, que precisou recorrer ao Ministério Público para tentar a internação do filho. Sem dinheiro para bancar uma unidade particular, a professora procurou por clínicas psiquiátricas públicas, mas, de acordo com ela, não encontrou nenhuma que recebesse adolescentes no estado.
Garoto foi amarrado
A primeira tentativa de suicídio aconteceu no começo de agosto dentro de uma escola técnica federal, onde o adolescente estuda química. “Ele se levantou de repente, deixou o celular no colo de uma colega e tentou se jogar pela janela da classe. Os colegas correram em direção a ele e conseguiram evitar a queda segurando-o pelos cabelos”, conta a mãe.
Dias depois, o adolescente se agitou durante uma consulta médica. Segundo dona Carla, ele se recusou a tomar um comprimido sedativo e novamente tentou se jogar da janela. “Liguei para um cunhado que trouxe três amigos para segurá-lo”, conta a mãe.
“Desmanchei o comprimido e dei a ele. Depois amarrei suas mãos com gaze. Nesse dia ele ficou sedado e amarrado por 24 horas”, conta Carla, que precisou amarrar o filho uma segunda vez.
Professor de direito penal na PUC-SP, o advogado Claudio Langroiva Pereira afirma que a professora poderia até ser acusada por maus tratos, já que o filho é menor e incapaz. “Mas o que ela está relatando é um estado de dificuldade, uma das circunstâncias que a isentam de responsabilidade penal”, diz o advogado. “Está no mesmo artigo 23 do Código Penal que regulamenta a legítima defesa”.
De acordo com a mãe, o menino “ficou sem comer por todo o tempo em que ficou preso”. “É perigoso, mas não tenho alternativa. O ideal é que ele ficasse em um hospital preparado, mas não consigo vaga”, afirma. Questionada sobre a possibilidade de ter incorrido em crime por amarrar o filho, Carla diz que não teve alternativa. “A Promotoria me disse que fazer a contenção do meu filho poderia dar problema. Então que dê problema e tenha a repercussão necessária para conseguir ajuda para o meu filho”, diz. “O poder público precisa rever suas políticas destinadas à saúde mental no Brasil”.
De acordo com o psiquiatra Asevedo, “esses casos são muito comuns nas periferias do país”. “O Brasil tem cerca de 30% dos leitos psiquiátricos recomendados pela OMS [Organização Mundial da Saúde]. Muitas famílias não têm onde tratar, não encontram pronto-socorro psiquiátrico e acabam amarrando o familiar. Em momentos de crise, a internação pode mesmo ser necessária”.
Sem encontrar vaga para o filho, a professora recorreu ao MPE (Ministério Público Estadual). Um oficial de Justiça e uma conselheira tutelar acompanharam mãe e filho até o Hospital Adauto Botelho, em Cuiabá, que teria de recebê-lo em caráter emergencial. O hospital, no entanto, teria se recusado a receber o garoto porque não dispõe de uma ala psiquiátrica infanto-juvenil. “Ameacei chamar a polícia, e eles aceitaram receber meu filho, mas me disseram que não se responsabilizariam pela integridade física dele e minha, que precisaria ficar internada com ele. Então não deixei meu filho lá.”
Procurado, o hospital informou por meio da Secretaria de Estado de Saúde que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que os menores portadores de doença ou deficiência mental “deverão ter o acompanhamento em tempo integral de um dos pais ou responsáveis”. “Não houve recusa de internação (…) A mãe do paciente se recusou a permanecer como acompanhante do filho na unidade, desistindo voluntariamente da internação”.
Carla, então, recorreu à Defensoria Pública, que conseguiu na Justiça uma liminar que obriga o Estado a bancar a internação do adolescente em qualquer clínica brasileira, mesmo que particular. De acordo com o professor da PUC, “o Estado tem a obrigação de conseguir e pagar esse tratamento”. “Ela pode fazer uso até de hospital particular”, diz. Como não encontrou nenhuma clínica em Mato Grosso, a professora aceitou a oferta de uma clínica particular que ministra convulsoterapia, o antigo eletrochoque, agora permitido no Brasil. “Ficamos muito esperançosos com o resultado”, diz a mãe. “Na tarde em que aconteceu a primeira sessão, ele abriu um sorriso pela primeira vez em muito tempo”, conta.
A segunda sessão foi no dia 1º de outubro. “Ele tomou café, almoçou com a gente e conversou com todo mundo. Ele não fazia isso havia muito tempo”, conta Carla.
“Além disso, é muito mais barato que a internação. Cada sessão custa R$ 1.400.” A liminar na Justiça autoriza o Estado a gastar R$ 70 mil com a internação do menor. “Entrei com um pedido na defensoria para que eles substituam a internação pela convulsoterapia. Os médicos estimam a necessidade de até 12 sessões.”
Fonte: Midianews