Considero pouco representativo, ou até mesmo um pouco inexpressivo, dizer-se existir um racismo estrutural. Adjetivar quase que em exclusivo uma única característica de nós próprios, suaviza demais a real dimensão estrutural da nossa sociedade. Entendo que essa adjetivação estrutural deva também ser feita sempre que falamos de impunidade, medo ou do desconhecimento que nos assolam. Procurando não ser interpretado como preconceituoso ou generalista, alego-me a desenvolver o assunto primeiramente na minha pessoa em particular.
Eu sou estruturalmente racista? Não sei… Talvez nos genes, talvez por ter nascido em África, onde de imediato fui diagnosticado com essa terrível doença. Há vários anos que a combato diariamente aplicando um raciocínio dialético que me tranquiliza, mas que por si só não elimina o aparecimento de sintomas na minha área circundante. Com o seu elevado grau de agressividade a doença causa também em mim um sofrimento crónico com o qual, infelizmente, poderei ter de conviver até o final dos meus dias.
Eu vivencio impunidade estrutural? Sim, vivencio. Em grande medida por nunca ter sido punido pelos meus progenitores que me educaram, de dentro para fora, em todas as oportunidades que tiveram ou criaram para esse efeito. Não obstante o fervor da impunidade fruto da juventude, a minha subversidade e o meu olhar sobre o alheio permitiu-me não ser excluído do convívio humano que tanto prezo. Hoje, sem o abrigo de qualquer organização, sigo impune igual a muitos outros bem diferentes de mim.
Eu sofro de desconhecimento estrutural? Claro que sofro. Sofro em virtude de limitações cognitivas, sofro por ausência do chão da sala de aula e também pela imensidão de conteúdos desinteressantíssimos com que o meu espaço/tempo coletivo é sistematicamente desfocado. E suspeito que vá continuar a sofrer por inadaptabilidade congênita, por um ecletismo bem adubado e pelas desastrosas politicas de educação que se concretizam atabalhoadamente na lógica de que o conhecimento é um privilégio.
Eu tenho medo estrutural? Tenho vários. Um deles é de que há semelhança do que acontece com o trabalho que perde direitos para um empreendedorismo de obrigação, a educação venha também ela a perder direitos para uma expressividade artificial. Outro medo estrutural é que possa não ser mais licito eu aprimorar-me e que dessa forma tenha de me substituir compulsoriamente. Não escondo tratar-se de dois receios recentes que adoraria conseguir repassar a terceiros em virtude deles me instigarem a critica e a liberdade.
É-me agora mais fácil dizer que a esmagadora maioria dos cidadãos conhece na pele, o quanto nosso corpo ainda nos representa, vestido ou despido, bem como quanto também ainda toleramos escoar as nossas violências através da impunidade. Arrisco-me até a dizer que conseguimos entender que o desconhecimento e o medo caminham juntos desde os primórdios da humanidade e que agora os utilizamos como uma poderosa arma de subjugação.
Pior que não se trata somente de racismo, impunidade, medo ou desconhecimento. O machismo, a displicência, a economia a que servimos, entre outros aspectos que materializamos num contexto sócio biológico, são todos eles resultado inequívoco de nós mesmos.
Produto revelador do vírus autodestrutivo que somos e que se extingue sem exceder a sua singularidade. Esperando agora também não ser interpretado como apocalíptico, entendo oportuno dizer o quanto considero urgente chamar-se os jovens para mais perto de nós. Eles podem ajudar-nos a aliviar o que estamos a fazer para com eles.