Varrendo rua e vendendo cremosinho, ela se formou em Direito

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Ketlly Cristina da Silva descobriu que somente pela educação poderia ter uma vida melhor

“Sabia que tinha que estudar para sair daquela situação”. A gari e recém-formada em Direito, Ketlly Cristina da Silva, de 25 anos, recorda com um misto de sentimentos os anos em que ela e três irmãos viveram apenas com a renda de R$ 8 por dia dos “bicos” feitos pela mãe diarista.

Sem dinheiro para garantir a alimentação, era comum que a família se alimentasse com açúcar e farinha, por exemplo. No mês passado, ela concluiu uma das metas que traçou em busca de uma vida mais confortável e se formou em Direito na Unic.

Ao MidiaNews, Ketlly conta que sempre teve como inspiração uma tia que passou em dois concursos públicos. Muitas vezes, dormia na casa dela para ter o que comer na manhã seguinte.

“Ela fez concurso nível médio para limpeza de escola, depois para agente de pátio no Estado. Sempre me espelhei nela. Não era nada de se esbanjar, mas ela tinha uma vida mais completa. Gostava de dormir na casa dela para acordar e ter pão para comer. Na minha casa todo dia era uma luta”.

O pai de Ketlly morreu quando ela tinha três anos, enquanto cumpria pena em um presídio. A família morava em uma casa no Bairro Hélio Ponce de Arruda, em Várzea Grande, onde a recém-formada vive até hoje.

Com o dinheiro que conseguia nas diárias, a mãe pagava as contas de água e luz. Com o que sobrava, garantia comida para família.

Roupas e sapatos eram artigos de luxo que ela e os irmãos conseguiam através de doações.

“Sentia vontade de comer algo melhor, de ter um carro, de morar num lugar melhor. As pessoas sempre me falaram que eu conseguiria isso através do estudo. Não entendia como, mas decidi estudar”.

Busca por estabilidade

Ketlly fez a prova do concurso para gari de Várzea Grande em 2018 e buscava por estabilidade, já que na época trabalhava como vigia de uma escola durante a manhã e vendia “cremosinho” durante a tarde. Cremosinho é uma espécie de sorvete vendido em saquinhos cilíndricos, em cuja composição vão leite, leite condensado e suco.

Na época, ela tinha 22 anos e estava no quarto semestre do curso de Direito.

“Era contratada e sempre tinha aquela ameaça da demissão. Ficava triste, porque não podia fazer compromisso com meu dinheiro. Decidi que faria concurso até para gari”.

Quando o resultado saiu no final daquele ano, ela não se importou com os possíveis julgamentos de ser estudante de Direito e trabalhar como gari nas ruas.

“Só Deus para explicar. É uma felicidade que ninguém pode tirar de mim. Minha mãe também ficou super feliz. As vezes as pessoas podem julgar, mas dentro de mim eu estava tão feliz, que podiam falar o que quisessem. Foi muita alegria, saí contando para todo mundo”.

Após a aprovação, a jovem ainda passou por momentos de aflição quando recebeu a notícia de que precisaria desembolsar cerca de R$ 600 para custear o pagamento de exames e avaliação psicológica para assumir o cargo.

Apesar da dificuldade, ela conta que não desanimou: foi para rua vender cremosinho e latinhas para conseguir o dinheiro.

“Depois que peguei o uniforme fiquei muito feliz. Muitas pessoas assustaram por eu estar vestida daquela forma e fazer Direito, mas não me importei. No primeiro dia fomos limpar um campo, minha função era rastelar e varrer”.

Ketlly fala do trabalho de gari com muito carinho, afinal foi ele quem deu oportunidade de comprar um terreno e afastou a fome de casa.

A jovem é casada e tem um filho de nove meses. O marido está desempregado, mas faz bicos de vez em quando.

Sonho do diploma 

Ketlly conseguiu acesso a universidade e a possibilidade de sonhar com um futuro melhor graças ao Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). Ela afirma que não pensou duas vezes em contrair a dívida futura em troca da oportunidade de estudo.

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KETLLY

Ketlly conseguir se matricular em Direito na Unic através do Fies

Muitas vezes enfrentou dificuldades por não ter condições financeiras de arcar com os custos de uma faculdade particular, que vão além da mensalidade. Nesses momentos, sempre recorria a ajuda de um tio e da venda de cremosinho.

“Cheguei a pensar em desistir do Direito, mas não do curso superior por causa dos gastos. Todo semestre atualizava a lei e tinha que comprar o Vade Mecum (livro usado por estudantes de Direito) e eu não tinha esse dinheiro, além dos livros e outras apostilas”.

Em outras situações, sem ter dinheiro para pagar pelo transporte até a universidade, ela fazia o trajeto de cerca de 5 km de bicicleta.

Diferente de Cuiabá, Várzea Grande não garante passagem gratuita aos estudantes.

Outra dificuldade era conciliar a rotina puxada de trabalho com as aulas no período noturno e ter tempo livre para estudar. Mas ela comemora por ter conseguido mesmo sem privilégios.

“Terminei a faculdade, foi uma grande vitória. Estou muito feliz, porque não foi fácil, chorei muito principalmente na fase do TCC. Era online, não tinha ninguém para me auxiliar, tinha que pesquisar na internet, chorava demais”.

Por conta do dinheiro escasso, ela não conseguirá participar da festa de formatura. Apesar de ser um dos sonhos que tinha, o evento foi orçado em R$ 7,5 mil, gasto que não faz parte da realidade da jovem.

Ketlly agora se prepara para a prova da OAB, que acontecerá em 17 de outubro.

Para o futuro, a jovem espera conseguir prosperar ainda mais na vida profissional e acadêmica para ser exemplo para o filho de nove meses.

“Quero servir de exemplo para ele, penso em poder dar uma educação melhor para ele. Sempre tive sonho de estudar em escola particular, quero lutar para dar isso para ele. Sem desmerecer a escola pública, que me trouxe até aqui. Quero servir de exemplo para ele, penso em poder dar uma educação melhor para ele”.

Fonte: Midianews