Varanda Pantaneira

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O dia amanhecia sonolento e silencioso no seio aconchegante da noite. A luminosidade ainda tênue docilmente beijava a varanda da sede da fazenda pantaneira. A lua, ao contemplar os primeiros raios de luz, se despedia sorrateira e acanhada após reinar soberana. Os acordes da orquestração da natureza já começavam a quebrar o silêncio, passando a delinear sons sensíveis e vibráteis numa sinfonia mágica e divina, anunciando festivamente o alvorecer.

Ouve-se então o ranger das redes estendidas entre tralhas de pesca, alforjes, guaiacas e arreios dependurados, assim como as botinas surradas e curtidas pelos respingos dos águaçais das vazantes sinuosas dos brejais do Pantanal, espalhadas pelo chão. A seguir, percebe-se a cantiga chorosa do ralar do guaraná, acompanhada pelo rouco pigarro do forte palheiro e pelo cheiroso aroma do cafezinho vindo do fogão a lenha, que a todos despertava daquela ainda sonolência e paz.

  Pantanal Mato-Grossense é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera. (Foto: Marcos Vergueiro / Secom-MT)

O galo no terreiro, então, passava a incorporar aquela maravilhosa sinfonia do amanhecer, com seu retumbante clarim a fustigar a passarada, que despertava do frondoso pomar e saía aos bandos, irradiando musicalidade nos ares em alegre festim e enfeitando o céu. As curraleiras de úberes cheios também começavam a chorar saudosas por suas crias, num berrar intermitente, apenas entrecortado pelo cantar das curicacas e pela arrelia dos aranquãs no cerrado distante.

Nesse momento, os periquitos, em estentóricas algazarras ensurdecedoras, revoam as bocaiuveiras que alcatifam este universo paradisíaco pantaneiro. Logo, o caboclo busca o poço d’água para o asseio matinal antes de iniciar seu bendito labor diário, e, após beijar o pano amarelecido pelo tempo que cobre o carcomido nicho dos santos que o protegem, segue sua rotina.

No pátio da fazenda, entre canga e cangalhas, já se ouve a voz do carreiro chamando pelo boi de guia, ao mesmo tempo em que o garanhão, galopando, corta o vento e relincha liberdade, abafando os sons dos machados abraçados ao cerne seco do angico, acelerando o amanhecer.

Na mesa da fazenda pantaneira, a moringa, o sapicuá e o lampião dão lugar ao quebra-torto, preparado pelas mãos mágicas e sempre abençoadas que nutrem de boa seiva uma raça de têmpora forte e destemida.

Ao amanhecer, o sereno faz brilhar o verdejante tapete de mimosal, que se espraia circundando os corixos das águas claras, repletos de jacarés e capivaras, decorado pelo jacá e pela velha canoa, enfeitado por aguapés, colhereiros, tuiuiús, biguás, marrequinhas e alvacentas garças.

Ao longe, ouve-se a voz dos peões, que, como tordos felizes, amanhecem saboreando o tradicional chimarrão, ligando a sonata ao som agradável dos rasqueados e concorrendo ainda mais para aquele indelével momento de alegria e sonoridade. Este é o senáculo de encantamento singular que, ao mesmo tempo, enriquece de majestática sublimidade e sedução a Varanda
Pantaneira.

*TEOCLES MACIEL é  advogado, professor, escritor, compositor, ex-prefeito de Barão de Melgaço e foi deputado estadual  na Assembléia Constituinte de Mato Grosso (1988-89).

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Teocles Maciel é  advogado, professor, escritor e compositor.   (Fotos cedidas pelo autor)