Triste consolo…

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Contam que um certo funcionário, ao receber o salário, foi imediatamente ao encontro dos amigos em um bar próximo à repartição. Naquele ambiente agradável e por demais entusiasmado, continuou nos bebericos intermitentes ao som de um sambinha maroto, indiferente ao transcurso do tempo.

A cachaça rolou solta entre tira-gostos e um bate-papo caloroso e inflamado, que a todos magnetizava. Após um longo tempo de agradável convívio entre amigos, foi convidado por um deles a fazer uma incursão à zona do meretrício, ou seja, a uma boate, também conhecida como cabaré.

Muito alcoolizado, não pestanejou: logo aceitou o convite e foi arrebatado para estender a noite em uma das boates. Lá chegando, fez todo tipo de peripécias: autorizava bebida à vontade, tudo por sua conta, sem contar tira-gostos e outras guloseimas. Afinal, estava com todo o dinheiro no bolso, amarrado no elástico, o que o fazia falar grosso. As mulheres lindas estavam ao seu redor, alcatifando o ambiente com muita alegria, agitação e musicalidade.

Ao amanhecer, procurou voltar para casa com um amigo e, ao chegar, já no avançar das horas, foi imediatamente cobrado pela esposa quanto ao salário. Começou, então, a procurá-lo no bolso e a revirar a pasta, sem, infelizmente, encontrá-lo. O dinheiro havia desaparecido.

A esposa, diante daquele dantesco quadro, muito nervosa ao contemplar o marido vindo da boemia e por demais embriagado, sem sequer estar de posse do salário, contrariada, advertiu-o para que encontrasse o dinheiro, sob pena de a situação “ficar preta”, concluindo que aquele salário era para cobrir as despesas mensais, tais como luz, água, mercado, açougue, colégio das crianças, entre outras.

Então, o marido, muito nervoso, explicou à mulher que encontraria o dinheiro, pois acreditava que ele teria caído em um bar que frequentava, cujo proprietário era seu amigo. Após isso, passou na casa do companheiro de farra e boemia para verificarem se o dinheiro do salário não havia caído na boate.

Assim que lá chegou, foi explicando a situação à gerente quanto à perda do dinheiro, sendo imediatamente esclarecido por ela que ele, na madrugada, havia fechado a boate, ou seja, assumido todas as despesas e se responsabilizado pelo pagamento. A gerente ainda adiantou que a despesa havia sido vultosa, repassando o valor pago e ainda dizendo que rolou muito uísque importado, cerveja e tantas outras coisas.

Ao tomar conhecimento do valor gasto na boate, verificou que era, de fato, expressivo, e que praticamente nada de seu salário teria chance de sobrar, justificando assim o desaparecimento do dinheiro. Ademais, a gerente ainda acrescentou que, bastante inflamado, ele batia na mesa, chamava todas as meninas da casa e transferia a cada uma delas um pouco do dinheiro que retirava da pasta, dizendo que assim procedia por ser defensor intransigente
do princípio da igualdade social.

No que o mesmo ouviu atentamente e balbuciou, dizendo que tinha mesmo essa mania de, depois de encher a cabeça de cachaça, defender esse princípio, querendo assemelhar-se aos políticos — com a única diferença de que estes o fazem demagogicamente, através de promessas, ao passo que, no seu caso, põe a mão no bolso.

Retornando para casa junto com o amigo, muito nervoso, pálido e suando frio, disse-lhe:

— Veja só, amigo… E eu que pensava ter perdido o dinheiro…

E, de imediato, em desespero, começou a chorar, murmurando:

— Às calendas, tudo pelo social, ou seja, às favas, tudo pelo social, como a querer assemblar-se ao personagem Quincas Borba, de Machado de Assis, que enfaticamente bradava:

— “Aos vencedores, as batatas!”

*TEOCLES MACIEL é  advogado, professor, escritor, compositor, ex-prefeito de Barão de Melgaço e foi deputado estadual  na Assembléia Constituinte de Mato Grosso (1988-89).

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Teocles Maciel e´advogado e professor.    (Fotos cedidas pelo autor)