A primeira mulher transsexual a participar do “Big Brother Brasil” foi Ariadna, eliminada com 49% dos votos na primeira semana em meio a inúmeras discussões polêmicas que faziam juz a um momento que transsexualidade era um verdadeiro tabu. Após 11 anos, é esperado que a história não se repita ao longo dos próximos três meses com Linn da Quebrada, cantora e atriz que é a segunda participante transsexual a entrar na casa.
O público sabia que Ariadna era uma mulher transsexual, mas os participantes só ficaram sabendo quando ela saiu. O fato dos brothers e sisters não terem essa informação foi motivo de “circo”, com os espectadores ansiosos para o momento em que um homem cis — que se identifica com o gênero que lhe foi determinado no nascimento — desse um beijo em Ariadna. E isso aconteceu.
Diogo deu um selinho na participante. A situação acabou virando uma animação veiculada na própria grade do reality show. No vídeo, Diogo diz que Deus deu um corpo perfeito para Ariadna, que responde ter feito sua parte. O vídeo voltou à tona por um usuário do Twitter no último dia 21 de janeiro.
A pessoa por trás do “BBB”, Boninho também tirou sarro da situação na semana da estreia da temporada: “vai ser engraçado alguém pegar a moça que não é”. Segundo uma reportagem da Veja, divulgada na época, a fala foi dada em resposta a uma usuária do Twitter.
Outro veículo de comunicação que também deu um tratamento problemático para Ariadna foi o Jornal Meia Hora. O jornal estampou na capa uma foto da ex-BBB sugerindo um negócio para ela com o slogan “Corto Cabelo e Pinto. Entrada pela frente e pelos fundos”. Ariadna, inclusive, se pronunciou no Twitter recentemente sobre a capa e afirmou ter passado o dia chorando quando o jornal foi veiculado.
Em resposta, o Jornal Meia Hora pediu desculpas à ex-BBB. “Pedimos perdão não apenas a Ariadna como a todas e todos agredidos por essa capa de 11 anos atrás. Não tem graça, assim como outras piadas infelizes que, no passado, eram corriqueiras, embora causassem sofrimento. Além de nos envergonhar, não reflete a nossa atual linha editorial”.
Nova participante, novo momento
O pedido de desculpas do jornal é reflexo de pouco mais de uma década de avanços nas questões acerca da comunidade LGBTQIA+. A Globo também mudou, inclusive. No último domingo (23), após uma série de micro-violências que Lina sofreu de alguns participantes que a chamaram pelo pronome errado, Tadeu introduziu a problemática para os brothers e sisters de forma natural, e desde então a participante não sofreu mais transfobia.
Atriz mato-grossense, Lupita Amorim avalia que as violências sofridas por Lina expõem que o comportamento dos participantes é um reflexo de uma sociedade brasileira que não está acostumada a conviver com pessoas transsexuais. Para ela, “o Brasil está podendo acompanhar as vivências de uma pessoa trans no país”.
“Isso demonstra que as pessoas não estão habituadas [com pessoas trans]. As pessoas não convivem com pessoas trans no seu dia-a-dia. Isso fica muito restrito a nossa comunidade. Todas as pessoas que convivem com transexuais sabem que isso infelizmente acontece diariamente: nos chamam das formas que elas nos leem e não como a gente quer ser tratada”.
Apesar de enxergar como positiva a participação de Lina, Lupita pontua que a representação ainda não é suficiente porque uma única mulher transsexual não é capaz de carregar sozinha a pluralidade de uma comunidade tão diversa. “A representatividade está ali até esse ponto. Ainda são 19 pessoas cisgêneras e uma travesti. Só vai funcionar com mais pessoas travestis, sabe? [Precisa de] mais pessoas LGBTs, indígenas e negras”, ressalta ao Olhar Conceito.
Ao longo de 22 edições, somente duas mulheres transsexuais participaram e até hoje nenhum homem trans. Sol Ferreira, artista de Várzea Grande, acredita que isso é reflexo de um certo apagamento histórico sofrido por essa população, que foi silenciada e esquecida nas cidades onde nasceram, após essas pessoas irem embora em busca de um recomeço em consequência de inúmeras violências sofridas.
Em novos municípios, esses homens conquistaram a passabilidade — quando uma pessoa consegue ser lida pelo gênero que se identifica —, mas nada impediu que se estabelecesse “uma rede de transfobia, que configurava em silenciamento e apagamento histórico. Foi assim durante muito tempo. É frequente que exista essa invisibilidade aos transmasculinos”, explica.
Em entrevista ao Olhar Conceito, Sol acrescenta que pouco é questionado do ser homem cis, e isso acaba se refletindo de certa forma em homens transsexuais. Enquanto isso, as mulheres transsexuais acabaram conquistando espaços e representatividade inclusive na TV após muita luta.
“Essa representatividade que elas têm hoje ao mesmo tempo também foi conquistada por muito sangue e suor, entende? Não que os homens trans, não de pessoas transmasculinas não lutaram durante todo esse tempo. Essas lutas foram se configurando de maneiras diferentes. Essa invisibilidade foi nos atingindo de maneiras diferentes também”, finaliza.
Fonte: Olhar Conceito