Sonhos destruídos e receio de novos temporais assombram moradores do São Matheus

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Ao caminhar pelo bairro São Matheus, em Cuiabá, nesta segunda-feira (13), não é difícil encontrar móveis, colchões e eletrodomésticos encostados às calçadas ensopados. As fortes chuvas do fim de semana deixaram um rastro de tristeza, perda e sensação de abandono por parte da comunidade que viu de perto casas serem invadidas pela água barrenta, junto a famílias que perderam todo o pouco que tinham.

Ao todo, no bairro São Matheus, 11 ruas ficaram alagadas pós-temporal, que culminou em um deslizamento no Córrego do Gambá, curso que passa pela região. O afluente transbordou, levando água para diversas casas situadas nas proximidades. Com bueiros e bocas de lobo entupidas, os moradores enfrentaram uma madrugada desesperadora, enquanto a água destruía tudo que encontrava pela frente.

Dona Geni Nunes relembra com carinho do tempo em que tinha 20 anos e, com muito esforço, conquistou sua casa própria. “Eu era mocinha, trabalhei duro para conseguir e olha o que virou. Minha casa está cheia de lixo, não consigo nem receber visitas, fiquei a madrugada toda limpando e nem tenho saúde para isso”.

A idosa, de hoje 63 anos, que divide o lar com seu cãozinho Teodoro, perdeu todos os mantimentos que tinha na enchente. Em meio à limpeza da água barrenta, ela chegou a ser picada por um escorpião.

Carlos Rodrigues em entrevista com assistente social do município

Foto: Luíza Vieira

Situação parecida, por também ter que enfrentar toda a bagunça e prejuízo deixada pelo alagamento, sozinho, está Carlos Rodrigues, de 71 anos. O viúvo é aposentado, mas destaca que o valor que recebe não é suficiente, por isso, trabalha como ambulante. Ele não estava em casa quando o temporal começou e, ao chegar, percebeu que a geladeira e demais itens que vende no dia a dia tiveram perda total.

“Quando cheguei aqui, estava uma bagaceira. Geladeira caída, a maior anarquia aqui no quintal. Moro de aluguel aqui há 16 anos. Não queria ficar mudando, mas tô procurando por outra casa”.

Kelly Regina Moraes, de 47 anos, afirma que sequer dorme direito em tempos de chuva, visto que essa não é a primeira vez que os moradores do bairro passam por situação parecida.

“Qualquer chuvinha e a gente já fica com o coração na mão. Fico olhando o córrego para ver onde está, de medo”, contou ela, ao revelar que, mesmo fora do período chuvoso, mantém móveis e mantimentos sobre calços de madeira ou tijolos, por medo de perder o pouco que tem.

“Acabou com meu guarda-roupa, a água deu no meu joelho. A geladeira e o freezer eu deixei desligado para secar e torcer para que não tenham queimado. Antigamente, não tinha essa vazão de água que teve hoje. Dava água até na canela. Dessa vez, foi até o joelho, carro não passava. Falam que vão dar jeito, mas esse não é um problema só da gestão passada, como também de outras e outras gestões na prefeitura”, relatou Kelly, que mora há 20 anos no bairro.

Com um pouco mais de sorte, dessa vez, Lucineide Souza relatou que já enfrentou uma enchente dessa proporção há aproximadamente 8 anos. Na época, ela perdeu todos os móveis da casa.

“Eu comi porque ganhei cesta básica. Consegui trabalhar e comprar aterro para aterrar essa casa e, pelo visto, não foi suficiente, porque ainda assim entrou água. Mas, bem menos que nos meus vizinhos. Aqui entrou bem pouca”.

Lucineide Souza em frente à sua casa

Foto: Luíza Vieira

A idosa de 69 anos, que reside na mesma casa há 40 anos, acompanhou as transformações da região ao longo do tempo e destacou que, além da falta de preocupação por parte do poder público para com a região, falta também noção por parte da população.

“A gente já mora na beira de um córrego e o povo ainda joga lixo no córrego. O lixo ele não é só daqui da região, ele já vem lá de cima. Prejudica as pessoas e o rio Cuiabá, no Pantanal. As pessoas ficam com as casas alagadas, perdem tudo e, daqui uns dias, o rio não dá peixe, não dá mais nada. Todo mundo sai no prejuízo”.

Esses e outros tantos moradores foram assolados pelo temporal que prejudicou não só a comunidade do São Matheus, como também de outros bairros da capital, como o Jardim Eldorado, Boa Esperança, Jardim Tropical e Tancredo Neves.

Equipe faz limpeza de bueiros no bairro São Mateus

Foto: Luíza Vieira

Ao longo da reportagem, assistentes sociais da prefeitura estavam entrevistando as famílias prejudicadas a fim de levantar os principais prejuízos gerados. Dados que devem servir de base para a liberação de um auxílio emergencial’ que o prefeito Abilio Brunini (PL) estuda instituir junto à Câmara de Veradores, com o objetivo de socorrer os moradores.

Por ora, a Defesa Civil atua em parceria com a Secretaria de Assistência Social e com a Empresa Cuiabana de Zeladoria e Serviços Urbanos (Limpurb) para evitar mais problemas na região, atuando em trabalhos de limpeza de bueiros. Os trabalhadores lutam contra o tempo para evitar novos danos, dada a previsão de chuva para todos os dias dessa semana.

Fonte: Leiagora