A Rússia anunciou, na quarta-feira (3), que certificou o antiviral Avifavir para o tratamento da Covid-19. O medicamento ainda está em fase de testes e é uma versão modificada do antiviral experimental favipiravir, de origem japonesa.
Segundo o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF, na sigla em inglês), que anunciou a certificação do Avifavir em uma nota à imprensa, o remédio mostrou “alta eficácia” em ensaios clínicos feitos com 330 pacientes em 35 centros médicos. Os testes começaram em 21 de maio e ainda estão em andamento.
A empresa não divulgou nenhum artigo científico com os resultados da pesquisa nem detalhou quais foram as modificações feitas no medicamento japonês.
Ao G1, o fundo informou que os dados foram submetidos a uma publicação científica e serão divulgados “em breve”. As primeiras remessas do Avifavir chegarão aos hospitais russos a partir do dia 11. Ao longo do mês, eles devem receber 60 mil doses, de acordo com o RDIF.
Nesta reportagem, além de informações sobre os testes na Rússia, você verá que:
- A versão original do favipiravir ainda está em testes para a Covid-19 no Japão, onde é aprovado (mas não comercializado) para tratar Influenza.
- Um estudo sobre a ação do remédio para o novo coronavírus já foi publicado na China.
- Outros países, incluindo os Estados Unidos, também fazem experimentos com a substância.
Ensaios russos
Equipe trata paciente com Covid-19 em hospital em Moscou, na Rússsia, no dia 25 de maio. — Foto: Maxim Shemetov/Reuters
Segundo o fundo russo, a eficácia do Avifavir ficou acima de 80%, critério para drogas com “alta atividade antiviral”. A empresa não disse, entretanto, qual era o grau dos sintomas de Covid-19 dos pacientes que participaram do estudo, nem se eles tinham alguma outra doença.
“Eles dizem que têm resultados, mas não sabemos. O problema é que não temos estudo. Então estamos no escuro”, avalia Natália Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência.
O fundo divulgou que, em um teste com 40 pacientes que tomaram o remédio, 65% testaram negativo para a Covid-19 depois dos primeiros 4 dias de tratamento; entre os que não tomaram, metade teve esse resultado. No 10° dia, 90% dos pacientes já haviam se recuperado.
Em 10 dias de ensaios clínicos, o tempo de eliminação do novo coronavírus foi de 4 dias para pacientes que tomaram o remédio, comparado a 9 dias naqueles que não receberam.
“O medicamento tem um mecanismo de ação claro – bloqueia a replicação do vírus dentro da célula, atrapalhando seu ciclo de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o Avifavir não suprime processos similiares ocorrendo em células humanas, e por isso não é tóxico para elas”, afirmou Konstantin Balakin, chefe do Departamento de Química da Universidade Federal de Kazan.
“A tolerância é boa, sem náusea, desconforto abdominal ou diarreia, que ocorrem com frequência na terapia padrão”, afirmou Elena Simakina, chefe da Unidade de Doenças Infecciosas do Hospital Clínico nº 1, em Smolensk.
Para a infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, não é possível tomar decisões clínicas sem ler o estudo completo. “Qualquer droga que venha para benefício dos nossos pacientes e que não cause dano é sempre muito bem vinda. O que não pode é sair prescrevendo sem ler e analisar a parte científica”.
“A gente não quer grandes estudos com metodologias impecáveis, quer o mínimo de segurança para prescrever essas drogas. Eu não vou me basear em um site que falou que tem bons resultados para sair prescrevendo. Deixa sair o resultado para a gente ver que tipo de paciente usou, por quanto tempo, quais foram os efeitos adversos, qual foi a vantagem de usar a droga”, explica Richtmann.
Os testes do remédio ainda estão ocorrendo em Moscou, São Petersburgo, Tver, Nizhny Novgorod, Smolensk, Ryazan, Kazan, Ufa e na República do Daguestão.
Antiviral de origem
Foto mostra comprimidos do remédio ‘Avigan’ (cuja substância genérica é o favipiravir), de origem japonesa e que está em testes no país para combater a Covid-19. — Foto: Issei Kato/Reuters
Além da Toyama Chemical, outros 7 laboratórios no mundo desenvolvem o medicamento, incluindo três ligados à Fujifilm, um às Forças Armadas dos Estados Unidos e um na China, de acordo com a base de dados AdisInsight.
Em estudos com animais, o favipiravir já foi apontado como teratogênico (pode causar más formações em embriões, do mesmo modo que a talidomida).
O remédio vem com um alerta para mulheres grávidas e em idade fértil. Ele também é detectado no esperma; por isso, recomenda-se o uso de preservativo para homens.
O antiviral foi originalmente pensado para tratar gripe. Mas, conforme a própria Toyama Chemical, o seu uso deve ser considerado apenas quando há um surto de um vírus Influenza novo ou reincidente contra o qual outros antivirais não tenham o efeito necessário. Nesses casos, cabe ao governo japonês decidir usar a droga.
“Essa é uma droga que foi desenvolvida como uma reserva de tratamento para Influenza. É uma estratégia do próprio laboratório e do Japão de guardar essa droga, preservar essa droga caso aparecesse outra pandemia de Influenza. Sempre se tem muito medo de que você possa ter um vírus Influenza muito agressivo que não seja sensível ao oseltamivir [Tamiflu]”, explica José David Urbaéz, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia no Distrito Federal.
Segundo a fabricante, o favipiravir tem um mecanismo de ação que impede a propagação de vírus e “pode ter um potencial efeito antiviral” no Sars-CoV-2 (nome do novo coronavírus), porque ele, assim como os vírus da família influenza, tem apenas uma fita de RNA.
“Mas, neste estágio, a aplicação clínica do Avigan para tratar a Covid-19 está sob estudo e preparação para obter evidência clara da eficácia e segurança da droga”, disse a empresa.
No início de maio, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, chegou a exaltar o potencial da droga para a Covid-19 – ele afirmou que o remédio seria “crucial” para combater a doença – mas, no dia 26, o ministro da Saúde japonês, Katsunobu Kato, anunciou que aprovação da droga havia sido adiada para junho “ou mais tarde”, segundo a agência de notícias Reuters.
De acordo com a agência, Kato disse que o governo pretendia aprovar a droga se os resultados dos testes clínicos, conduzidos na Universidade de Fujita, mostrassem alta eficácia para tratar Covid-19. Mas um painel de especialistas que avaliou o relatório inicial dos testes declarou que era cedo demais para julgá-los cientificamente, o que fez com que os ensaios continuassem.
Além da universidade, a droga está sendo testada pela própria Fujifilm. O Japão também anunciou, no mês passado, que enviaria o remédio a 43 países para experimentos contra o novo coronavírus.
Pesquisa chinesa
Agentes de saúde se preparam para coletar amostras de exames de jornalistas durante o encerramento do Congresso Nacional do Povo e de coletiva de imprensa do premiê chinês em Pequim, no dia 28 de maio. — Foto: Ng Han Gua/AP
Em março, cientistas do Terceiro Hospital do Povo, em Shenzhen, na China, publicaram um ensaio clínico em que testaram o favirapivir contra o novo coronavírus: 35 pacientes receberam o favirapivir, e outros 45 foram tratados com outro antiviral (que serviu de grupo controle). Não foram incluídos casos graves de Covid-19.
Os pacientes que usaram o favirapivir se livraram do vírus mais rápido (em 4 dias em vez de 11) e tiveram taxas mais altas de melhora em imagens do tórax.
“Esses achados sugerem que o favipiravir tem efeitos de tratamento significativamente melhores na Covid-19 em termos de progressão da doença e eliminação viral, em comparação com o lopinavir/ritonavir”, concluíram os autores.
Os efeitos colaterais do remédio também foram menos graves do que os causados pelo outro antiviral, o que, segundo os autores, contribuía para um tratamento prolongado se necessário.
Eles lembraram que o estudo teve limitações, que levaram a um viés de seleção dos participantes:
- não foi um ensaio clínico randomizado (em que os pacientes são colocados em cada grupo aleatoriamente);
- não teve grupo de controle placebo (em que um grupo recebe uma substância inativa e não o tratamento em si ou outra droga);
- não teve duplo-cego (método em que nem os pacientes nem os médicos sabem quem está recebendo qual tratamento).
Testes nos EUA
Nos Estados Unidos, testes com o favipiravir para a Covid-19 começaram em abril, com 50 pacientes em três hospitais: no Hospital Geral de Massachusetts, um dos maiores do país; no Brigham and Women’s Hospital; e no hospital da faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts. A previsão é que os primeiros resultados saiam em agosto.
Em uma entrevista de abril, publicada na página de inovação do Hospital Geral de Massachusetts, o médico Boris Juelg, que coordena as investigações com o remédio no hospital, explicou a decisão de testar o remédio lá.
“Ele tem alguma atividade contra o ebola. Foi testado na África Ocidental na época em que houve os surtos, mas não em grandes ensaios clínicos randomizados e controlados. Portanto, não há evidências claras para dizer que definitivamente funciona. Dado que possui atividade antiviral, agora estão testando contra o Sars-Cov-2, contra o qual demonstrou atividade”, afirmou.
Revista publica estudo preliminar sobre remédio experimental para tratar casos de Covid-19
No mês passado, o presidente americano, Donald Trump, autorizou o uso emergencial do antiviral experimental remdesivir contra a Covid-19. O remédio melhorou o tempo de recuperação dos pacientes de 15 para 11 dias.
O remdesivir havia sido pensado, originalmente, para tratar hepatite, mas não funcionou; também foi testado para o ebola, mas não teve resultados promissores, segundo o jornal americano “The New York Times”.
O medicamento também mostrou eficácia contra a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers, na sigla em inglês) em uma pesquisa feita em macacos. O vírus causador da doença também é da família corona, como o Sars-CoV-2 (nome do novo coronavírus).
Fonte: Bem Estar/G1