Presidente da Aprosoja prevê que MT estará desenvolvido como o Estado do Texas daqui a 30 anos

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Apontado como carro-chefe de Mato Grosso, o setor do agronegócio vive um bom momento há alguns anos, sendo protagonista na recuperação financeira do Estado e peça-chave para a continuidade do crescimento econômico durante a pandemia da Covid-19.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Fernando Cadore, defendeu que o Estado cresce a “ritmo chinês” e, se continuar dessa forma, poderá se tornar, dentro de algumas décadas, tão desenvolvido quanto o Texas dos Estados Unidos, por exemplo.

“Eu sou um entusiasta, como cidadão mato-grossense, e tento visualizar nosso Estado daqui 30 anos, 50 anos. Enxergo aqui um Texas, um estado desenvolvido norte-americano e que só tem a crescer”, disse.

Cadore avaliou o avanço do setor, defendeu a política ambiental existente no país e criticou a postura que os demais países têm em relação ao Brasil quando o assunto é meio ambiente. Para ele, é preciso que o país abandone a postura de “patinho feio” e comece a cobrar reciprocidade ambiental daqueles que, hoje, viram uma “bazuca” para o país.

“O Brasil é um dos menores poluidores e que coloca menos monóxido de carbono na atmosfera. Essa desproporcionalidade na cobrança está cercada por interesses comerciais, a falta de poder competitivo do produtor europeu e do produtor norte-americano em relação à produção brasileira”, afirmou.

Confira a entrevista abaixo:

MidiaNews – Muito tem se falado nas mudanças climáticas que podem afetar a produção agropecuária de Mato Grosso, com aumento nos períodos de seca. Existem pesquisas para se fazer sementes mais adaptadas à seca?

 

Fernando Cadore – Existe muito avanço na parte genética não só da soja, como de todas as culturas. Obviamente, se busca uma adaptabilidade à questão de seca. Mato Grosso tem um diferencial, porque tem estabilidade climática maior que os outros estados do país e que outras regiões do mundo, mas mesmo assim se busca esse avanço.

 

A gente vê esses ciclos na agricultura. Quando a gente vai pegar o histórico, vê que já houve períodos de seca lá atrás, na década de 1920, 1950. Existem ciclos. E a gente espera que esse avanço da tecnologia consiga minimizar esse tipo de impacto, até porque garantir a produção, a estabilidade, é bom para o Estado, para o país, para os consumidores do mundo.

 

Então, a gente vem aí de um estado que tem a produção primária e precisamos industrializar. E essa garantia de produção vem no encontro disso. Sem dúvida, a genética tem avançado, a tecnologia, a pesquisa nesse campo.

 

MidiaNews – O MPE e o MPF recomendaram que não haja o plantio da soja em fevereiro. Como a Aprosoja recebeu essa recomendação?

 

Fernando Cadore – Com um pouco de estranheza, visto que a recomendação foi do próprio Ministério da Agricultura. Ele atende um pleito dos produtores não só de Mato Grosso, mas de todo o país, em relação a isso. Quem vive da soja são os produtores, que jamais irão colocar em risco sua renda. E esse plantio de fevereiro nada mais é para que o produtor salve a sua semente dentro do melhor período, sem entrar no período de vazio sanitário [período em que não se pode plantar] que para nós é sagrado. Tem que ter um período de 90 dias sem a soja. Se criou muita celeuma, se pessoalizou tudo isso, e é bom que fique bem claro que não é pessoal, de A e B. É a entidade, são os produtores do Estado.

 

MidiaNews – Então, esse plantio de fevereiro é só para a semente?

 

Fernando Cadore – Teoricamente, seria só para a semente, porque não é viável o plantio de fevereiro comercialmente. Você tem um período de luz menor, conforme vai avançando os meses, o dia fica mais curto. Então, não seria viável o produtor fazer a soja comercial. Mas tem aquele pequeno produtor que planta lá 100, 200 ou até 500 hectares – que corresponde a praticamente 50% dos nossos produtores e pouca gente sabe disso. Criou-se uma celeuma de barão, tubarão e é muito pelo contrário. Os produtores que estão em Lucas, Primavera, nessas cidades, produzem em pequenas áreas.

 

Então, esse produtor que não tem uma estrutura, quando planta em fevereiro, colhe em maio, antes do início do vazio sanitário. E isso é muito importante destacar. E maio é uma época seca, não tem incidência de umidade e não precisa de uma estrutura para secar. Então, guarda essa semente e vai ter uma qualidade para usar depois. Lembrando que quando a gente fala do produtor salvar sementes, é algo respeitando as regras, a legislação, fazendo o seu registro e tudo que a lei permite.

 

Se criou uma celeuma muito grande, porque entrou a parte comercial e tudo mais em cima disso, e gosto sempre de frisar que a gente foge disso. A gente atende ao pedido da base fundamentado na ciência que a gente sabe que existe.

 

O outro lado que insiste em criticar essa ação se baseia em pareceres, em recomendações sem pautas científicas. E a gente tem buscado que seja colocado na mesa essa discussão técnica. A gente pode afirmar que o produtor jamais colocaria em risco a sua atividade de renda. Ninguém seria louco a esse ponto. Respeitamos o vazio sanitário e o plantio de fevereiro não fere. O vazio é o período sem planta viva de 15 de junho a 15 de setembro.

 

MidiaNews – Então, se está sendo respeitado o período de vazio sanitário, não tem um porquê dessa recomendação. O produtor está dentro da lei.

 

Fernando Cadore – Exatamente. O que acontece é que em 2015 se criou uma barreira. Isso não existia e quando criou, não foi consultado o setor produtivo. Simplesmente, de uma hora para outra, se calendarizou em Mato Grosso. Veja bem, o vazio sanitário sempre existiu. A cultura da soja leva em torno de 90 a 120 dias. Então, se eu planto em fevereiro, tenho março, abril, maio. Talvez eu colha aí no final de maio, início de junho. O vazio sanitário, que nós produtores ajudamos a formar, então a gente não adentra, muito pelo contrário.

 

Nós produtores, a Aprosoja Mato Grosso, somos os maiores defensores do vazio sanitário, que é esse período sem plantar. Então, se criou muita confusão e para quem tá de fora acabou entrando tudo na mesma celeuma, colocam pontos que não tem a ver. Os pequenos produtores que vão ser beneficiados. Nem todo mundo tem um secador que custa milhões pra salvar sua semente, nem todo mundo tem uma câmara fria refrigerada.

 

MidiaNews – Há uma crítica de certos setores que consideram que a política ambiental do Governo Federal e algumas declarações do presidente Jair Bolsonaro, especialmente com relação à China,  atrapalham o agro brasileiro. O que a Aprosoja Mato Grosso pensa a respeito?

 

Fernando Cadore – A gente retorna agora de uma participação pré-COP junto com o Governo do Estado na Dinamarca e a gente tem discutido muito isso muitos fóruns na entidade fazem isso, mostrando a nossa questão ambiental, que é exemplo no mundo para que se mostre isso para quem desconhece. A gente tem um problema muito sério que é a falta de entendimento. A nossa população desconhece isso. Nós, como cidadãos, falhamos nesse ponto.

 

Eu sempre cito Mato Grosso como exemplo. Celeiro de produção do mundo, maior estado produtor do mundo. Quando a gente pensa que Estados Unidos já foi o maior produtor, Mato Grosso sozinho é maior que Iowa, Illinois e um pedaço da Dakota do Norte junto, que seria o “corn belt” americano, o cinturão do milho, e nós produzimos tudo isso em menos de 10% do território, preservando o que a gente preserva.

 

Na Dinamarca, por exemplo, onde estávamos, eles usam 75% do território, quase 60% da energia deles ali vem de combustíveis fósseis e essa bazuca é mirada para nós. Sem contar que o Brasil é um dos menores poluidores e que coloca menos monóxido de carbono na atmosfera.

 

Essa desproporcionalidade na cobrança está cercada por interesses comerciais, a falta de poder competitivo do produtor europeu e do produtor norte-americano em relação à produção brasileira. E isso acaba vindo como narrativas falsas que a nossa população, às vezes, compra e ajuda a macular o que a gente tem de melhor no Estado e no país. Então, isso precisa ser combatido.

 

Agora, tem que ver a maneira como isso vai ser posto na mesa. O Governo Federal, muitas vezes colocou isso lá atrás de uma maneira explosiva, e agora a tratativa que tem dado é outra. O Governo do Estado tem se comportado muito bem nisso tudo. A gente pôde ver que o que está se defendendo é o seguinte: se produzirmos em 10% do território, seguimos a legislação, somos exemplos de produção, produzimos em três biomas e na Dinamarca onde o fórum foi sediado tem tudo isso, qual é o nosso problema?

 

Então, a maneira como você se posiciona faz a diferença. Existem várias maneiras de falar a mesma coisa e precisa sim ser mostrado o que a gente faz, porque senão vira uma demagogia sem fim, com fim comercial de pano de fundo para tudo isso.

 

MidiaNews – O que o senhor está defendendo é a opinião de muitas pessoas, inclusive, que dizem que há um poder por trás disso, para tentar prejudicar o nosso agro para ganhar mercado?

 

Fernando Cadore – Não tenha dúvida. Vamos colocar um exemplo prático: os países que nos criticam são da União Europeia, que para quem já foi na Europa sabe que existe uma ideologia tremenda. A juventude está se perdendo na ideologia e não está olhando ao seu redor. Acreditamos que em muito pouco tempo vai faltar alimento na Europa pelo sistema que eles estão utilizando. Falando em demagogia, o Reino Unido usa praticamente combustíveis fósseis em 60%, 70% da energia que usam. São um dos maiores poluidores mundiais. Usam carro a diesel, não tem combustível renovável e usam mais de 50% do território para agricultura.

 

Quando a gente traz para o nosso exemplo, somos os criticados, o que acontece? A gente é exemplo mundial em combustível renovável: etanol de cana de açúcar, etanol de milho. A nossa matriz energética é energia renovável, hidrelétrica. Temos pouquíssimas fontes termoelétricas, que são usadas em algumas adversidades climáticas quando falta água. E a nossa agricultura é a que visa o menor território frente à produção no mundo.

 

Óbvio que a ilegalidade tem que ser combatida. Mas são casos isolados. Miram essa bazuca, colocam o Brasil em evidência e a gente não fala nada. Vocês já imaginaram se a gente, como cidadãos brasileiros, usasse a narrativa que eles usam, como seria?

 

Na balança comercial, o Brasil tem um déficit gigantesco com a França, por exemplo. Você já pensou se fossemos falar: “França, para vocês venderem o carro da marca da Renault aqui ou o queijo francês, queremos saber qual é a pegada ambiental de vocês? Quantos por cento vocês usam do território para agricultura? Qual é a fonte de energia que vocês usam na produção? É renovável? É combustível fóssil?”. Mas o brasileiro não faz isso, o Governo não faz isso.

 

Essa linha de raciocínio é interessante para gente também ter uma visão crítica como cidadão brasileiro e pensar nisso quando o presidente Emmanuel Macron [da França] cobra o Brasil. Nós temos bilhões de dólares de déficit na balança comercial, e a gente come o queijo francês caríssimo que vem de uma área de montanha, uma APP desmatada. Então, pau que bate em Chico, bate em Francisco.

 

É óbvio que a maneira que se põe é importante, mas sem demagogia, hoje nós somos exemplos e temos que também começar a cobrar do mundo a questão ambiental.

 

MidiaNews – Essa foi a principal defesa do governador Mauro Mendes na COP-26, não é? De que os países que cobram preservação do Brasil precisam fazer o dever de casa, o que ele chamou de reciprocidade ambiental.

 

Fernando Cadore – Aqui, o papel institucional não é defender nem criticar governo nenhum, mas os méritos, os créditos tem que ser dados. E o trabalho que o Governo [de Mato grosso] tem feito na questão ambiental, é o trabalho digno de um estado produtor. Os posicionamentos, os enfrentamentos de maneira sensata. E ficou muito nítido.

 

Quem vai, vê que existe uma demagogia de que a gente tem que ter que se defender de uma coisa em que a gente é bom. Mas enfim, é o mundo, a gente vive no planeta, é comércio e obviamente temos vantagem nisso, porque para nós falta simplesmente mostrar. Hoje a gente briga contra argumentos mentirosos. Temos que começar a mostrar. O levante do Estado é importante, o conhecimento da população é importante também, para que ela defenda o que tem de melhor.

 

MidiaNews – O agronegócio de Mato Grosso vive um momento excelente, com recordes na produção e beneficiado pelo câmbio favorável. A Aprosoja já tem alguma estimativa para este ano, de faturamento do setor?

 

Fernando Cadore – Na produção agrícola primária, para quem não conhece, o produtor sabe quanto vai gastar, ou seja, ele é tomador de custos. A precificação é feita pelo mercado internacional, então você não sabe a quanto você vai vender, nem se vai colher. Nessa esteira de aumento de preço das commodities, temos observado, trabalhado várias frentes e pedimos para o produtor tentar racionalizar. O fertilizante aumentou 200%. Então, imagina o custo de uma tonelada de adubo, que é pedra moída e obviamente a gente precisa porque o solo mato-grossense é pobre, se não fertilizar não produz. Um cloreto de potássio, que custava US$ 350, está US$ 1.000 a tonelada. Temos três vezes de aumento. Os produtos triplicaram. Máquinas agrícolas, na mesma esteira.

Nós estamos preocupados com a formação de preço da safra 2022/2023. Porque além de aumentar custo, também aumenta o preço na prateleira final. Não falando só de soja, porque quando se fala em soja, tem gente que pergunta o que se faz com a soja. A soja está em toda carne que você vai comer. Mas estamos falando também do hortifruti, nas verduras, nas hortaliças, no arroz, no feijão. Esses insumos [que subiram de preço] são usados em tudo. Então é uma preocupação, a gente tem externado isso para o Ministério da Agricultura, para o Governo, porque com toda essa inflação, com a pandemia… O Brasil não é diferente de outros países. A gente vê na Argentina uma inflação recorde e temos que que nos preocupar não de controlar nada, mas de ficar de olho nisso, para a gente não correr o risco no país que tem excedente de produção a gente ter um aumento demasiado do preço na prateleira, para a população não sentir lá na frente.

 

MidiaNews – Lá na época do Fethab 2, e também na pandemia, houve muita crítica e o agro passou a ser questionado por alguns segmentos, que acusam o setor de não ter um interesse maior em ajudar o Estado a se desenvolver socialmente, que precisava ajudar mais. O que pensa a respeito desta crítica?

 

Fernando Cadore – Eu acredito que isso tudo vem de narrativas que polarizam e a gente tem tentado combater isso, porque não é bom para ninguém. O agro é composto de famílias. 50% dos nossos produtores são caras pequenos que estão lá no trator, a esposa está cozinhando, o filho está lá ajudando. Eu cito a fala do nosso secretário de Estado de Fazenda, Rogério Gallo, que em meio à pandemia afirmou que o Mato Grosso era um ponto fora da curva porque em plena pandemia crescia 4,5% ao ano. O estado cresce a ritmo chinês há mais de dez anos. E isso é devido ao que a gente falou agora. Então essa é a retribuição? Por que o que é crescer 4,5% ao ano? Você aumenta a arrecadação de tributos enquanto o país está com déficit, cai 4% ao ano a riqueza do país.

O que esperamos que esse crescimento vire no Estado? Infraestrutura, saúde pública, educação pública, estrada para os municípios. Então essa colaboração existe por parte do setor. E diferente do que muitos pensam, quem mais quer industrialização do setor do Estado de Mato Grosso é o agricultor, porque se divide as responsabilidades, as tributações, a gente não precisa ficar rompendo distâncias de milhares de quilômetros até os portos.

 

Então, a agricultura é importante no Estado nesse momento como vários outros setores e eu acredito que, dentro do possível, o agro tem dado a sua contribuição e é claro que, sempre que possível, a gente vai fazer ações isoladas.

 

MidiaNews – Há algumas semanas, uma imagem aqui de Cuiabá impactou o País, que foi a fila do osso. Como pode que pessoas passem fome no Estado que é o maior produtor de alimentos do Mundo?

 

Fernando Cadore – Essa diferença social será resolvida à medida que a arrecadação que o Estado faz, através das riquezas geradas, sejam revertidas em prol da população, aumentando primeiro a parte assistencial, que são os direitos constituídos – como saúde, educação e alimentação básica – mas principalmente usando para melhorar a infraestrutura, porque a infraestrutura traz a indústria, que traz o emprego, que traz o turismo e assim a gente cria um estado autossustentável, para ninguém depender da política assistencialista. Porque ninguém quer esmola. O cidadão mato-grossense quer ter uma oportunidade de trabalhar para ter a renda dele. E obviamente está ruim, mas o nosso Estado ainda é um ponto fora da curva.

 

Então o que que a gente espera? Que tenha eficiência a gestão política, que tenhamos gestão atrás de gestão para que o crescimento gradativo de 4% a 5% ao ano, o chamado crescimento chinês, seja revertido em prol da população. Um estado gigante como Mato Grosso que cresce nesse ritmo, com uma população pequena, dá sim para melhorar.

 

Eu sou um entusiasta, como cidadão mato-grossense, e tento visualizar nosso Estado daqui 30 anos, 50 anos, e enxergo, porque não, um Texas, um Estado desenvolvido norte-americano com uma pequena população, um estado que só tem a crescer.

 

MidiaNews – Então, pode ser que daqui a 30 anos Mato Grosso pode se tornar um Texas?

 

Fernando Cadore – Eu não tenho dúvida que sim, depende das gestões que tivermos. Eu gosto de fazer comparações com negócios, seja ele qual for. Se eu tenho um negócio, seja ele comércio, indústria, serviço ou agricultura, que cresce gradativamente por décadas, se eu não melhorar o ambiente que eu estou é porque alguma coisa está errada, é não com o negócio, arrecadação ou com o Estado. Nós precisamos de gestão pública, comprometimento. E para isso precisamos da interação do setor privado, político e tudo o mais para que o Estado ande. Aí sim a gente vai conseguir mudar a essência da realidade dessas pessoas.

 

Porque querendo ou não, esses assuntos vêm à tona quando se tem polarização. Isso não ajuda ninguém. A gente sabe que sempre teve pessoas necessitadas nessa mesma fila e tudo mais. É óbvio que a pandemia gravou, mas quando a gente anda aí nos outros estados, São Paulo, por exemplo, está um caos. Experimente andar na Avenida Paulista, se você tiver todo o dinheiro que você tiver no seu bolso, eu tenho certeza que você dá, se você andar cinco quadras lá. Porque a pandemia desequilibrou o mundo, tirou o poder de compra do cidadão, mexeu com a base estrutural e psicológica. A gente tem que levar isso em consideração.

 

Graças a Deus que, mesmo com todos os problemas, nós temos potencial para melhorar e se tornar um exemplo nacional. Quem tiver dúvida, pesquisa entre os estados do Brasil. Mato Grosso é um dos únicos ou o único que conseguiu avançar do ponto de vista econômico, mesmo com a pandemia. Então isso vale muito. Claro que a desigualdade existe, precisamos melhorar, mas todo cidadão é responsável. Tendo uma gestão equilibrada, consciente, acredito que a gente consegue transformar esse crescimento chinês em resultado chinês, que é o que a gente precisa.

 

MidiaNews – Algumas pessoas dizem que a isenção da Lei Kandir nos deixa meio “preguiçosos”. Pensam: se eu não pago ICMS, é melhor seguir produzindo no campo, com isenção de imposto, do que industrializar. Como o senhor vê isso?

 

Fernando Cadore – Existe um equívoco muito grande, e isso também é ruim para população que desconhece. A Lei Kandir estimulou a exportação, igual acontece em todos os países do mundo. Nenhum país tributa exportação de commodities agrícolas. Se tributar a exportação vai ficar inviável, desestimula a produção. A gente precisa primeiro fazer a capacidade industrial para depois pensar em qualquer barreira, seja ela tributária ou não.

 

Eu gosto de citar o exemplo do nosso Estado. No milho, por exemplo, o Estado consome 10 milhões de toneladas. Nós produzimos 34 milhões de toneladas nessa última safra e vamos caminhar para 70 milhões de toneladas até 2030. Como você vai restringir a exportação de um Estado que só consome 10 milhões de toneladas? Isso já considerando todo o esmagamento na indústria de etanol instalada recentemente no Estado.

 

O que a gente precisa é instalar gradativamente indústria, que é o que está acontecendo agora. Nós teríamos que triplicar a capacidade industrial para consumir o que a gente produz hoje. Por isso que a gente entende como uma insanidade se você não tem a capacidade de fazer o processamento, querer criar barreiras. Aí que entra também o estado. Vamos incentivar a industrialização. O que acontece nos países desenvolvidos no mundo? Se desonera para implementação. Que indústria vai querer vir para um estado que está sem logística, há milhares de quilômetros do centro consumidor, se não tiver um incentivo?

 

Então, a gente precisa do incentivo para que se tenha a implementação da indústria e depois se pensa na arrecadação da indústria. Acho que é prematuro achar – e isso aqui não é uma crítica, é apenas uma maneira de enxergar – que a indústria vai vir e você não está vendo a arrecadação dela. Muito pelo contrário. Eu acho que o Estado tem que abrir as portas, dar incentivo para a indústria deixar de se instalar em uma região que tenha consumo e venha para cá, onde tenha benefício de propriedade, garantia de energia e transporte e tudo mais. Eu acho que aí começa o nosso caminho para industrialização.

 

MidiaNews – Essas ferrovias que estão chegando ajudam, não é?

 

Fernando Cadore – Ajudam, mas ainda é pouco. Veja vem, Mato Grosso tem o tamanho de França e Espanha. E produzimos uma dezena de vezes mais em volume, falando da parte agrícola. Eles têm 70 mil quilômetros de ferrovia. Nós temos 300. E aí a gente vê novamente a polarização nesse assunto: porque tal empresa é melhor, não, melhor é a outra. Todas são pouco. A Rumo, a Ferrogão, a Fico: tudo junto ainda é muito pequeno perto do que a gente precisa no Estado.

 

Então, de maneira nenhuma tributação, barreiras, vão incentivar a produção. Muito pelo contrário, elas desestimulam. Tudo bem, vamos fazer barreira tributária no Estado de Mato Grosso. Vai vir 20 milhões de tonelada de milho de um ano para o outro para se consumir no Estado. Se eu não tenho consumo, faço o que? Vou plantar de novo? Não.

 

Então o mercado não é de Estado, é de país. A gente compete com o produtor de milho da Ucrânia, com os norte-americanos, com os argentinos. E não existe no mundo nenhum país que tribute commodities de exportação. A gente já perde na logística, perde na infraestrutura e pode ter certeza absoluta, se colocar barreira, desestimula a produção. A gente está vendo isso agora na Argentina, que estagnou após a mudança de governo e, reduziu pelo primeiro ano a produção agrícola depois de décadas crescendo. Esse não é o caminho.

 

A gente precisa sim da industrialização. Existe um mito de que o agro não quer a industrialização e isso é mentira. Nós somos os maiores interessados em industrialização porque ninguém quer ser o maior provedor de tributo para sempre. Precisa se dividir. Quem dera nós tivéssemos a indústria instalada arrecadando para o Estado, o turismo. Assim a pressão não fica no setor A, B, C ou D e o estado cresce.

Fonte: Midianews