PF investiga ex-vereador de Cuiabá por “rachadinha” com servidores

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Esquema começou com compra de votos nas eleições de 2016 e seguiu com retenção de salários de apoiadores nomeados por Vinicyus Hugueney

Um inquérito sigiloso da Polícia Federal (PF) em Mato Grosso investiga a existência de um esquema de “rachadinha” na Câmara de Cuiabá, aos moldes do que foi descoberto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e que ficou conhecido no país todo por conta da suposta participação do filho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro. A reportagem do jornal A Gazeta obteve, com exclusividade, todos os detalhes das investigações sigilosas.

A apuração aponta que o líder do esquema seria o ex-vereador Vinicyus Hugueney (PP). De acordo com denúncias de ex-assessores, Vinicyus comprou 1.980 votos nas eleições de 2016.

Além disso, Hugueney empregou quatro apoiadores na Secretaria Municipal de Trabalho e Desenvolvimento de Cuiabá e outros dois na Câmara do município. Segundo estas denúncias, ficou acertado em uma reunião em um lava-jato logo após as eleições que todos seriam empregados e que devolveriam a maior parte dos salários para o vereador.

O suposto esquema, a exemplo do que ocorre com as suspeitas sobre a família Bolsonaro, envolvia parentes, amigos e pessoas próximas do vereador. A apuração começou em 2017, quando Vinicyus ainda possuía cargo eletivo.

Na época, dois ex-apoiadores foram até o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) denunciar crimes como compra de votos durante as eleições de 2016, caixa dois e a famosa “rachadinha”. Em depoimento prestado ao Ministério Público de Mato Grosso nos dias 1 e 2 de junho de 2017, os ex-assessores de Hugueney, P.A.P.O e F.R.E.C, contaram como funcionava o esquema de compra de votos e rachadinha e entregaram documentos como lista de eleitores cooptados, lista de lideranças que recebiam valores “por fora” entre outros arquivos anexados pela Polícia Federal.

P.O contou no dia de junho de 2017, que em 2016 recebeu um cheque de R$ 50 mil para sacar o valor e entregar a Vinicyus Hugueney e que o recurso seria para a compra de votos naquela eleição. Em seguida, ao ser eleito, Vinicyus ofereceu um cargo para P. na Câmara com um salário de R$ 4 mil.

Deste valor, apenas R$ 1 mil ficaria com o assessor e o restante deveria retornar para o vereador. O assessor recusou a proposta e Vinicyus respondeu que “se não quer tem quem queira”.

Um dia antes do depoimento de P., o ex-coordenador de campanha de Hugueney, F. R. E. C, também delatou o antigo chefe. F. contou ao Ministério Público que trabalhou gratuitamente na campanha em 2016 com a promessa de que ganharia um cargo fantasma se o grupo vencesse a eleição. Ele explicou que era responsável pelo pagamento de 200 cabos eleitorais.

Cada apoiador recebia R$ 600 pelos serviços. Deste total, apenas 6 pessoas apoiadores foram declarados na prestação de contas.

Além disso, F. contou ter remunerado com R$ 50 cada uma das 2.560 pessoas contratadas para fazer boca de urna na data da eleição. O ex-coordenador também disse que P.O recebeu das mãos do declarante a quantia de R$ 3 mil para pagar 60 agentes de boca de urna dos bairros Altos do Parque e Jardim Florianópolis.

Depois de eleito, Vinicyus saiu do cargo para assumir a Secretaria Municipal de Trabalho e Desenvolvimento de Cuiabá. Ainda assim, todos os assessores contratados por ele na época em que ainda era vereador permaneceram em seus respectivos cargos.

De acordo com F., Vinicyus cumpriu sua promessa e o nomeou para cargo fantasma logo ao assumir a Secretaria, o assessor tinha apenas que receber o salário e reter para si a mínima quantia de R$ 1 mil e devolver o restante ao ex-vereador. Insatisfeito com o valor, F. contou ao MP que obedeceu ao esquema da rachadinha em janeiro e fevereiro, mas quis reter todo o salário para si no mês seguinte.

A decisão desagradou Hugueney e o ex-vereador rescindiu seu contrato logo em seguida. Três dias depois dos depoimentos, em 5 de julho de 2017, o MP remeteu as informações para a Polícia Federal, que abriu procedimento sigiloso sobre o caso.

No dia 17 de fevereiro de 2018, com o andamento das investigações P. e F. foram ouvidos novamente, desta vez pela PF.

DINHEIRO NA CUECA

No segundo depoimento, com maior riqueza de detalhes, P.O contou que entre os dias 26 de julho e 30 de julho de 2016 compensou dois cheques, um de R$ 40 mil e outro de R$ 50 mil, ambos emitidos por um tio de Vinicyus Hugueney. O dinheiro foi sacado em uma agência do Banco do Brasil em Várzea Grande, próxima ao aeroporto.

As notas foram escondidas nos bolsos e por dentro das roupas de P.O e de L.V.V, que na época era assessor parlamentar de Vinicyus. O dinheiro, que seria utilizado na compra de votos, foi entregue na casa da avó de Vinicyus e da esposa do ex-vereador.

Ainda conforme o depoimento de P., o tio do vereador responsável pelo dinheiro de caixa dois é um empresário de sucesso do ramo da coleta de lixo e atua como lobista na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) e na Câmara dos Deputados.

CALL CENTER DA CORRUPÇÃO 

Ao todo, segundo depoimento de F.C, a campanha gastou R$ 128 mil não declarados. Com este recurso foram comprados 1.980 votos dos 3572 votos recebidos por Vinicyus Hugueney. Parte deste dinheiro era investido em um “call center” da campanha, no qual os funcionários se identificavam como um instituto de pesquisa e, de acordo com a resposta, o eleitor era marcado com a cor vermelha para quem não votava em Hugueney, amarela para os indecisos e verde para os eleitores do vereador.

Os funcionários do call center, segundo F., também eram parentes de Vinicyus. Depois que os eleitores eram identificados, as lideranças dos bairros iam até as casas dos eleitores identificados com a cor amarela e, quando cooptados, pagavam pelo voto.

P.O contou à Polícia Federal que, além do call center, também ocorria um processo de cooptação no bairros em que realizavam-se reuniões onde os eleitores eram informados que, se mantivessem o voto no candidato, receberiam valores de R$ 30 a R$ 50. “Assim, paulatinamente, vão se estabelecendo os grupos de eleitores a terem seus votos comprados; que ao final, um ou dois dias antes das eleições são feitos os pagamentos nos valores de R$ 30,00 a R$ 50,00 por votos”, diz trecho da declaração.

No dia 28 de janeiro deste ano, após uma série de diligências no inquérito, promotor Arnaldo Justino da Silva do Ministério Público Eleitoral determinou a concessão de mais 90 dias para a conclusão do inquérito.

OUTRO LADO

A reportagem do jornal A Gazeta tentou falar com F.C e P.O pelos números de telefones registrados no inquérito, mas até o fechamento desta edição não conseguiu retorno. O ex-vereador Vinicyus Hugueney disse que não foi notificado sobre nenhuma investigação e citou um outro procedimento, mas que teria sido arquivado pelo Ministério Público. Ele disse que não haveria tempo hábil de responder ponto a ponto. A reportagem também tentou falar com a defesa de L.V.V, mas não houve resposta.

Fonte: LÁZARO THOR BORGES Jornal a Gazeta