‘Perdemos tudo, não sobrou nada’, diz mãe de santo após ataque em templo

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Foto: Arquivo Pessoal

A Mãe de Santo Karine da Silva, de 39 anos, do templo de Quimbanda Casa de Exu Marabô, que foi vandalizado e incendiado no último sábado (15), no Bairro Renascer, em Cuiabá, disse estar assustada com o ato de violência.

“Me assusta muito. A gente está acostumado a conviver com intolerância religiosa, pessoas falarem, xingarem, mas nada nesse nível. A gente perdeu tudo, não sobrou nada”, disse ela em entrevista ao MidiaNews.

O terreiro, segundo Mãe Karine, foi primeiro vandalizado e depois incendiado por um homem com quem ela quase fechou negócio. O caso ainda está sob investigação e, por estar sob sigilo, ela não pode revelar a identidade do incendiário.

Tudo começou após o fim das negociações entre os dois. Mãe Karine, que pretendia comprar um salão comercial do suspeito em um bairro vizinho, interrompeu as tratativas por falta de documentação.

“Ele falou que tinha a documentação, mas quando a gente foi comprar o salão, ele só tinha contrato de compra e venda e não a escritura do imóvel. Para nós não dava, porque a gente precisa da liberação para poder funcionar, do alvará. E aí eu desisti da compra”, explicou.

Mãe Karine contou que, na sexta-feira (14), um dia antes do crime, o homem apareceu no terreiro e destruiu a placa do templo. “Ele falou que não ia ficar assim, porque ele tinha achado que iria me vender o salão e que já tinha feito compromisso com o valor”.

Arquivo pessoal

Templo de Quimbanda Casa de Exu Marabô

Altar no templo de Quimbanda Casa de Exu Marabô

Na noite de sábado, antes de incendiar o terreiro, o homem teria invadido o local e destruído as imagens da casa com um martelo e uma picareta. “Inclusive, ele deixou o martelo e a picareta lá. Quando chegamos, o terreiro estava todo incendiado”, disse.

Mãe Karine estava viajando quando tudo aconteceu, mas sua esposa e os Filhos de Santo presenciaram não só a destruição, como também o momento em que o homem retornou com mais um galão de combustível para terminar o incêndio, além de ameaças de morte.

“Parece que ele bebeu, se drogou, invadiu o templo e fez isso. Ele jogou um galão de gasolina todo e voltou com mais. A população já estava lá apagando o fogo quando ele chegou com outro galão”.

Depois de um bate-boca, o homem fugiu de carro antes da chegada do Corpo de Bombeiros e da Polícia.

“Ele entrou na caminhonete, falou que ia arrancar a cabeça de todo mundo, que ia dar tiro na cara de todo mundo. Ele ameaçou até a criança da minha Filha de Santo, de 5 anos. Falou que ia me cortar todinha e tacar fogo em mim”, afirmou.

Para Mãe Karine, o caso não se trata apenas de um desacordo comercial, mas de intolerância religiosa.

“É totalmente intolerância religiosa. Ele é evangélico e, o tempo todo, falava da ‘religião do diabo’, que tinha que ‘tacar fogo’ na gente mesmo. Se isso fosse na casa de uma pessoa comum com quem ele estivesse negociando, ele não teria feito isso. Ele não iria invadir a casa de uma pessoa que não quis comprar o imóvel dele e atear fogo”, disse.

Recomeçar do zero

Mãe Karine está há 30 anos na religião e há mais de uma década como Mãe de Santo. Em Cuiabá, ela chegou com o templo há cerca de quatro anos e, desde então, já passou por três endereços.

Ela se mudou dos endereços anteriores — no Dom Aquino e, depois, no Campo Velho — quando os terreiros já não comportavam a quantidade de frequentadores. No novo endereço, a Casa de Exu Marabô estava instalada havia nove meses.

Ela conta que sempre enfrentou problemas de intolerância, não da comunidade em si, mas de evangélicos até de outros bairros.

“As pessoas passavam na porta e xingavam, chutavam a porta, chutavam os nossos carros quando estavam parados lá fora. A gente convive com a intolerância religiosa desde que eu cheguei em Cuiabá”.

Mãe Karine disse já ter sido xingada até no supermercado por conta da guia que carrega no pescoço.

“A guia está no meu pescoço, mas a pessoa se incomoda a ponto de xingar. A gente convive com isso todos os dias e, com o passar dos anos, aprendeu a não deixar que afete o nosso psicológico. Mas, dessa vez, foi além, foi outro nível”, disse.

Após o ataque, Mãe Karine afirmou estar muito abalada e até pensa em mudar de bairro.

Arquivo pessoal

Templo de Quimbanda Casa de Exu Marabô

Dia de gira no templo de Quimbanda casa de Exu Mara

“Toda a nossa história foi queimada. As imagens que eu tenho há anos, tudo queimado, tudo quebrado. Os nossos assentamentos foram todos quebrados (onde as entidades são cultuadas). A gente tinha um terreiro enorme. Nós tínhamos tudo e hoje não temos nada. Vamos ter que recomeçar do zero”, afirmou.

Todas as atividades foram interrompidas temporariamente. “Primeiro que não sobrou nada para levar, e o terreiro ainda está interditado, passando pela perícia para saber se o imóvel tem risco de desabamento”, completou.

Recado

A Mãe Karine afirmou que a comunidade das religiões de matriz africana busca apenas respeito e o direito constitucional à liberdade de culto.

“A gente só quer o direito de expressar nosso culto sem que o outro invada e ateie fogo no nosso sagrado. Nós não saímos por aí tocando fogo na igreja de ninguém. Só queremos o direito de adorar o nosso sagrado em paz”, afirmou.

“Hoje, eu tenho mais de 36 Filhos de Santo abalados emocionalmente, todo mundo chorando, perdido, sem saber o que vai fazer pra recomeçar”, completou.

Ela pediu que a sociedade deixe de julgar sem conhecer as religiões de matriz africana e afirmou que sua tradição ensina evolução espiritual, não agressão.

“Conheça a nossa história. Somos seres humanos do bem, querendo melhorar e fazer a evolução espiritual. É isso que a minha religião ensina, ela não nos ensina a agredir. Que conheçam primeiro antes de sair apedrejando. Uma religião tão bonita e ancestral”, finalizou. (Midianews)