O pesquisar do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP), Leonardo Moreira, alertou que o Pantanal pode deixar de ser uma planície alagada e se tornar apenas uma planície seca, em razão da perda de superfícies aquáticas, de ocorrência de chuvas em menores proporções, dos incêndios florestais e do desmatamento.
A mais recente tragédia vivida pel Pantanal foi o desmate químico pulverizado sucessivamente sobre uma área de 81 mil hectares na região de Barão de Melgaço (111 km de Cuiabá), que ganhou o noticiario mundial. Além disso, o pesquisador destacou a vida dos animais típicos do Pantanal, como a sucuri amarela e a onça-pintada, que são habituados aos períodos secos e de cheia. Com as chuvas desreguladas, as espécies também podem desaparecer.
Segundo Moreira, essa situação poderá ser observada no prazo de 50 a 70 anos, baseado num estudo do instituto MapBiomas, que revelou que o bioma perdeu 29% de suas superfícies de água entre 1989 e 2022. O Pantanal tem apenas sete unidades de conservação para a proteção e observação da biodiversidade em toda sua extensão, que compreende os estados de Mato Grosso e Mato Grosso Sul, onde se concentra sua maior proporção.
“Tanto dentro como fora das unidades de conservação [do Pantanal] está tendo diminuição da cobertura de água. Mas, isso varia conforme a unidade. Por exemplo, só aqui no Parque Nacional do Pantanal Mato Grosso teve uma redução da cobertura de água que foi superior a 50% da original. Foram 50 mil hectares que simplesmente tinham água e hoje não têm. Se continuar nesse ritmo, em 50 [a] 70 anos não vai mais ter Pantanal”, disse.
Como um dos motivos apontados pelo pesquisador para a perda de superfície alagada no Pantanal, também está o consumo de água por parte dos seres humanos, vinculado ao aumento populacional. “Mais pessoas consumindo água é menas água (sic) no bioma Pantanal e em outros biomas”, disse.
O pesquisador ainda destacou que a atenção e os cuidados de preservação não devem ser adotados apenas aqui, no Pantanal, mas em outros biomas, como Cerrado e Amazônia, dos quais os rios desaguam na região e contribuem para a formação do bioma pantaneiro.
“Hoje, ela é uma planície de inundação. Se mantendo esse ritmo, daqui 50 anos, ele vai ser uma planície. Vai ser um campão, um pampa”, reforçou.
DESMATAMENTO COM PRODUTO QUIÍMICO
Com relação ao caso do pecuarista Claudecy Oliveira Lemes, que desmatou 81 mil hectares com uso da substância 2.4-D, o pesquisador Leonardo revelou que o componente químico realmente se trata de um herbicida usado para combater as plantas daninhas – popularmente conhecido como mato -, com uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como alegou a defesa do fazendeiro, depois da exposição em rede nacional. Contudo, não se sabe a quantidade de aplicação que foi feita e quais outras substâncias químicas foram misturadas ao 2.4-D.
“É um dos herbicidas mais vendidos do Brasil. Os impactos da área vão depender dos compostos usados. Mas, vai ter efeito na fauna e na flora da região. A mídia veiculou 20, 25 composições diferentes. Esses efeitos maiores ou menores dependerão da composição usada [com outros componentes misturados ao 2.4-D]. Mas a gente pode destacar que vai ter um efeito direto na fauna, na flora da região”, explicou.
Conforme o pesquisador, os efeitos do químico 2.4-D nos seres humanos são imediatos, visto que o agente químico é como se fosse um “vinagre forte” e causa ardência nos olhos, nausêas e vômitos. Os sintomas são os mesmos para pessoas que, por exemplo, ingerem água contaminada com o produto químico ou a pessoa que tem contato com o produto durante a aplicação na vegetação. Contudo, a ingestão ou o contato diário com o 2.4-D, junto à mistura com outros produtos, pode causar problemas crônicos nos seres humanos.
A reportagem exibida no programa Fantástico reveleou que o tamanho da área desmatada pelo pecuarista Claudecy corresponde ao tamanho da cidade de Campinas (SP). Para melhor compreensão, Leonarnado comparou a área com com o equivalente de 30% a 40% de Cuiabá, que tem 650.912 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
QUEIMADAS
Desde 2020, o Pantanal mato-grossense vem sofrendo com incêndios florestais que têm impactado a fauna e flora da maior planície alagada do mundo. Naquele ano, somente em Mato Grosso, 44.998 km2, que corresponde a 30% da área, foram devastados, conforme dados publicados na revista científica Fire. Além da devastação na flora, a fauna também foi destruída, com quase 17 milhões de animais mortos pelas queimadas.
Em 2021, a situação se repetiu, mas em menor intensidade, e 409.225 focos de queimadas foram contabilizados.
Em 2022, houve poucos registros de queimadas. Mas, em 2023, novamente os incêndios voltaram a consumir o Pantanal e 947.025 hectares do bioma foram queimados, conforme dados do Laboratório de Aplicação de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Conforme o pesquisador do INPP, a incidência das queimadas, unida às mudanças climáticas contribuem fortemente para a perda de água no Pantanal, visto que as áreas úmidas vão sendo reduzidas com o calor provocado pelas chamas.
FAUNA PANTANEIRA
Jaguar Photo Expeditions
Com a possível mudança do Pantanal para apenas uma planície seca, os animais típicos podem sofrer consequências graves, levando até a morte. Animais como a sucuri-amarela e a onça-pintada são habituados aos ciclos de seca e cheia do bioma.
Dessa forma, a perda de superfícies alagadas, que avança cada vez mais, pode contribuir com o extermínio dessas espécies característicos do Pantanal, conforme explicou o pesquisador Leonardo. (HNT)