Por: Eduardo Ricci
Escárnio. Assim pode ser classificada a visita de Bolsonaro a Sinop e Sorriso na sexta-feira. Deboche, zombaria e menosprezo diante da tragédia ambiental que está destruindo o Pantanal e a Amazônia. Deboche, zombaria e menosprezo diante da tragédia do coronavírus, que já matou mais de 136 mil no país e mais de 3.200 mato-grossenses.
A fumaça das queimadas que cobre todo o estado, já chegou a SP e até ao Rio Grande do Sul e repercute no mundo inteiro, fez o avião presidencial arremeter. Mesmo assim, ao desembarcar em Sinop o negacionista ambiental minimizou o impacto dos incêndios, enquanto a própria natureza se encarregava de desmentí-lo.
Bolsonaro priorizou eventos do agronegócio e ignorou a destruição do pantanal em Poconé, Barão de Melgaço e Cáceres, do cerrado em Chapada e de áreas de florestas na região Norte. Devia ter ido a Poconé sentir o cheiro dos animais queimados e da vegetação destruída no maior santuário mundial da biodiversidade.
Preferiu se esconder e minimizar a tragédia ambiental: “Há alguns focos de incêndio pelo Brasil e isso acontece todos os anos. Temos sofrido uma crítica muito grande, porque quanto mais nos atacarem, mais interessa aos nossos concorrentes do agronegócio”. Um dia antes, na Paraíba, já havia dito que “o país está de parabéns pela maneira como preserva o seu meio ambiente”. Delírio tropical, perda esquizofrênica do contato com a realidade, negacionismo para tentar escapar de uma verdade incômoda.
O pantanal que o acovardado Bolsonaro não quis ver, bate sucessivos recordes de queimadas, que só não destruíram tudo graças ao trabalho heroico de Bombeiros, brigadistas e voluntários. Somando Amazônia e Pantanal, o Brasil perdeu 53 mil km² de mata nativa devido às queimadas até 31 de agosto. Uma área equivalente a 34 cidades de São Paulo, ou quase a soma dos estados de Sergipe e Alagoas. Para o presidente, são apenas ‘alguns focos’ e por isso sequer autorizou a entrada do Exército no combate às chamas que devoram o Pantanal.
O governo federal passou a boiada nas exigências da legislação ambiental, reduziu recursos para os órgãos de controle como o Ibama, tentou desacreditar o Inpe e retirou governadores e a sociedade do Conselho da Amazônia Legal. É cúmplice, por ação e omissão, pela destruição do meio ambiente.
O agronegócio é realmente muito importante para o país e para Mato Grosso. Mas as lideranças que aplaudiram os delírios presidenciais em Sinop e Sorriso precisam fazer um mea-culpa e trabalhar para reduzir os impactos terríveis da atividade no meio ambiente. A substituição da vegetação nativa por áreas de cultivo e pastagem em desmatamentos cada vez maiores, afeta diretamente o regime hídrico e o fluxo natural das águas.
Os períodos de seca são cada vez maiores, o calor chega a 43ºC na Capital. Os mananciais que abastecem o Pantanal estão se esgotando pelo desmatamento e agressões nas cabeceiras dos principais rios, como o Cuiabá e o Paraguai, além do consumo excessivo de água pelas atividades econômicas. Mato Grosso precisa rever seu modelo de desenvolvimento, buscando práticas agrárias que reduzam os danos ambientais.
E se não bastasse o negacionismo ambiental, Bolsonaro mais uma vez debochou das medidas adotadas no mundo todo na prevenção à Covid-19. Cumprimentou pessoas e abraçou crianças, sem máscara, ao lado de outras autoridades e de dois ministros, todos com o mesmo comportamento irresponsável. Voltou a minimizar a pandemia e parabenizou os produtores agrícolas que “não entraram na conversinha mole de ficar em casa. Isso é para os fracos”, disse.
A desobediência ao isolamento social, estimulada de forma criminosa por Bolsonaro e seus apoiadores, não é sinônimo de força, muito pelo contrário: os principais municípios do agronegócio integram a lista das dez cidades com maior índice de Covid em MT, como Lucas do Rio Verde, Sorriso, Tangará da Serra, Sinop, Primavera do Leste e Campo Novo do Parecis. E um detalhe: a maioria dos mortos certamente não integra a elite rural. As vítimas são pessoas dos segmentos mais carentes da população, mais expostos ao vírus e com menos recursos para se tratar.
Dizer que cumprir as regras do distanciamento social é “conversinha mole para os fracos” é debochar dos 3.262 cidadãos mato-grossenses mortos pela Covid-19 – inclusive em Sinop e Sorriso – até a data da nefasta visita presidencial.
O terceiro escárnio se materializou através de mais uma agressão a jornalistas e ao princípio constitucional da liberdade de imprensa. São centenas de casos registrados ao longo do desgoverno atual, com ameaças verbais e físicas, tentativas de intimidação e constrangimentos ilegais. A segurança presidencial impediu o trabalho de dois profissionais da TV Centro América, afiliada da Rede Globo, conduzidos para fora de uma fazenda sob ameaça de prisão.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e a Associação Nacional de Jornais, divulgaram nota de repúdio à censura imposta à equipe mato-grossense. A assessoria de comunicação do Planalto foi procurada, mas não se pronunciou. Seria bom que explicassem as bases jurídicas do cerceamento da imprensa, mas pouco se espera de quem desrespeita e ameaça sistematicamente o nosso trabalho. Mas a imprensa não se cala e continuará fazendo seu trabalho, doa a quem doer.
Os escárnios presidenciais, símbolos da política genocida ambiental e social, continuarão sendo combatidos com vigor pela parte sã da sociedade. Democraticamente, apesar dos arroubos ditatoriais. Amanhã vai ser outro dia.
Eduardo Ricci é jornalista em Mato Grosso