O chef cuiabano que bomba em São Paulo e disputou título mundial

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Nascido na terra da ventrecha de pacu, Wdson Duarte Vaz ganha a vida com o arroz e peixe cru. Cuiabano de pé-rachado, o chefe de cozinha hoje comanda um dos melhores restaurantes de comida asiática do País, o Sushi Vaz, com unidades em São Paulo e Rio de Janeiro.

Mas apesar do sucesso, Wdson não esquece suas raízes, seja dos momentos da infância soltando pipa na Morado do Ouro, das voltas de bicicleta no CPA ou dos estágios realizados nos restaurantes de shoppings em Cuiabá.

“Ninguém foi cozinheiro [na minha família], não tenho nenhum parentesco japonês. Sou cuiabano. Nascido e criado na Morada do Ouro, com uma ascendência ali no CPA”

“Hoje em dia estou no último nível de configuração de sushichefe. Fiz inglês, faço aula de japonês há muitos anos e hoje sou profissional. Tenho orgulho de carregar minha bandeira, que é da minha cidade de Cuiabá”, diz.

Em conversa com o MidiaNews, sempre bem humrado Vaz indicou restaurantes, compartilhou memórias e relatou alguns passos dados ao longo de sua jornada que começou na faculdade de Gastronomia na Unic Pantanal e chegou, até o momento, na final de uma das maiores competições internacionais de shushi, no Japão.

MidiaNews – Como inicia a sua história? 

Wdson Vaz – Minha história é que sou cuiabano, nascido e criado na Morado do Ouro. Sou formado em Gastronomia na Unic. Fiz estágio onde todo mundo faz, no buffet Leila Malouf. Depois comecei a fazer sushi no Restaurante Serra, do Shopping Pantanal. Sou bem grato àquela família, do Serra. Comecei lá como estagiário. Mas em Cuiabá, onde me destaquei mesmo foi no Pé de Pequi, onde trabalhei por muitos anos. Inclusive aquele rodízio que tem lá foi eu que montei.

Vim para São Paulo em 2012, porque não queria mais trabalhar com cream chease, salmão… Atualmente faço uma linha mais clássica, que era uma coisa que eu sempre quis fazer. E em Cuiabá, como é muito longe do mar, eu não conseguiria trabalhar do jeito que eu via nos vídeos.

MidiaNews – Quando você chegou à idade de fazer faculdade, já queria Gastronomia ou tentou outras áreas e acabou caindo nessa?  

Wdson Vaz – Na verdade eu fui aquele aluno bem clichê que tenta fazer Engenharia na Universidade Federal, mas não consegue passar. Aí a gente vai para a Unic.

Foi por influência do meu tio. Ele sempre gostou de cozinhar. Apesar de ser engenheiro, ele sempre gostou do mundo da gastronomia. E em São Paulo esse Mundo é muito forte. Assim como em Tóquio, como em Nova York, a gastronomia aqui é muito forte. O pessoal tem público aqui que vive para comer bem.

Em 2007, ele me falou: “Faz Gastronomia que São Paulo está com um mercado bom, que acho que vale a pena”. E eu comecei a fazer… Também foi uma escolha porque não tinha muita conta, né? Cálculo I, cálculo II…

MidiaNews – Como não era a sua primeira opção, você acabou gostando logo de cara ou em algum momento ficou com um pé atrás em continuar?  

Wdson Vaz – Nessa época eu era muito jovem. Tinha 21 anos. Era muito novo e gostava mesmo era de andar de skate, do que fazer Gastronomia.  Só que, com o passar dos anos, fui me interessando. Fui vendo que tinha que fazer aquilo, fui amadurecendo e comecei a deixar o skate de lado.

Mas o que me despertou mesmo foi quando fiz o estágio no buffet Leila Malouf. Lá eu descobri que eu era bom no trabalho manual.  Dizem que o estágio é ruim, mas pra mim foi um gatilho.

MidiaNews – Na sua família havia alguém que já trabalhava ou se interessava pela gastronomia oriental?  

Wdson Vaz – Ninguém foi cozinheiro. E não tenho nenhum parentesco japonês. Sou cuiabano, nascido e criado na Morada do Ouro, com uma ascendência ali no CPA.

A minha infância foi bem cuiabana mesmo. Bicicleta, pipa, jogar bola e escola. Bem clichê cuiabano, mas um clichê bom, graças a Deus.

Na verdade, na infância, eu sempre assistia televisão de manhã. Eu sempre assistia Edu Guedes, Daniel Bork, Ana Maria Braga… Assistindo eu falava: “Nossa, esse negócio é legal!’, mas não era nada que me interessasse de fato. A minha profissão de hoje não foi um sonho de criança. Meu sonho eu estou começando a construir agora.

Midia News – E como foi o seu processo para iniciar uma carreira em São Paulo? 

Wdson Vaz – Graças a Deus, sempre onde eu quis trabalhar eu consegui. Tinha um japonês que eu sempre olhava na internet. Eí eu mandei o currículo, bati na porta e pedi para trabalhar com ele de graça. Ele me contratou como ajudante e trabalhei com ele.

Mas você tem que aprender a cultura japonesa também, né? Não é só a receita, porque é uma cultura diferente. Lá você tem que baixar a cabeça e ter respeito. A cultura japonesa é totalmente diferente da nossa. Na nossa cultura, a gente tem que falar com educação, falar direitinho. Agora com o japonês é… Sim, não e sim, senhor. Me adaptar a isso foi mais difícil.

Acervo pessoal /Wdson vaz

Wdson Vaz

Wdson Vaz em competição no Japão

MidiaNews – Você recentemente participou de uma competição internacional de sushi no Japão. Como foi a experiência?  

Wdson Vaz – Esse campeonato é uma competição mundial de sushi. É o último estágio [do sushiman] e depois não tem mais para onde ir. Por esta escola que participei [Nagoya Sushi School], eu já estudo nela há 10 anos. Agora consegui ir para a última etapa, porque primeiro você tem que fazer uma prova científica, e passar na prova. Demorou uns 10 anos para chegar nessa etapa do campeonato. Cheguei agora e vou poder ir de novo no ano que vem. É difícil, rígido…poucas pessoas conseguem chegar [nesta etapa] e estudar nesta escola. É preciso falar o japonês também, precisa falar inglês…

MidiaNews – E o que você se sentiu ao perceber que saiu de Cuiabá e chegou tão longe em um campeonato no Japão?  

Wdson Vaz –  Nessa hora eu vi que, na verdade, não importa de onde a gente veio, o que importa é para onde a gente vai. Foi o que pensei na hora. E, assim, todos os restaurantes de Cuiabá, o Robinho Sam, o Haru, todo mundo me conhece…. Então eu sou um certo exemplo para eles. E quero mostrar que não importa se vim do Cuiabá ou do CPA, o que importa é o estudo.

Hoje em dia estou no último nível de configuração de sushichefe. Fiz inglês, faço aula de japonês há muitos anos e hoje sou profissional. Tenho orgulho de carregar minha bandeira, que é da minha cidade de Cuiabá.

MidiaNews – Você saiu de Cuiabá e foi para São Paulo começar em um espaço pequeno, que hoje é considerado por certos críticos um dos cinco melhores restaurantes da Capital paulista. Como foi o início?  

Wdson Vaz – Comecei no Shopping Xing Ling, na Paulista, em um quiosquinho. Quem me ajudou foi meu tio, inclusive foi o mesmo tio que me incentivou na faculdade, meu tio Ney Vaz. Quando saí do restaurante [onde trabalhava na época], peguei um dinheirinho que tinha e peguei a outra metade com ele. Eu queria abrir um restaurante normal, com mesa, cadeira, mas não tinha dinheiro. Então abri um quiosque.

No quiosque só cabiam quatro pessoas, mas por ter trabalhado com japoneses, eu tinha técnica. E o mais legal na minha história é que fui um dos primeiros no Brasil a tirar o salmão do cardápio. E no final das contas, o balcãozinho que eu tinha acabava sendo igual ao do Japão, com aqueles becos que tem poucos lugares com mesa e cadeira.  Então é isso: no final eu usei técnica alta em uma birosquinha.

Inclusive eu trabalhava no Nagayama, que é um restaurante muito famoso no Brasil; e quando eu me vi, os donos do Nagayama já comiam comigo. O que eu achava que era um ponto fraco [o pequeno espaço] acabou se tornando um ponto forte.

MidiaNews – Você já passou por algum episódio de preconceito por suas origens?  

Wdson Vaz – Eu sou brasileiro, e quando se é brasileiro é preciso ser melhor duas vezes. Porque a galera gosta mais de quem tem olho puxado. Isso é bem claro. Em Cuiabá não é tão exposto, mas em São Paulo é. E quando acontece isso, você faz o quê? Estuda e adquire conhecimento. Já sofri preconceito de brasileiros, inclusive. De achar que a gente é de outros lugares. Então, eu tinha que provar que não era, tinham até uma certa desconfiança no começo, mas Graças a Deus isso já acabou.

MidiaNews – Você disse que tirou o salmão do seu cardápio. Por que tomou essa decisão? E o que você considera como sua especialidade?  

Wdson Vaz – Tirei o salmão porque todo mundo sabe trabalhar. Eu queria trabalhar com outras coisas, com outros peixes iguais no Japão. Mas minha especialidade é o atum. Eu tenho atum da Califórnia, atum da Espanha, atum do Sul. Prefiro trabalhar com atum, sardinha, mariscos, enguia…

MidiaNews – E qual é o segredo para um bom sushi? 

Wdson Vaz – Técnica. Ter um bom arroz e um bom peixe. Só que para ter um bom arroz e um bom peixe, você precisa de um dia inteiro de trabalho, de preparação, para você servir à noite. É um serviço árduo e muito artesanal. Quando eu falo artesanal, é porque sou eu que compro, eu que preparo, eu que vendo. Eu que contrato, eu que mando embora, eu que cuido do Instagram, eu que faço tudo.

MidiaNews – O seu restaurante é considerado um dos melhores de São Paulo. Mas você se imaginou chegar tão longe assim, quando desembarcou  lá pela primeira vez? 

Wdson Vaz – Não imaginei. Na Avenida Paulista, onde era o Sushi Vaz, eu tinha uma fila de dois meses de espera e os clientes só podiam sentar comigo por uma hora. O sucesso era tão grande que eu e minha mulher não sabíamos o que fazer. Eu baixei a cabeça ali no quiosquinho e, quando levantei, depois de três anos, já estava em um monte de matérias, na revista Veja, com duas páginas inteiras só sobre mim, na Revista Piauí, além de matéria na CNN.

Aqui em São Paulo eu sou bem famoso. O pessoal tira foto comigo, inclusive os artistas. Chay Suede, Eliana, Diogo Nogueira e até a Ana Maria Braga estão comigo. Todos eles têm meu WhatsApp, têm meu telefone. Para mim já virou normal, para eles eu sou o artista.

MidiaNews – Recentemente você abriu uma unidade no Rio de Janeiro. Quantas filiais já tem? Pretende abrir uma em Cuiabá?

Wdson Vaz – Não, Cuiabá é o único lugar que eu quero tirar para descansar. Cuiabá está longe do mar, e meu cardápio nunca é fixo; eu vou à peixaria e pego os peixes de acordo com o que eu achar ali, para então entrarem no cardápio. Em Cuiabá, infelizmente não tem como fazer isso, é só peixe congelado.

Mas no momento eu tenho dois restaurantes em São Paulo, nos bairros Pinheiros e Jardins, e um no Rio de Janeiro, no Leblon.

Reprodução/ Redes Sociais

sushi vaz

Sushi Vaz no bairro Leblon, no Rio de Janeiro

MidiaNews – E todos são no estilo balcão com esquema de poucos lugares? 

Wdson Vaz – Todos são balcões, nenhum é com mesa e cadeira. A gente não vende um jantar, vende uma experiência. No restaurante do Jardins cabem oito pessoas. No Leblon 12 e de Pinheiros 20.  É um balcão quadrado que fica todo mundo em volta, no meio do salão, em uma ilha.

Rola uma resenha ali, mas o pessoal geralmente vira pro chefe. Porque o chefe vai cortando e vai explicando, esse peixe é tal, esse peixe que é tal, come é assim… E a palavra que a gente usa é “omakase”, que quer dizer “confia no chefe”.

Ou seja, você vai lá, paga um preço, R$ 430. E você come o menu confiando no chefe. Você avisa se tem uma restrição ou não, e depois confia no chefe. Aqui [no Sudeste] tem um público nichado para isso. Não sei se em Cuiabá daria certo.

MidiaNews – O que você considera como as maiores diferenças entre o sushi japones, brasileiro e cuiabano? 

Wdson Vaz – Fácil. O tempo. No Japão os peixes morrem no dia, às vezes dentro do próprio restaurante. No brasileiro, a Anvisa não deixa vender os peixes vivos, mas morrem no mesmo dia. Agora, em Cuiabá é peixe congelado, não tem peixe fresco. Têm que ser sushi criativo.

MidiaNews – E quando você vem a Cuiabá, que restaurantes costuma frequentar?  

Wdson Vaz – Vou muito no Haru. O pessoal de lá vem fazer estágio comigo e está sempre buscando melhorar. Eles começaram com um lance comercial, mas estão tentando melhorar. Entra muito aquilo que te falei, não importa de onde a gente veio, importa para onde a gente vai… Confio bastante no trabalho deles.

MidiaNews – E quais outros restaurantes você indicaria para quem é de Cuiabá? 

Wdson Vaz – Em questão de segurança alimentar, o Pé de Pequi faz um bom trabalho. Confiável. Para Cuiabá eu vou quatro vezes por ano.

MidiaNews –  Então você gosta de passar um tempo em Cuiabá? 

Wdson Vaz – Gosto bastante. Eu viajo o Brasil inteiro, o Mundo inteiro, mas sempre quando eu posso, vou para Cuiabá. Minha família está aí, meu pai, minha mãe, minha avó… eles vivem tudo aí. Eu sou cuiabano, pô, como “petche”!

MidiaNews – E você prefere o peixe frito estilo São Gonçalo Beira Rio ou o peixe feito com a técnica japonesa?  

Wdson Vaz – Eu prefiro o peixe do Okada. O peixe frito do restaurante Okada. Que é o estilo do São Gonçalo Beira-Rio, né? Eu sou cuiabano, não tem jeito. É pacu, ventrecha com farofa de banana…

Fonte: Midianews