Quando a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) começou, muito se falava sobre a doença ser democrática e atingir a todos igualmente. Mais de seis meses depois, os números apontam o contrário. Em Cuiabá, dados do Informe Epidemiológico que consideram até o dia 29 de agosto mostram que a população preta e parda corresponde a 71,6% dos casos, 73,4% dos internados e 78% das mortes na capital.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde da cidade, estimados a partir do Censo de 2010, na população geral o percentual de pessoas pretas e partas em Cuiabá é de 61,3%, e de pessoas brancas, de 37,1%.
Os números do informe, no entanto, não são exatos, já que, em relação aos internados, metade possuía informação de raça / cor de pele, sendo sendo 73,4% declarados cor da pele preta/parda, 25,5% branca, 1,0% amarela e apenas um paciente indígena.
Entre os que faleceram, a raça/cor foi informada por somente 53,6% dos óbitos de residentes de Cuiabá, entre esses, a maioria foi negra (parda = 65,2% e preta = 12,8%) seguido de branca (20,5%).
Já em relação aos casos confirmados, a informação sobre raça/cor foi registrada para 14.590 casos de COVID-19 em residentes em Cuiabá, ou seja, 76,2% do total de casos. Entre eles prevaleceu a raça/cor preta/parda com 71,6% dos casos, seguida pela branca, com 25,9%.
Falta de políticas públicas
Para a ativista do movimento negro e presidente do Instituto de Mulheres Negras (Imune) Antonieta Luísa Costa, o número, infelizmente, não surpreende. “O motivo é único: o processo de exclusão, a falta de políticas públicas, a vulnerabilidade que a comunidade vive”, disse ao Olhar Direto. “Os dados apontam uma realidade que nós já sabemos, já conhecemos. Pra gente do movimento negro não é espanto nenhum saber disso. A gente sabe que a Covid-19 vai ser um marco e é uma referência de exclusão do povo preto. A gente já vivia um processo de exclusão na saúde pública, e a Covid-19 escancara essa exclusão”.
Antonieta conta que não houve políticas públicas voltadas especificamente para essa população durante a pandemia, a não ser uma doação de pouco mais de 600 cestas básicas realizada pelo governo recentemente. Para ela, os dados são importantes, mas devem ser um ponto de partida. “Não adianta só governo municipal nos apontar os dados. A gente precisa mais que isso! Tentar achar uma solução pra que de 80 [por cento] a gente não passe a ser 90, e é o caminho que se pontua aqui no estado”, lamenta.
“Política antirracista é entender que precisamos mudar o sistema do país. Falar ‘vidas negras importam’ é trabalhar pra que a gente não perca essas vidas. Vidas negras importam começa com políticas públicas para essas vidas, se não, vidas negras não importam”, lamenta.
A jornalista Neusa Baptista, que também faz parte do Movimento Negro em Mato Grosso, concorda. “É um sintoma dessa exclusão econômica, social e racial que acontece na educação, no acesso ao trabalho, no acesso ao serviço de saúde e de atendimento social em geral com a população negra. Essa exclusão acontece em todos os setores onde tem que ter um atendimento social à população. Fora a queda da renda, que foi muito violenta, e que a população negra foi a que mais foi atingida, ficando ainda mais vulnerável”, lamentou.
Fonte: Olhar Direto