A Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso condenou uma mulher – autora de diversas ações idênticas ajuizadas contra instituições bancárias diversas – em litigância de má-fé, no importe de 1% do valor corrigido da causa em favor da parte apelada (um banco). A câmara julgadora anulou sentença que havia sido proferida em Primeira Instância para indeferir a petição inicial e, em consequência, julgar extinto o processo sem resolução do mérito.
Informações contidas no processo revelam que o recurso foi interposto contra sentença proferida nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Nulidade/Exigibilidade de Desconto em Folha de Pagamento cumulado com Indenização por Danos Morais e Repetição de Indébito, proposta pela mulher contra o Banco Agibank S/A, que julgou os pedidos iniciais improcedentes e condenou a parte autora por litigância de má-fé no patamar de 5% sobre o valor da causa, bem como condenou a autora da ação a pagar ao advogado da parte ré honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, além das despesas processuais. Todavia, suspendeu a cobrança em razão do deferimento do benefício da justiça gratuita à parte autora.
No recurso, a apelante argumentou que inexistiriam os requisitos autorizadores para aplicar a multa por litigância de má-fé. Ao final, requereu a reforma da sentença para julgar procedente a ação, bem como para afastar a multa por litigância de má-fé.
No voto, o relator do recurso, desembargador Sebastião Barbosa Farias, registrou ter constatado que a parte apelante, representada pelos mesmos advogados, ingressou com várias ações em face de instituições financeiras diversas e, em cada uma, almeja a declaração da nulidade do contrato, inexistência do débito e, em todos os processos, visa compelir os bancos demandados a restituir-lhe em dobro os valores debitados e a pagar-lhe indenização por danos morais. O fundamento é sempre o mesmo: que é pessoa idosa e desconhece da origem dos débitos.
“Em consulta ao PJE- 1ª Instância se constata que foram ajuizados vários processos no mesmo padrão (mesma parte, advogado, pedidos e contra bancos – incluindo o banco recorrido). Como cediço, o fracionamento de ações como a do presente caso, por certo consiste em um verdadeiro abuso do direito de demandar, na medida em que o autor ajuizou diversas ações contra a mesma parte e pedido de declaração de inexigibilidade de débito, prejudicando a celeridade processual e causando danos à sociedade que paga por esses processos, todos beneficiados pela assistência judiciária”, destacou o relator do recurso.
Segundo o desembargador, em se tratando de hipótese na qual o demandante pretende, por meio de promoção de ações distintas, obter o mesmo resultado (declaração de inexigibilidade e recebimento de dano moral), fundando-se na mesma causa de pedir (desconhecimento da origem do débito), “incontroverso que a demanda em tela visa única e exclusivamente o enriquecimento ilícito da parte, além do recebimento de honorários sucumbenciais.”
Para ele, não há outra conclusão a se fazer senão de que o propósito do ajuizamento de tantas demandas dessa natureza caracteriza verdadeiro “demandismo” ou denominada “demanda predatória”, que se traduz na busca pela condenação das instituições financeiras nas verbas de sucumbência, abarrotando o Poder Judiciário com repetidas e inúmeras ações idênticas, circunstância que deve ser rechaçada com veemência, conforme já vem se posicionando o Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Conforme o magistrado, há que se anular a sentença e, por se tratar de matéria de ordem pública, indeferir a exordial, ante a evidente ofensa ao artigo 187 do Código Civil. “A opção por ajuizar ações distintas quando apenas uma bastaria para que lhe fosse alcançada a tutela desejada, se mostra abuso de direito e a pretensão ao enriquecimento ilícito, além do recebimento de honorários sucumbenciais, bem como conduta antiética”, complementou.
O desembargador Sebastião Farias explicou que vedar a tramitação desse tipo de ação não significa impedir o acesso à justiça, mas sim velar para que esse direito seja feito de forma eficaz e com padrões éticos adequados. “Destarte, deve ser anulada a sentença, e por se tratar de matéria de ordem pública indeferir a inicial ante a evidente ofensa ao artigo 187 do CC, pois comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Friso que o indeferimento da inicial pode se dar a qualquer tempo, não somente no momento inicial da propositura.”
O magistrado entendeu ainda necessária a remessa de ofício com cópia integral dos autos à Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso, para apurar eventual infração ética ou disciplinar pelos dois advogados que patrocinam as ações, assim como à Corregedoria Geral de Justiça e ao Ministério Público para tomar conhecimento dessa situação e tomar as providências que entender necessárias para coibir essa distribuição aleatória em casos semelhantes.
Fonte: Folhamax