Mudança climática já ‘comeu’ 28% da área agrícola do Centro-Oeste

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A mudança climática já traz problemas para a agricultura brasileira. E eles devem aumentar consideravelmente nos próximos anos. Até 2019, cerca de 28% da área de agricultura na região de transição entre Amazônia e cerrado —que concentra metade da produção agrícola nacional— havia sido afetada e se encontrava fora de uma zona climática considerada ideal.

Grande parte dos impactos está em regiões de expansão agrária recente, como o sudeste de Goiás e o Matopiba (acrônimo para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Para 2030, a projeção é que até 51% dessa área saia da zona ideal. Até 2060, estima-se que o percentual suba para 74%.

Os dados são provenientes do estudo “O Limite Climático para a Agricultura no Brasil”, publicado na quinta-feira (11) na revista Nature Climate Change, por pesquisadores do Woodwell Climate Research Center, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), das universidades da Califórnia e de Richmond, da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso) e da Ufra (Universidade Federal Rural da Amazônia).

Os cientistas levaram em conta dados de precipitação e de secas, fatores importantes ao considerar que, segundo a pesquisa, cerca de 90% da agricultura realizada na área observada depende de chuvas. As condições climáticas na década de 1970, momento em que se intensificou a ocupação do Centro-Oeste para uso agropecuário, foram tomadas como ponto de referência.

O estudo se concentrou nos seguintes estados: Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Três perguntas nortearam os cientistas. Secas recentes chegaram a influenciar o ritmo de intensificação ou desintensificação da agricultura ou colheitas? A expansão recente da atividade ocorreu em áreas vulneráveis a mudanças climáticas? Até que ponto a crise climática já afetou a possibilidade de produção e qual a projeção para o futuro próximo?

“Vimos que as áreas agrícolas que estamos ocupando ultimamente são, climaticamente falando, marginais, são subótimas”, diz Ludmila Rattis, pesquisadora do Woodwell Climate Research Center e do Ipam, uma das autoras da pesquisa. “E isso está colocando em risco a produtividade de soja e do milho.”

Segundo Rattis, a fronteira agrícola caminhou para uma área mais seca (com temperaturas mais altas não compensadas pela quantidade de chuva), o que leva a uma maior possibilidade de estresse hídrico para as plantações.

Nas últimas décadas, a produção agrícola brasileira vem crescendo, mas o ritmo, alertam os pesquisadores, é prejudicado pelos eventos de seca. “Se você olha de perto, é possível ver que, nos últimos anos, quando os produtores perdem, eles perdem muito mais do que ocorria antes. E quando ganham, ganham menos.”

Ou seja, são perdas quase silenciosas, ano a ano, afirma Rattis. “Não é que a pessoa vai chegar e não vai ter chuva, solo, não vai ter nada. A capacidade de produção vai se perdendo aos poucos.”

Atualmente, o país vive uma situação de alta de preços em itens de consumo causada, entre outros motivos, por perdas nos campos ocasionadas por uma seca prolongada e também por geadas.

De acordo com a especialista, as áreas com cultivo a partir da década de 1970 foram ocupadas por plantas adaptadas para o cenário climático daquele momento (o que foi aperfeiçoado com ajuda de tecnologia agrária). Áreas que agora, como citado anteriormente, estão significativamente mais quentes e mais secas.

Olhando somente para a chuva, os cientistas viram que, em áreas com diminuição da precipitação média, observa-se também uma menor probabilidade de uma área ser usada para mais de uma safra por temporada.

“Não estamos conseguindo fazer safra e safrinha. Muito do lucro está em conseguir fazer duas safras em uma mesma janela de plantio”, diz Rattis.

Segundo o artigo, o Estado brasileiro mira sua expansão de cultivo exatamente em áreas com mais riscos climáticos, mas sem levá-los em conta. “O setor agrícola do Brasil provavelmente enfrentará aumento das perdas de safra por secas, ondas de calor e prolongamento da estação seca”, alertam os autores.

O recente relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) aponta projeções de aumento de secas no Norte, Centro-Oeste, Sudeste e parte do Nordeste para meados do século.

Mas ainda existem formas de minimizar os problemas. Investir em técnicas de agricultura de baixo carbono e alterações genéticas para adaptar as plantações para a nova realidade climática são opções.

“O Brasil é uma potência agrícola graças ao clima favorável e muita pesquisa científica. Chegamos até aqui graças à Amazônia que produz chuva e ao cerrado que absorve água e abastece todas as minas que temos”, diz Rattis.

O problema é que ambos os biomas têm apresentado elevados índices de destruição. A Amazônia, nos últimos anos, tem tido devastações superiores a 10 mil km², maiores valores da década. Já o cerrado, com cerca de metade do tamanho do bioma amazônico, tem nível de desmate não muito distante.

“Precisamos parar o desmatamento porque a natureza não leu o Código Florestal e não sabe diferenciar desmatamento legal e ilegal”, resume a pesquisadora do Ipam. “E continuar investindo em pesquisa. Se a gente continua destruindo e não financiando ciência, vai ser muito difícil plantar.”

Fonte: Diário de Cuiabá