O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) ajuizou, na última sexta-feira (26), ação civil pública (ACP) com pedido de liminar em face da filial estadual da empresa SDB Comércio de Alimentos Ltda. (Supermercados Comper), em virtude da subnotificação às autoridades competentes de acidentes e doenças do trabalho ocorridos com seus(suas) empregados(as).
Na ação, o MPT salienta que o número de Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) emitidas pela ré – 89 no período de 2018 a 2022 – é muito inferior aos 245 benefícios previdenciários concedidos (B31 com NTEP + B91), caracterizando irregularidade no que diz respeito à notificação de acidentes de trabalho.
O código B31 se refere ao Auxílio Incapacidade Temporário Previdenciário; o código B91, por sua vez, ao Auxílio Incapacidade Temporário Acidentário, enquanto NTEP é a sigla para Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, ferramenta auxiliar da Previdência para caracterizar a incapacidade como acidentária (relacionada ao trabalho) em determinadas situações.
Houve, ainda, 1.097 afastamentos inferiores a 15 dias por doenças com NTEP reconhecido sem nenhuma CAT emitida. Vale destacar que, na ocorrência do acidente de trabalho, independentemente de afastamento ou não, ou do período total de afastamento, é obrigatória a emissão da CAT por parte do(a) empregador(a). Portanto, afastamentos inferiores a 15 dias, embora não gerem benefícios previdenciários, consistem em manifestação de lesão a exigir atenção médica e, estando esta relacionada ao trabalho pelo NTEP, obriga a empresa a emitir CAT.
Além disso, a filial estadual da SDB Comércio de Alimentos Ltda. não tem cumprido a obrigação de encaminhar, à Vigilância em Saúde do Trabalhador do Município, informações para viabilizar a regular alimentação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde (MS). “Sobre essa irregularidade, constatou-se que 6 acidentes de trabalho graves não foram notificados pela empresa ao SINAN, cujos registros ao referido sistema foram efetuados diretamente pelas unidades de saúde. O que é mais grave, no entanto, é que 4 dessas notificações via SINAN não têm as correspondentes CATs, incorrendo a empresa ré em mais subnotificações ilícitas”, informa o procurador do Trabalho Bruno Choairy Cunha de Lima, coordenador regional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat) e autor da ação.
Choairy acrescenta que foi constatado que 38 empregados(as) foram desligados(as) irregularmente da empresa no período de estabilidade, sem o pagamento das verbas devidas, perfazendo um prejuízo direto aos(às) trabalhadores(as) de R$ 146 mil, em valores atualizados.
Na ação, o MPT requer que a empresa seja obrigada, de imediato, ao cumprimento de quatro obrigações, propondo pena de multa de R$ 50 mil por infração. São elas:
(1) Emitir CATs, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, sempre que ocorrer acidente ou doença, incluindo os típicos e atípicos, que acarretem afastamentos inferiores ou superiores a 15 dias;
(2) Promover a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude das condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, por meio da emissão de CAT;
(3) Emitir CATs para as doenças cujo Classificação Internacional de Doenças (CID) possua nexo causal presumido com a atividade econômica desenvolvida, salvo na hipótese de manifestação expressa de médico reconhecendo a inexistência de relação entre o adoecimento e o trabalho;
(4) Considerar, na avaliação do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além da anamnese, do exame clínico (físico e mental), de relatórios e dos exames complementares, as seguintes informações: I – a história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; II – o estudo do local de trabalho; III – o estudo da organização do trabalho; IV – os dados epidemiológicos; V – a literatura científica; VI – a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhadores expostos a riscos semelhantes; VII – a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; VIII – o depoimento e a experiência dos trabalhadores; IX – os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.
Diante das irregularidades observadas, o MPT pede, ainda, em caráter definitivo, a condenação da empresa ao pagamento dos valores correspondentes aos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não recolhidos durante o período do afastamento, nas hipóteses de subnotificação dos acidentes de trabalho (B91 e B31 com NTEP); e de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão.
A emissão da CAT produz impactos de ordem trabalhista, previdenciária e tributária. Na esfera individual, o(a) trabalhador(a) pode deixar de usufruir da estabilidade provisória, que é conferida àquele(a) que sofre acidente do trabalho e precisa se afastar com percepção de benefício previdenciário. A estabilidade dura 12 meses após a cessação do Auxílio Incapacidade Temporário Acidentário (B91), independentemente de percepção do Auxílio Incapacidade Temporário Previdenciário (B31).
Os(As) empregados(as) das empresas também são impactados(as) negativamente quanto aos valores de eventual aposentadoria por invalidez (atual Aposentadoria por Incapacidade Permanente), que também serve de base para o cálculo da pensão por morte, a qual será de 100% da média aritmética simples dos salários de contribuição quando o fato gerador do benefício decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.
Choairy aponta que a emissão de CAT e a notificação no SINAN devem ser realizadas em caso de acidente, doença ou morte envolvendo trabalhadores(as) com relação de emprego. “O SINAN é fundamental para a identificação de doenças relacionadas ao trabalho e para a implementação de políticas de prevenção de acidentes dentro das empresas, assim como para melhoria de políticas públicas”, ressalta.
O procurador explica que ambas permitem realizar a vigilância da saúde do(a) trabalhador(a), seja com vínculo de emprego, no caso da CAT, ou no exercício de atividade trabalhista, tendo ou não a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada, no caso do SINAN. Com propósitos distintos, a primeira é destinada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e à concessão de benefícios; e a segunda fornece ao poder público um alerta epidemiológico munido de informações como, por exemplo, qual a principal causa de adoecimento entre trabalhadores(as) em determinada localidade.
O MPT-MT ajuizou a ação após investigar, no Inquérito Civil (IC) 000376.2023.23.000/7, a conduta da ré em relação à notificação de acidentes e agravos do trabalho. O IC foi instaurado a partir da implementação do projeto nacional da CODEMAT intitulado Promoção da Regularidade das Notificações de Acidentes de Trabalho, programa que visa combater a subnotificação nas maiores empresas do estado no que diz respeito à emissão de CATs e a alimentação do SINAN.
A iniciativa compreendeu, no primeiro momento, as 10 empresas que apresentaram a maior discrepância entre o número de CATs emitidas e o de concessão de auxílios previdenciários (B31 com Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP e B91). Diante das investigações e audiências administrativas realizadas, quatro Termos de Ajuste de Conduta (TACs) já foram firmados entre o MPT-MT e empresas de três diferentes ramos: indústria de produtos à base de proteína animal; comércio varejista de mercadorias em geral; e de locação de mão de obra especializada, sendo a mais recente assinada na última quinta-feira (25).
Com o acordo, os(as) empregadores(as) assumiram a obrigação, por exemplo, de emitir a CAT sempre que ocorrer acidente ou doença, incluindo os típicos e atípicos, que acarretarem afastamentos inferiores ou superiores a 15 dias do trabalho, e de garantir o encaminhamento, à Vigilância em Saúde do Trabalhador do Município, de informações aptas a viabilizar a regular alimentação do SINAN, por meio da notificação e investigação de casos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória.
No caso da filial estadual da SDB Comércio de Alimentos Ltda., houve a recusa por parte da ré de se firmar o TAC, mesmo diante da identificação pelo MPT da subnotificação de acidentes de trabalho, o que levou o órgão a ajuizar a ACP. Além desta, há também ação movida contra a filial estadual da empresa Liderança Limpeza e Conservação Ltda. com liminar parcialmente deferida pela Justiça do Trabalho.
Fonte: Muvuca Popular