Após mais de um mês em frente aos quartéis, os manifestantes bolsonaristas continuam firmes em seu objetivo, porém, o cansaço começa a bater. A equipe do jornal A Gazeta esteve em um dos acampamentos montados em Cuiabá e a recepção não foi das melhores. Apesar do clima de coletividade, com tendas para alimentação, barracas e até uma capela montada em frente ao 13º Batalhão do Exército, em Cuiabá, o humor entre os manifestantes não é mais o mesmo.
“Nós queremos que vocês vão embora. Tá todo mundo estressado, já são 33 dias aqui na frente em busca de um objetivo que é salvar nosso país”, disse um dos integrantes do grupo que recebeu a equipe. Muitos deles pediam que a reportagem voltasse no período da noite, quando haveria mais pessoas, outros, porém refutam qualquer contato com a imprensa. “Nessa hora, pela manhã, quem passou a noite aqui foi para casa foi descansar. Então é melhor vocês irem embora e não precisa voltar”, disse outro manifestante que chegou a iniciar uma discussão com um colega que defendia a cobertura em outro horário.
Já na chegada, muitas tendas e barracas. O manifestante não quis se identificar e chamou outros companheiros. “Olha, respeito seu trabalho, mas não vamos dar entrevista. Vocês precisam entender que está todo mundo esgotado, sou empresário, estou aqui há 33 dias e não está sendo fácil”. Outros, porém, tentavam amenizar e explicar que só não queriam ser expostos de forma vexatória. “O problema, moça, é que saem falando que somos fracassados, que não fazemos nada. E estamos aqui lutando”.
Fenômeno atual
Silas Monteiro, do Instituto de Educação e professor no Programa de Pós-graduação em Psicologia, explica que esse movimento atual é construído e pode ser considerado como uma histeria coletiva. Ele ressalta que historicamente esse fenômeno tem base em lutas religiosas ou em defesa nacional, mas sempre contra outras nações e não de forma interna.
“O que temos experimentado é de outra ordem, nunca foi vinculado a uma pessoa, o ser humano, que é o ideal. Uma divindade já foi visto, em nome do país também, mas nesse caso atual, colocam uma figura”, explica o professor ao ressaltar que essa questão foi identificada anteriormente apenas no nazismo e no fascismo, com as figuras de Benito Mussolini e Adolf Hitler.
Conforme Silas, toda mobilização tem uma característica de estabelecer uma ameaça, como por exemplo quando um país entra em guerra com outro. A base quase sempre é o medo. “O medo parece tão concreto que os envolvidos parecem ver o que vai acontecer. Se retroalimenta. Individualmente não faz nada, mas no coletivo são uma ameaça, associada a um senso de insegurança”.
O professor explica que duas pontas fazem parte desse impulsionamento, as pessoas que sabem que a ameaça não existe, mas se valem dela para mobilizar e outras pessoas que estão tão imersas que são compelidas a lutar contra essa ameaça. “Na atualidade isso é alimentado principalmente via online, por conta de determinados aplicativos de mensagem que criam comunidades, as pessoas têm uma experiência virtual, ela fica o tempo todo ouvindo, imersa nesse movimento que todos que estão ali acabam acreditando que realmente existe uma ameaça”.
A questão psicológica é tão intensa no movimento, que pessoas que estão de fora também começam a colocar em dúvida o que acreditam e sabem. Monteiro explica que é um ponto de inflexão e na filosofia se entende que nenhum tipo de compreensão do mundo é invalidada por si, toda visão de mundo é possível. “De alguma forma, em pessoas razoáveis, que não enxergam essa ameaça e veem todo esse movimento, começa a desconfiar se essa ameaça não existe ou se não está conseguindo enxergar”.
O principal método, de acordo com o professor, seria colocar todas as questões em debate e estudo. O que na maioria das vezes não acontece, também pelo fator pertencimento, quando as pessoas envolvidas naquela comunidade sentem a necessidade de fazer parte do grupo.
“No momento que se instaura a dúvida, é aí que as pessoas precisam fazer um estudo sobre o assunto, buscar informações. Mas o ser humano é uma animal gregário, que temos um potencial de estar juntos, se for tomar uma perspectiva evolucionista, faz sentido, essa vantagem de estar em grupo é muito própria da experiência humana”.
Fonte: Gazeta Digital