Mato Grosso passa por um processo de interiorização da violência armada. Isso ocorre após o restabelecimento do Comando Vermelho (CV) como facção dominante em Cuiabá, a partir de 2016.
Cenário como este é relatado pela pesquisa “Violência Armada e Racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, divulgada na quarta-feira (20), pelo Instituto Sou da Paz.
Em sua terceira edição, o estudo traça um panorama do impacto da violência armada na vida dos homens brasileiros, tendo como base banco de dados do Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), consolidados para o ano de 2022.
De acordo com a pesquisa, Cuiabá desempenha um papel estratégico na logística do tráfico de drogas – que tem grande responsabilidade na violência e cujo controle é amplamente disputado por facções locais e nacionais -, devido à localização geográfica relativamente próxima da fronteira com a Bolívia.
“A disputa por território entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o CVMT levou a cidade a atingir o pico de homicídios por arma de fogo nos anos de 2014 e 2015. O fim do conflito territorial e o aumento da presença da Polícia Rodoviária Federal e das forças de segurança locais, no controle das rodovias e a intensificação das operações de combate ao tráfico, contribuíram na queda de assassinatos em Cuiabá”,destaca o relatório.
Contudo, ainda com uma maior presença das forças de segurança, o CV manteve seu controle sobre as rotas de tráfico na Capital, adaptando suas operações para evitar a ação das forças policiais.
“Cuiabá é um hub no fluxo da cocaína e, com a crescente demanda pela droga no país e nos mercados internacionais, o controle sobre essa logística se tornou um objetivo prioritário para o PCC”, acrescenta.
Para o Instituto, essa conjuntura revela a necessidade de políticas públicas pensadas em diálogos com diversas áreas, analisar esse cenário colabora para que soluções sejam elaboradas e executadas.
“É preciso compreender os diferentes cenários regionais e implementar políticas públicas capazes de atuar sobre diversos fatores de risco, estruturais e conjunturais, que sujeitam a população negra à violência armada”, diz Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz, organização não governamental que atua há 25 anos para reduzir a violência no Brasil.
MORTES MASCULINAS – Conforme o levantamento, Mato Grosso é o Estado do Centro-Oeste com a maior taxa de homicídio masculinos por arma de fogo.
No Estado, são 34,9 assassinatos por 100 mil homens. Levando-se em consideração a cor ou raça, os negros têm mais chances de morrerem por disparos de armas de fogo do que os brancos.
O índice estadual entre os homens negros é de 39,9 mortes por 100 mil e, entre os brancos, de 24,4/100 mil.
Também é o dobro do que a observada na Capital mato-grossense.
“A taxa de assassinatos de homens negros é de 20,1 por cem mil homens e a de não-negros é de 8,3, uma diferença de quase 2,5 vezes”, assinala o levantamento.
“Já no interior do Estado, a taxa é mais alta do que na Capital, uma inversão observada a partir de 2018, e com tendência de crescimento nos últimos anos da série analisada”, acrescenta.
Casos como o de Antonio Teodoro Borges Pereira, 27 anos, reforçam os dados do Instituto Sou da Paz.
No dia 5 de junho, o pai da vítima procurou a Delegacia de Tangará da Serra (239 km a Noroeste de Cuiabá) para registrar o desaparecimento do filho, após encontrar a casa de Antonio Pereira com a porta da frente aberta.
No quarto, marcas de sangue no chão. O corpo da vítima encontrado ocultado dentro de uma cama box, com sinais de estrangulamento e cortes na região das mãos.
Na quinta-feira (21), a Polícia Civil deflagrou a operação “Tribunal Espúrio”, para cumprir seis mandados judiciais visando a desarticular uma organização criminosa responsável por torturar e executar o homem.
Conforme investigação da Polícia Civil, ao ser rendida pelos criminosos, a vítima foi amordaçada e teve sua execução filmada e transmitida em tempo real para os líderes do grupo.
OUTROS DADOS – No país, as armas de fogo foram as responsáveis por quase 38 mil mortes anuais de homens entre 2012 e 2022.
É justamente na fase produtiva dos homens em que cresce a chances de mortes, já que 43% das mortes ocorrem na faixa de 20 a 29 anos; e 40%, entre 30 e 59 anos.
Também homens negros são 79% das vítimas, sendo três vezes mais propensos a serem mortos por armas de fogo do que homens não negros.
Fonte: Diário de Cuiabá