Indígenas usam drones contra incêndios e para regenerar lavouras

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O caminho para chegar à aldeia indígena Caçula é marcado por uma viagem de uma hora e meia iniciada pela BR-158, e feita em sua maior parte por estradas de terra, cercadas por vegetação muito seca nesta época do ano e propícia a sofrer queimadas.

Para justamente tentar detectar focos de incêndio no cerrado com maior rapidez e, ao mesmo tempo, ter acesso a práticas sustentáveis e tecnologias de ponta para potencializar receitas com a agricultura, indígenas xavantes de Canarana (823 km a Nordeste de Cuiabá) estão sendo treinados com drones, num projeto que envolve também assentados e pequenos produtores mato-grossenses.

Executado inicialmente em três aldeias xavantes e da etnia boe bororo, a um custo de R$ 1,6 milhão, o projeto deve chegar a 30 aldeias de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, nos dois próximos anos, com investimento de R$ 3 milhões.

Canarana é um município extremamente ligado ao agronegócio e está entre os 40 do setor mais ricos no país, graças principalmente à produção de soja, mas não só.

Com 357 mil hectares plantados, é o oitavo produtor de soja do Estado e 13º do país, além de ser o segundo maior produtor de melancia e melão de Mato Grosso.

Também obtém renda no campo com outras atividades, como frutas (mamão, maracujá e banana, entre outras), borracha, gergelim e leite.

Isso atraiu à cidade de menos de 50 anos concessionárias de grandes fabricantes de máquinas e implementos agrícolas, além de abrigar unidades de grupos como Cargill e Louis Dreyfus Company.

“O drone surgiu quando a gente trabalhava na brigada [de incêndios]. Ficamos impressionados e gostamos muito dessa ferramenta tão nova que chegou. Vai ajudar muito para poder diminuir o fogo, tirar a imagem [do local atingido] e ter acesso mais fácil”, diz Felisberto Uruna Tseridzati, chefe da brigada e um dos quatro indígenas já preparados para as ações de monitoramento de queimadas.

O treinamento começou após ele procurar a Fundação Bunge, para participar de um curso de drone e georreferenciamento que era oferecido no estado.

O projeto é desenvolvido pela fundação, braço social da Bunge, e envolve órgãos como Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Prefeitura de Canarana, uma empresa agrícola, a Empaer (Empresa Mato-grossense de Pesquisa e Extensão Rural) e aldeias do município.

Canarana tem 2.234 indígenas, segundo o Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), distribuídos em cerca de duas dezenas de aldeias.

Além de evitar que incêndios prejudiquem a vegetação nativa e áreas de plantio de indígenas, a ideia é que seja promovida a agricultura de baixo carbono no solo e na água, sem desmatamento e que seja ampliado o conhecimento técnico para a produção de itens básicos da alimentação brasileira, como arroz, feijão, mandioca e milho.

A primeira etapa com os indígenas teve início há um mês, quando eles receberam três drones.

Folha acompanhou a segunda fase, com a entrega de tablets e, na sequência, eles terão notebooks para auxiliar nos trabalhos na terra indígena Pimentel Barbosa.

Franço Owari Xavante, que está passando por treinamento e tem dificuldades em falar português, diz que até por isso enfrentou muitos desafios para aprender, mas se interessou pelo curso e se esforçou muito para poder atuar na brigada e proteger a terra indígena.

Os focos de calor na área estão abaixo dos registrados em 2021, ano extremamente seco no Centro-Oeste, mas se igualam aos do ano passado —13 em julho de cada ano. Não há registro de desmate no local nos últimos cinco anos.

Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que a cidade é a 15ª com mais registros de focos no estado neste ano.

Francisco dos Santos Magalhães, técnico da Funai que convive com os xavantes desde os anos 1970, afirma que a situação deles é crítica e que o programa vai contribuir com o povo, que ocupa uma área de 328 mil hectares.

“Tem Bolsa Família, mas não é recurso suficiente. Ela atende diversas coisas dentro da comunidade, não só a questão de alimento, mas roupa, calçado, tudo. Um dos problemas é que entrou na cultura deles uma alimentação incorreta, que tem trazido um prejuízo enorme para a saúde”, diz.

O programa global, envolvendo outras áreas, começou em 2022 e, desde então, formou 12 técnicos agrícolas em agricultura de baixo carbono —que repassam o aprendizado a 53 agricultores que integram o projeto— e outros 71 estudantes receberam formação em georreferenciamento e uso de drone em parceria com o IFMT (Instituto Federal de Mato Grosso).

Produtores rurais estão sendo capacitados desde o primeiro semestre para polinização assistida, recuperação de área degradada e produção integrada entre lavoura, pecuária e floresta —com plantio de pequi e baru.

A polinização está sendo incentivada no assentamento Suya para que melhore a produtividade da soja plantada na região e, também, gere mel para que os assentados comercializem. A cidade produz hoje quatro toneladas de mel por ano.

Pequenos produtores têm oferecido caixas de abelhas a grandes fazendeiros, com o objetivo de que ambos se beneficiem —o grande produtor com aumento de produtividade, e o pequeno com a renda da produção de mel.

As abelhas podem elevar em até 12% a produtividade, segundo um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

“A proposta é que a tecnologia chegue ao pequeno produtor, para ampliar renda e também permitindo que ele permaneça em seu território. Isso contribui muito para o desenvolvimento mais sustentável”, diz Cláudia Calais, diretora-executiva da fundação.

Secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Canarana, Cleyton Dias de Souza afirma que a intenção é ampliar o programa, para que mais produtores sejam beneficiados.

“Atende mais de 50 produtores, mas temos mais de 600 que são pequenos. Temos 220 produtores de soja, há muitos produtores para serem atingidos ainda”, diz.

Foram entregues 160 caixas de abelhas pela fundação e a prefeitura obteve outras 40 do governo estadual, conforme ele.

“A apicultura dando muito certo, uma coisa vai puxando a outra. O litro do mel tem custado de R$ 80 a R$ 100, é uma boa renda”, afirma o agricultor familiar Aparecido dos Santos Pereira, que vive no assentamento Suya, criado há 15 anos.

O local abriga 67 famílias, cada uma com área de 12 hectares, dos quais quatro são de reserva legal.

Fonte: Diário de Cuiabá