No comparativo entre os dois primeiros meses de 2022 e 2023, o número de tentativas de homicídios em Sorriso (397 km de Cuiabá) cresceu 383% . Com relação aos homicídios consumados, o índice supera a casa dos 360%. Os números são um demonstrativo do porquê de o município, reconhecido nacionalmente como a capital do agronegócio, ter ganhado a fama de ‘cidade do crime’.
Ao HNT, o sociólogo e especialista em segurança pública, professor Naldson Ramos, explicou a relação entre o crescimento pujante de Sorriso e o aumento nos números da violência.
De acordo com o professor, o modelo de exploração econômica centrado na monocultura é um fator determinante para entender a violência na cidade. A baixa demanda por mão de obra, alta concentração de renda e sazonalidade do trabalho impactam diretamente na marginalização da população mais pobre, especialmente sensível à chegada das facções criminosas e do tráfico de drogas.
“Além de ser uma rota de tráficos de pessoas, de cargas, Sorriso, Lucas do Rio Verde e, ao mesmo tempo, Sinop passam a ser pontos, mercados consumidores de droga, e o comércio disso não é um comércio tranquilo também porque há disputa de facções. Quando alguém tenta ocupar um território que eles acham que é de direito deles, eles disputam esse território. Faccionados acabam matando outros faccionados ou a criminalidade também acontece por conta dos usuários que compram e não pagam, ou o dono da boca, que desviou parte do lucro. Essas pessoas acabam sofrendo a pena capital, de execução, por ordem de uma hierarquia de comando que começa com aqueles que estão na cadeia, que têm ligação com o comando maior. É uma estrutura para que não haja quebra de hierarquia ou do que está previsto no estatuto deles”, explicou Naldson.
O fenômeno que atinge o polo Sinop-Sorriso, porém, não é novidade no Estado. Segundo o professor Naldson Ramos, outros polos de Mato Grosso, inclusive a própria Baixada Cuiabana e a região sul, com polo em Rondonópolis, já enfrentaram o ‘boom’ da violência. De acordo com o professor, o cenário mato-grossense começa a mudar com as correntes migratórias da década de 1980, quando muitos produtores sulistas e sudestinos chegaram ao Estado.
“A partir da década de 1990, com toda uma tecnologia de correção de solo, fertilizantes, etc, foram aportadas para essa região, que se tornou uma das maiores produtoras de grãos do Brasil. Temos, então, um crescimento acelerado, que não foi acompanhado pelo crescimento das políticas públicas para atender essas correntes migratórias que para cá vieram. Não vieram só produtores rurais, vieram também trabalhadores, e eles vêm e passam a ocupar postos de trabalho sem muita qualificação, subalternos. E nascem os filhos, os netos e formam-se os chamados cinturões de pobreza (…) Essa mesma dinâmica que aconteceu de forma geral desde a região sul e foi subindo, atingiu o médio norte, a região norte, Sinop e Sorriso”, explanou o professor.
Ao mesmo tempo, não são apenas os crimes relacionados às facções criminosas que preocupam as autoridades públicas e os especialistas. O crescimento acelerado, a marginalização e, neste caso, a banalização do uso de armas de fogo endossada nos últimos quatro anos também guardam relação com os chamados crimes sociais, isto é, crimes de violência doméstica, estupros, roubos, injúria, ameaças, bem como homicídios ou tentativas de homicídios e outros crimes não relacionados às organizações criminosas.
“Essas cidades, pelo modelo econômico que produz pobreza, desigualdades sociais, você tem a chamada criminalidade social. É o caso daquele rapaz, um CAC que entrou em um bar, estava jogando sinuca e porque perdeu, matou sete em Sinop. Essa cifra, de sete, vai levar a criminalidade de Sinop lá para cima. Só em um dia morreram sete”, comentou Naldson.
A longo prazo, de acordo com o professor, a criminalidade precisa ser olhada pela ótica do desenvolvimento de políticas públicas para mitigar as desigualdades e dar oportunidades de lazer, qualificação e distribuição de renda à população mais pobre.
“Você tem equipamentos de esporte, de lazer até interessantes, porém, não tem ninguém cuidando disso, dando atividade para essa juventude. Os jovens nessa faixa, principalmente a partir dos 14 anos, quando de fato já entrou na adolescência e começa o momento de experimentar coisas novas, de contestar autoridade e formar grupos de interrelacionamento. E ali começam a ditar as regras de como vai funcionar a convivência entre eles. É aí o momento que o Estado, enquanto políticas públicas, deveria acolher esse jovem”, sugeriu o sociólogo.
O QUE DIZ O MUNICÍPIO
A prefeitura de Sorriso, por outro lado, pontuou uma série de ações desenvolvidas para mitigar as desigualdades sociais e dar oportunidades à população vulnerável. Na lista, constam os programas “Sorriso Mais Esporte”, com a atuação de profissionais de educação física nos bairros, “Atletas do Futuro”, que são os atletas que se destacam nos bairros e podem se tornar elegíveis para receber o Bolsa Atleta.
Na cultura, a prefeitura destacou que conta com 14 polos de oficinas culturais em andamento, com a oferta de aulas de balé, violão, pintura, capoeira, dentre outros. Na assistência social, a prefeitura apresentou três projetos de qualificação de jovens e adolescentes, além do “Capacitar e Empregar Sorriso”, que promete a disponibilização de 800 vagas para qualificação nas áreas de comércio, prestação de serviços e alimentícia entre 2023 e 2024.
Procurado para se manifestar sobre a violência na cidade, o prefeito do município, Ari Lafin (PSDB), preferiu não falar sobre o assunto. A reportagem também procurou o secretário de Segurança da cidade, José Carlos Moura, mas não obteve resposta.
REPERCUSSÃO NO PAIAGUÁS
Na última sexta-feira (31), o governador Mauro Mendes (UB) fez um discurso ‘linha dura’ contra as facções criminosas em Mato Grosso. De acordo com o Ministério Público, o número de pessoas vinculadas somente ao Comando Vermelho em Mato Grosso chega a 30 mil. De acordo com o governador, a tolerância com as ‘ocrims’ será zero.
“Não podemos mais tolerar isso. Temos que tirar de circulação essas pessoas. As forças de segurança estão mobilizadas pra fazer esse enfrentamento. O Estado está agindo e a resposta vai ser dura. É tolerância zero”, disparou o governador, no mesmo dia em que a Polícia Civil deflagrou a “Operação Recovery”, em Sorriso, mirando líderes do CV.
O secretário de Estado de Segurança Pública, o coronel César Roveri, também destacou o volume de operações de combate o crime organizado. Segundo ele, o enfrentamento às facções são prioridade ‘número um’ desde o dia que assumiu o posto.
“Como nós dissemos no 1º dia de janeiro, na posse, nós temos uma responsabilidade, uma determinação do governador de fazer o enfrentamento às organizações criminosas. Isso tem sido feito desde o dia 1º, efetivamente desde o dia 2 de janeiro estamos soltando grandes operações no estado de Mato Grosso, não só as operações pontuais através de mandados de prisão, busca e apreensão e sequestro de bens, como também operações em várias cidades de forma ostensiva, com um trabalho de inteligência muito forte”, declarou.
O titular da Sesp também garantiu que o Estado reforçou a presença em Sorriso com a força-tática, o Ciopaer, com o Grupo de Operações Especiais (GOE) da Polícia Civil e o policiamento militar da cidade.
Na bancada da segurança pública, o ex-comandante da PM e deputado federal, Coronel Assis, também endossou o enfrentamento direto às facções criminosas e a ‘revisão do arcabouço das leis de execução penal’.
“O Estado brasileiro precisa promover o enfrentamento às organizações criminosas no mínimo em dois eixos: no primeiro, promovendo o enfrentamento duro, direto e, no segundo momento, a desarticulação do financeiro dessas organizações, porque com certeza a gente sabe que o maior objetivo de uma facção criminosa é o lucro, é dinheiro”, disse.
“A segunda atitude seria uma revisão do arcabouço processual penal e da própria lei de execução penal do Estado Brasileiro. Entendo que não seja uma tarefa fácil, mas nós estaremos lá levantando essa bandeira”, completou.
Fonte: HNT