Para alguns, uma simples diversão. Para outros, uma tentativa de ganhar dinheiro de maneira rápida e fácil. A verdade é que para a grande maioria das pessoas, as apostas online podem se resumir em uma palavra: prejuízo. Não para as empresas que ficam com 88% de todo o dinheiro apostado, mas sim para os jogadores que, na melhor das hipóteses perdem “apenas” o dinheiro. Quando a prática se torna um vício, bens, recursos e saúde é que estão em jogo. Atento ao tema e preocupado com os possíveis impactos sobre os trabalhadores e a sociedade, o Serviço Social da Indústria (SESI) iniciou uma campanha de conscientização sobre as bets.
“Queremos esclarecer e dar visibilidade aos riscos das apostas online. Temos o objetivo de informar a sociedade sobre os impactos na saúde mental e financeira e também estimular um estilo de vida saudável e equilibrado”, diz o superintendente de Saúde e Segurança na Indústria, do SESI, Emmanuel de Souza Lacerda.
A campanha do SESI tem cinco pilares. O primeiro, na área de educação e conscientização, busca informar sobre os sinais de dependência. O segundo mira o impacto social, chamando a atenção para os riscos coletivos e as consequências para famílias e comunidades.
O terceiro pilar da campanha fala sobre educação financeira. Para o SESI, o conhecimento e a organização das finanças pessoais ajudam a dar a dimensão das consequências negativas das apostas. Segundo um estudo divulgado pelo Instituto Locomotiva em agosto de 2024, 86% dos apostadores acumulam dívidas e 64% estão com o nome sujo no Serasa, serviço de proteção ao crédito. São comuns relatos de tomada de empréstimo para seguir apostando, provocando um efeito dominó de agravamento das dívidas. Os prejuízos chegam a familiares e ao ambiente de trabalho.
A quarta etapa da campanha pretende incentivar formas de lazer saudáveis, como atividades recreativas alternativas que promovam um estilo de vida equilibrado. O quinto e último pilar da campanha diz respeito ao autoconhecimento. A ideia é que o jogador faça uma autoanálise e se pergunte: “Será que estou viciado em jogos?”
O SESI também tem utilizado inserções de posts nas redes sociais para conscientizar a população sobre os riscos dos jogos de apostas online. A ideia é ampliar o alcance de potenciais pessoas que costumam utilizar a internet para fazer essas apostas.
Dependência prejudica o trabalho, relações pessoais e a saúde mental
Os sinais mais claros de que o jogo se transformou em um problema de saúde é quando o indivíduo passa a apresentar problemas no trabalho, nos estudos e nos relacionamentos interpessoais. Negligenciar atividades e responsabilidades para jogar e se mostrar incapaz de reduzir o tempo dedicado às bets são sinais de atenção.
“Jogos de apostas online podem parecer divertidos, mas esse vício pode arruinar vidas. Se, mesmo assim, a pessoa quer jogar, ela precisa definir limites, se informar sobre os riscos e buscar ajuda se as coisas saírem do controle. É muito importante que as pessoas preservem a saúde financeira e mental”, alerta Lacerda.
A ludopatia e seus efeitos
Ainda faltam mais estudos que demonstrem de maneira estatística o impacto das bets na saúde mental dos jogadores compulsivos, mas psiquiatras dão dicas do que pode acontecer. Os especialistas tomam como base os dependentes em jogos tradicionais como bingo, cassino e jogo do bicho.
O desejo incontrolável pelos jogos de apostas tem nome: ludopatia. Definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a impossibilidade de resistir ao impulso de jogar, o transtorno é registrado no Brasil pelos CIDs 10-Z72.6 (mania de jogo de apostas) e 10-F63.0 (jogo patológico).
A ludopatia tem um mecanismo semelhante ao de outros vícios, como a dependência química em álcool e drogas. O ato de jogar ativa sistemas de recompensa do cérebro, que liberam dopamina, um hormônio neurotransmissor responsável pelas sensações de prazer e satisfação, a partir do momento em que se joga ou aposta.
A pressão constante causada pelas perdas e busca pela recuperação do dinheiro trazem impactos sérios à qualidade de vida de boa parte dos apostadores. Pessoas ouvidas na pesquisa do Instituto Locomotiva, relataram que o ato de apostar:
– Aumenta a ansiedade – 51%
– Causa mudanças repentinas de humor – 27%
– Provoca estresse – 26%
– Traz sentimento de culpa – 23%
Confira os sinais de alerta
Apresentar quatro ou mais desses comportamentos em um período de 12 meses indica risco de ter transtorno do jogo:
1. Ter necessidade de jogar valores crescentes de dinheiro para atingir a excitação desejada;
2. Sentir-se inquieto ou irritado ao tentar reduzir as apostas ou parar de jogar;
3. Fazer repetidas tentativas malsucedidas para controlar, reduzir ou parar de jogar;
4. Mentir para esconder a extensão do envolvimento com jogos;
5. Jogar quando se sente angustiado (por exemplo, desamparado, culpado, ansioso, deprimido);
6. Voltar a jogar com frequência para tentar reaver valores, depois de perder dinheiro jogando;
7. Ficar frequentemente preocupado com o jogo (por exemplo, ter pensamentos persistentes de reviver experiências passadas de jogo e maneiras de obter dinheiro para jogar;
8. Prejudicar ou perder um relacionamento significativo, emprego ou oportunidade educacional ou de carreira por causa do jogo;
9. Depender de outros para fornecer dinheiro para aliviar situações financeiras desesperadoras causadas pelo jogo de azar.
Nem todo mundo que joga desenvolve o vício e tem prejuízos com as apostas, mas, segundo levantamentos internacionais, 9% dos apostadores apresentam problemas financeiros ou sociais. E 1.4% dos jogadores desenvolve o transtorno do jogo ou jogo patológico.
O termo transtorno do jogo foi reconhecido como um diagnóstico psiquiátrico em 1979 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O vício em jogos funciona de modo muito semelhante à dependência por álcool e cocaína. Antes, acreditava-se que apenas uma substância poderia levar à dependência.
Bets movimentaram R$ 21 bilhões em apenas um mês
Muito populares na Europa, Ásia e Estados Unidos desde meados dos anos 2000, as empresas de apostas online foram autorizadas a operar no Brasil no fim de 2018. Até então, a única forma oficial de se apostar no país era por meio de jogos organizados pela loteria federal. Atualmente, cerca de duas mil empresas, a maioria estrangeiras, operam no Brasil. Estima-se que apenas nos últimos seis meses cerca de 25 milhões de pessoas tenham entrado no universo do jogo online. Segundo estudos do Banco Central (BC) o brasileiro transferiu entre R$18 e R$21 bilhões por mês, via pix, para empresas de apostas desde o começo de 2024. Para comparação, em agosto, todas as loterias do país movimentaram R$ 1,9 bilhão.
Entre 2021 e 2024, o setor cresceu cerca de 7%. Todos os meses, cerca de 3,5 milhões de brasileiros acessam alguma plataforma pela primeira vez, de acordo com o Instituto Locomotiva. O perfil do apostador online no Brasil é formado em sua maioria por homens jovens e de classes sociais mais baixas. De acordo com o estudo, 40% dos jogadores têm entre 18 e 29 anos e 80% deles pertence às classes C, D e E. O mesmo estudo apontou ainda que cerca de 86% das pessoas que apostam estão endividadas, onde 64% delas têm seus nomes negativados em serviços de proteção ao crédito.
Quando perguntados sobre a principal razão para apostar, “ganhar dinheiro” foi o principal motivo apontado por 53% dos entrevistados – mais que o dobro da segunda colocada, “diversão/entretenimento/lazer” (22%) e bem acima de “emoção e adrenalina” (10%), “passar o tempo” (7%), “curiosidade” (6%) e “aliviar o estresse” (2%).
Fonte: Estadão de MT