O que fazer quando se recebe um pedido de socorro desesperado, entregue por uma criança? Essa foi a pergunta que Edilene Melo precisou responder em uma fração de segundos na terça-feira (27), quando recebeu de um dos alunos a carta que, mais tarde, salvou a mãe dele do cárcere, ao qual era submetida pelo próprio companheiro em Água Clara, cidade a 181 quilômetros de Campo Grande (MS).
Edilene tem 44 anos e há 25 é educadora. O sentimento daquele dia, conta, nunca pensou em viver. Ela é diretora da Escola Avó Neguinha, no distrito de Pouso Alto, e recebe os alunos das 7 horas às 14h15. A maioria das crianças mora na área rural e chega no colégio de ônibus.
É o caso do menino que foi porta-voz da mãe nesta semana. “Ele entrou março na escola, é um bom aluno”, contou a diretora Edilene.
Na terça-feira, o menino desceu do ônibus e em vez de ir para sala, foi direto até Edilene.
“Ele perguntou: diretora posso falar com a senhora? minha mãe pediu para eu te entregar isso aqui, vou para a minha sala”.
O menino voltou para sala de aula sem dizer nada, deixou apenas o bilhete nas mãos da diretora.
Quando leu as palavras escritas pela mãe da criança, Edilene sentiu a dor da violência vivida por aquela mulher.
“Achei que era cartinha de reclamação, temos mães que não tem acesso à internet, quando vi a carta me arrepiei. Foi um pedido que não pude recusar, não podia deixar a criança nessa situação”, lembrou.
A reação foi quase imediata. Entrou primeiro em contato com a Coordenadoria da Mulher de Paraíso das Águas, que movimentou toda a rede de apoio – Conselho Tutelar e Polícia Civil. “Foi uma ação muito rápida”.
Enquanto as equipes não chegavam na escola, Edilene chamou o aluno para conversar. O menino ainda trazia no corpo as marcas das violências que presenciava em casa. “Ele estava com o olho roxo e um corte do lado do rosto. Disse que não sabia como tinha ocorrido as agressões porque fechou o olho quando apanhava, por medo”.
O que tinha realmente acontecido, a própria mãe descreveu na carta. “Ontem meu companheiro me agrediu novamente, meu filho entrou na frente pedindo para ele não me bater e ele bateu nele também”. O menino é o mais velho de três filhos da vítima, fruto de um relacionamento antigo. Para a diretora, ele contou que o padrasto não batia nas duas filhas biológicas, só nele e na mãe.
“Falei para ele: a sua mãe pediu ajuda para tia e a tia vai ajudar vocês. Quando ele estava indo com a polícia e o conselho resgatar a mãe, ele voltou, me abraçou apertado por um tempo e me beijou. Entendi que era o agradecimento mais verdadeiro possível por ele saber que a mãe seria socorrida”.
Para a diretora, a sensação é de que os anos de experiência não a preparam para lidar com a violência escancarada naquele dia, como educadora e principalmente como mulher. “Vemos nossos alunos dentro da escola e não sabemos o que está se passando. É preciso ficar atenta”.
A polícia foi acionada, o agressor foi preso e teve a prisão preventiva decretada pela Justiça.
Fonte: Primeira Página