Desaparecimento de Fawcett: Um dos maiores mistérios da história de MT completa 100 anos

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Fantasia, mito, misticismo, promessa de uma cidade encantada… São inúmeros os elementos que compõem um dos maiores mistérios de Mato Grosso: o desaparecimento do coronel britânico Percy Harrison Fawcett nas matas fechadas do Araguaia, em busca da Cidade Z, que ele acreditava ficar no Xingu. A reportagem é de Midianews. Confira:

O último sinal de vida de Fawcett foi uma carta enviada à família em 29 de maio de 1925. A data marca seu desaparecimento e, talvez, seu último dia de vida na Terra. Depois disso, o resto são conjecturas, hipóteses prováveis, e até improváveis, do que teria acontecido com ele e seus homens.

Como o corpo nunca foi encontrado e até hoje não há evidência do seu paradeiro, muitas teorias ganharam vida. Entre as mais populares, está a de que Fawcett foi morto por indígenas da etnia Kalapalo. Outra, mais esperançosa, diz que ele encontrou a Cidade Z. E a mais plausível é a de que tenha morrido de inanição em ponto onde seu corpo jamais seria localizado.

Na década de 1950, os irmãos Villas-Bôas, que atuavam no ativismo indígena, ouviram histórias de um líder que dizia que Fawcett teria sido morto por membros da tribo. Uma suposta ossada do coronel chegou a ser levada aos Estados Unidos, onde a arcada dentária foi analisada, e descartada como sendo dele.

Outra história que virou lenda fala de um “índio branco” chamado Dulipé. De pele clara e olhos azuis, acreditava-se que ele seria neto de Fawcett. Depois, descobriu-se que se tratava de uma pessoa albina.

Uns acreditam que o coronel encontrou a tal Cidade Z. Outros, que ele está lá até hoje, e que nessa cidade teve acesso a um portal para um mundo secreto de seres intraterrenos e até à fonte da juventude.

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Fawcett mapeando a fronteira entro o Brasil e a Bolívia em 1908

Fawcett mapeando a fronteira entre o Brasil e a Bolívia em 1908

Mas uma das teorias mais aceitas, e na qual o historiador Suelme Fernandes, de 52 anos, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, acredita é que Fawcett morreu de fome. “É uma hipótese absolutamente viável”, disse.

Depois do desaparecimento de Fawcett, houve mais de 20 expedições de todo o Mundo tentando encontrá-lo, muitas das quais terminaram em tragédia. “Cuiabá vivia cheia de gente atrás de pistas para tentar encontrá-lo. Ele se tornou um mito contemporâneo e faz parte do imaginário de Mato Grosso”, afirmou.

O começo de um mito

O historiador conta que o personagem surge em meio a um imaginário ainda místico que os europeus tinham do “Novo Mundo”, com cidades perdidas, ouro em abundância e tesouros encantados. Nessa época, quando, em 1911, o arqueólogo norte-americano Hiram Bingham redescobriu Machu Picchu, esse imaginário ganhou ainda mais força.

Além de militar veterano de guerras, Fawcett era geógrafo, cartógrafo, arqueólogo e explorador, membro da Sociedade Geográfica Real da Inglaterra. Ele foi enviado em missão para as Américas para participar da discussão sobre a demarcação de limites entre Bolívia, Peru e Brasil.

“Foi aí que ele se conectou com esse universo chamado América Latina e suas tradições lendárias, indígenas e populações tradicionais”, explicou o historiador.

Em suas missões pela América Latina, especialmente no Peru, Fawcett colecionou histórias fantásticas de cidades perdidas e as contava na Sociedade Geográfica Real. Essas histórias fizeram sucesso e ele conseguiu financiar algumas de suas aventuras.

Em uma de suas expedições no Peru, em contato com descendentes de incas, Fawcett soube da possível existência de uma cidade perdida na Amazônia mato-grossense, que depois ele denominou de Cidade Z. Aliado a isso, em suas pesquisas na Europa, ele teve acesso ao chamado Documento 512, que, para ele, era uma evidência da existência dessa cidade.

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Documento 512, um manuscrito que falava sobre Meribeca

Documento 512, um manuscrito que falava sobre Meribeca

Tratava-se de um manuscrito de dez páginas, datado do século XVIII, que narra a descoberta de uma cidade perdida chamada “Meribeca”, no interior da Bahia, por um grupo de bandeirantes portugueses. O documento descreve um local rico em minerais, com uma civilização antiga e misteriosa.

Somado aos “indícios” já reunidos por Fawcett, ele ganhou do escritor britânico Rider Haggard, que teria estado no Brasil, um totem de basalto de 10 centímetros, com um “código secreto” que, para ele, era a pista que levaria à Atlântida mato-grossense.

Ele ouviu ainda histórias de bandeirantes que passaram por Mato Grosso e encontraram serras que jorravam ouro.

“Se você olhar o brasão de Mato Grosso, tem uma serra de ouro. É essa serra que Manuel Bicudo de Campos falava e que Antônio Raposo Tavares estava atrás”, explicou o historiador.

“Fawcett teve acesso a essa série de lendas, histórias mágicas e maravilhosas, e achou que esse lugar existia e que ele iria conseguir encontrá-lo. Ele é produto do esoterismo, do imaginário, mas também das informações históricas de antigos desbravadores que teriam passado por aqui”.

A caminho da morte

Em 1920, Fawcett começou a angariar fundos para sua primeira expedição em Mato Grosso e chegou a pedir dinheiro ao governo brasileiro. À época, o então presidente Epitácio Pessoa organizou um encontro entre ele e quem mais conhecia a selva no país: Cândido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon.

O encontro não rendeu fruto. Rondon não via necessidade da ajuda de ingleses para descobrir uma suposta cidade perdida, e Fawcett, por sua vez, afirmou que não precisava de acompanhantes na sua expedição.

Segundo o historiador, Rondon teria alertado que seria impossível para Fawcett entrar na selva sem apoio do Exército brasileiro. Mesmo assim, ele partiu.

Com três burros de carga e poucos ajudantes, o trajeto da expedição passou por Rosário Oeste, Chapada dos Guimarães e Paranatinga. Ele chegou ao posto Simões Lopes e, próximo ao rio Xingu, perdeu um cavalo e desistiu.

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A estatueta de basalto, que mede 10 centímetros

A estatueta de basalto com “código secreto”, que mede 10 centímetros

Entre 1920 e 1924, Fawcett foi à Bahia atrás da lendária cidade de Meribeca, mas fracassou e retornou à Inglaterra para buscar novos financiadores.

Com o discurso de encontrar uma sociedade antiga desenvolvida, superior a outras culturas, fazendo sucesso nos Estados Unidos, o explorador retorna ao Brasil e, mais uma vez, recusa ajuda de Rondon.

Ele decide se embrenhar na mata apenas em companhia do filho Jack Fawcett, de 21 anos, e de um amigo, Raleigh Rimmell. A expedição saiu de Cuiabá no dia 20 de abril de 1925.

O historiador afirma que Fawcett não queria levar muita bagagem, carregando em abundância apenas munição, o que corrobora com a hipótese de que ele tenha morrido de inanição, perdido em meio à mata e sem recursos.

Vivo no imaginário

Fawcett segue vivo no imaginário coletivo e, segundo Suelme, isso se deve à própria natureza humana.

“A humanidade no mundo é sustentada por símbolos, sonhos e devaneios. Cidades perdidas, tesouros perdidos, isso vem da nossa infância. A própria ideia bíblica de que Moisés estava em busca da terra que jorra ouro e mel. Desde que o Mundo é Mundo, existem sonhos de riquezas fáceis, isso é da própria natureza humana. É para, talvez, suportar a realidade”, disse.

Entre as últimas teorias a viralizar nas redes sociais, está a de Ratanabá. Uma suposta civilização secreta na Amazônia, formada por seres extraterrestres ou por uma civilização antiga e avançada.

“É muito legal ver como o mito está se repetindo. A história de Fawcett é atual. As pessoas continuam reinventando ele”.

Evidências arqueológicas da existência de uma cidade perdida não existem. “É um delírio total e absoluto. É um sonho de mundo. É o sonho que move a própria história do nosso Estado. Está no nosso brasão. A Cidade Z é uma narrativa, mas a serra que jorrava ouro existia. Essa serra era a Serra Pelada”, afirmou o historiador.

O que veio depois

O desaparecimento de Fawcett impulsionou o Brasil a ampliar o mapeamento do território. Em 1952, Marechal Rondon lançou a primeira carta geográfica de Mato Grosso.

Cem anos depois, Fawcett segue vivo, não em carne, mas em fábula. Seus passos alimentam o imaginário coletivo e mostram os anseios de um mundo que ainda sonha com riquezas sem fim e o extraordinário. A Cidade Z pode não existir, mas ficou o mito, e talvez ele fale mais do que qualquer ruína enterrada na mata. (Fonte: Midianews)