O estado mental da bombeira civil Nataly Hellen Martins Pereira, que confessou ter matado a adolescente Emelly Sena para roubar seu bebê, em Cuiabá, é amplamente discutido pela crueldade do crime, ocorrido no dia 12 deste mês. Nataly encontra-se atualmente em prisão preventiva. Para a criminóloga Vládia Soares, a premeditação e a frieza empregadas no homicídio – e descritos com detalhes pela suspeita em depoimento à Polícia Civil – denotam traços de psicopatia em Nataly.
A psicopatia é comumente confundida como uma doença mental. Entretanto, trata-se de um transtorno de personalidade antissocial. Indivíduos com esse tipo de condição não possuem empatia, arrependimentos ou ímpetos para a realização de atos ilícitos. No caso de Nataly, que ainda não possui laudo, a especialista em criminologia e direito penal avalia que dificilmente a suspeita tenha alguma doença mental, já que não apresentou características de surto durante a execução.
“Ainda não existe laudo psiquiátrico afirmando que ela estava em surto. Então, por não existir e por ter essa linha de pensamento, como ela explicita no depoimento, de forma coerente, sabendo o que estava fazendo, é possível perceber a premeditação como um traço psicopático”, esclareceu.
Nataly confessou ter atraído Emelly, de 16 anos e grávida de nove meses, para a casa do irmão dela para uma doação de roupas de criança. No local, a suspeita teria enforcado a adolescente e cortado sua barriga, com a vítima ainda viva, para retirar a criança.
Arquivo
A adolescente Emelly Sena, que foi assassinada a sangue frio e teve a bebê arrancada do ventre enquanto ainda estava viva
Após a retirada da criança, Nataly enterrou Emelly em uma cova, escavada no dia anterior, e então foi até o Hospital Santa Helena para tentar registrar a criança como sua. Já que não tinha sinais de puerpério, a equipe médica suspeitou da maternidade da criança e acionou a polícia, culminando na prisão da suspeita.
Durante a audiência de custódia, a defesa de Nataly solicitou a realização de um exame de sanidade mental, que foi negado pela 14ª Vara Criminal de Cuiabá. O magistrado, à época, disse que isso deveria ter sido feito pelo juiz competente.
Ao analisar a conjuntura dos acontecimentos, os fatos se distanciam ainda mais de uma pessoa doente. Vládia pontua que, mesmo que a suspeita chore, as falas do depoimento são feitas com calma e mostram que ela estava consciente do que aconteceu.
“É difícil que ela tenha alguma doença mental, a não ser que ela estivesse em surto. No entanto, uma pessoa em surto, entra em surto e permanece nesse estado, perdendo a capacidade de entendimento. Ela chora em alguns momentos, mas ela confessa tudo calmamente. Onde ela buscou fio, onde ela buscou corda. Então isso é uma premeditação e é uma premeditação muito calma, que é um sinal, realmente, de transtorno de personalidade, não de doença mental”, detalhou.
Até o momento, o que falta para maior esclarecimento da condição mental de Nataly é a finalidade do crime, o que a teria motivado – ainda que ela tenha dito que se tratava de ficar com a criança de Emelly. “Que finalidade ela tinha? Segurar o marido, ser mãe novamente? Uma pessoa dentro dos parâmetros de comportamento comum, que gostaria de ser mãe, tentaria uma adoção legal”, questionou Vládia.
Sem possibilidade de internação
A criminóloga explica que, caso a Justiça condene Nataly pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e de dar parto alheio como próprio (o roubo da criança), é mais provável que ela cumpra pena em um presídio comum e não seja internada. Isso se dá porque a psicopatia não é considerada doença e, portanto, não existe um tratamento restrito, como a esquizofrenia, por exemplo.
O grau de psicopatia de criminosos é levado em conta, pela Justiça, apenas no cálculo da pena. Isso faz com que psicopatas possam conseguir progressão de regime e regressão de pena como outros presidiários comuns.
Pela análise de Vládia, que é professora convidada de um grupo de monitoramento e fiscalização do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) na execução penal, Nataly apenas ficaria presa por um bom tempo se fosse atestada como doente mental, já que não há determinação de tempo em casos assim.
“O que as pessoas não querem é que ela volte ao convívio da sociedade pela monstruosidade do crime. Como não temos prisão perpétua, só seria possível através de uma medida de segurança. Nela, um psiquiatra tentaria segurá-la em uma internação sempre que visse que esse grau de periculosidade continua. O tempo de uma medida de segurança é indeterminado, pois varia das avaliações dos psiquiatras, mas seria realmente para doenças mentais”, explicou.
No momento, Nataly ainda aguarda o indiciamento da Polícia Civil para, posteriormente, ser denunciada pelo Ministério Público e, em seguida, levada a julgamento.
O crime
Emelly Azevedo Sena havia desaparecido na terça-feira (11), por volta das 12h, após sair de casa, no bairro Eldorado, em Várzea Grande e avisar a família que estava indo para Cuiabá buscar doações de roupas de bebê. O celular parou de funcionar e a família saiu em procura dela, realizando um boletim de ocorrência às 22h.
Na quarta-feira à noite, Nataly e o marido deram entrada no hospital com uma bebê, alegando que o parto teria sido realizado na residência. A equipe médica desconfiou do caso, pois a mulher não tinha indícios de puerpério. Exames apontaram que a mulher não esteve grávida recentemente e que a criança seria de outra mãe.
Na quinta (13) pela manhã, o corpo de Emelly foi encontrado em uma cova rasa, com pernas e braços amarrados, asfixiada com um fio no pescoço e um corte de faca na barriga.
Na investigação, a Polícia Civil descobriu que a bebê que estava com Nataly era a filha da adolescente. Quatro suspeitos foram conduzidos, entre eles o marido de Nataly, mas os três foram liberados, tendo permanecido presa apenas a mulher.
A investigação aponta que Emelly ainda estava viva quando teve o bebê arrancado do ventre. Os cortes foram precisos e certeiro no útero, não tendo atingido outros órgãos. Nataly confessou em depoimento que, antes de matar Emelly, pediu desculpas e disse que cuidaria da bebê. (RD News)