Catadora que perdeu o filho atropelado em lixão em MT luta contra a depressão

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Há mais de dez anos Lucimara Abadia de Souza trabalha como catadora no lixão, em Cuiabá. Ela chega cedo no local, coloca o boné, a máscara e a luva e está pronta para começar. Quando o caminhão de lixo chega, Lucimara se apressa para catar a maior quantidade possível de resíduos, para garantir a sobrevivência dos filhos.

“O número de catadores aumentou muito nos últimos anos. Veio muita gente, e tenho que ser esperta, se não, não consigo nada”, conta. Mas Lucimara não acorda com a mesma disposição sempre. Por muitos anos, convive com a depressão e vem lutando, há quase duas décadas, para viver bem apesar da doença.

A catadora conta que a depressão chegou junto com as perdas familiares que ela sofreu. Em 2000, perdeu a mãe, vítima de um infarto fulminante. “Ela foi se consultar e voltou dentro de um caixão”, conta.

Após quatro meses, Lucimara perdeu um sobrinho de 22 anos, que foi assassinado. O pai da catadora morreu pouco tempo depois, com cirrose, no Pronto Socorro de Cuiabá.

“Eu perdi o sentido da vida. Me dava aquelas crises (de pânico), tinha falta de ar e eu não sabia o que era. Foi quando cheguei até esse tratamento. Se eu não tivesse chegado, tinha morrido”, relata.

Catadora de recicláveis diz que é preciso buscar tratamento

Lucimara começou o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na unidade Básica de Saúde do Bairro CPA, onde ela mora. No início, conta que foi difícil aceitar o tratamento com medicamentos.

“Eram remédios fortíssimos. Para mim era remédio para doido, sabe? Quando aceitei fazer o tratamento, já estava há um ano nesse sofrimento. Eu só vivia deitada, não queria fazer nada, minha vida era chorar. Não tinha ânimo para nada”, narra.

Depois do tratamento, a vida da catadora mudou. Atualmente, ela faz acompanhamento de três em três meses e fala que o pensamento sobre a doença também se tornou outro.

“Para mim é uma doença normal é igual a diabetes. Quem tem diabetes tem que tomar remédio todos os dias. Uma vez, quando você come um docinho, já amanhece meio ruim. É assim que você se sente quando fica nervoso. O remédio está ali para ajudar. Ele ajuda a gente a viver”, diz.

A catadora conta que ter muitas ocupações a ajuda a distrair a mente e que depois do tratamento, ela está se sentindo melhor.

“Estava insuportável, com problemas dentro de casa, com problemas no serviço, problemas em tudo. Eu pensei o que eu estava fazendo da minha vida, mas voltei atrás”, relata.

Mas os dias de melhora foram interrompidos quando o filho de Lucimara, de apenas 23 anos, morreu atropelado por um trator no lixão.

“O médico já estava diminuindo as dosagens dos remédios. Mas depois da morte do meu filho tudo voltou com força. Precisei de uma dosagem mais forte. Vai fazer 10 anos e eu ainda estou com as dosagens altas. Não superei a morte do meu filho”, diz.

A mãe conta que apesar do sofrimento por causa do filho, ela se sente muito mais forte do que estava no início, há anos atrás.

“Forte é aquele que busca tratamento, né? Você não sabe o que aquela pessoa passou para chegar naquele estágio. A gente nunca deve julgar”, diz.

Além das dificuldades familiares, Lucimara passa dificuldades financeiras desde que precisou ir trabalhar como catadora. Ela conta que em um mês, costuma tirar menos de um salário mínimo, que precisa ser dividido para duas famílias: a dela e a da filha.

“É um trabalho muito sofrido. É o mau-cheiro, o sol forte. Com a pandemia, sentimos medo de ser contaminados. Eu já peguei (Covid-19) e meus filhos também. Apesar disso, me sinto bem aqui”, relata.

A catadora conta que muitas pessoas perderam os empregos e o único recurso foi ir para o lixão. Por causa disso, o número de catadores triplicou no local.

“A gente não pode falar não, né? Como aqui me acolheu, acho direito a gente acolher esses que perderam os serviços”, afirma.

A catadora conta que o trabalho no lixão, apesar de árduo, a ajudou muito a tratar a depressão, já que é de onde ela tira o atual sustento.

“ (A depressão) é uma doença lenta. Temos que correr atrás, se esforçar. O tratamento é difícil, mas pode ser mais fácil. E eu trabalho no lixo, oh. Eu estou convidando esses que têm medo a ir atrás. Eu sei que é difícil para quem está começando. É difícil aceitar, já passei por isso. Mas depois eu vi que Deus estava dando uma nova chance para mim”, relata.

Lidar com o luto

Lidar com o luto pode ser complicado e algumas pessoas não conseguem superar a perda e podem desencadear doenças mentais.

“As pessoas se resolve o luto ao longo do tempo, mas em algumas questões podem ter o luto complicado que não se resolve sozinho e esse luto pode eventualmente levar ao quadro de depressão sim e é mais um fator de peso para a saúde mental dos brasileiros”, disse o médico psiquiatra Jairo Bouer.

Sentido à vida

O médico psiquiatra Daniel Martins de Barros explica que é muito importante conversar para organizar as ideias e ajudar a dar sentido no que estamos sentindo.

“É importante que a gente tenha algumas pessoas para os quais a gente possa falar profundamente sobre aquilo que estamos sentindo, para se abrir, ouvir o que a pessoa está sentindo e isso leva a conexões reais e profundas”, disse.

São esses vínculos pessoais que vão nos dar sustentação e ajudar a atravessar os momentos difíceis.

“A fala é muito importante porque quando falamos, a gente organiza nossos pensamentos e põe as ideias no lugar. Alguém que nos escuta pode dar um conselho ou ser um ouvinte que vai ajudar a gente mesmo a dar sentido para o que estamos sentindo”, declarou.

Fonte: G1 MT