“Eu imaginei que poderia ser um quadro psiquiátrico”, explicou a pediatra Erika Baldo, que recebeu o pedido para atender um “bebê reborn” na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Ipase, em Várzea Grande, no último domingo (26).
Em entrevista ao MT1, a médica contou que ficou surpresa ao perceber que a “criança” que a mulher levava no colo era, na verdade, um boneco.
“Eu cheguei na porta do consultório e realmente tinha uma moça segurando um boneco no colo. Eu olhei e falei: ‘O que está acontecendo?’ Ela respondeu: ‘Ah, ele tá meio gripadinho, acabou de fazer cocô, mas eu já troquei ele’. Aí eu olhei, estranhei, e perguntei: ‘Mas o que aconteceu?’ Ela disse: ‘Ah, ele tá meio ruim, tá meio gripado, eu trouxe ele para fazer atendimento, queria que a senhora desse uma olhada’”, contou a médica.
Erika explicou que, ao notar a situação, tentou agir com sensibilidade, mas explicou que não podia atender ao boneco sem CPF ou cartão do SUS.
“Imaginei que pudesse ser um quadro psiquiátrico, então tentei falar com cuidado. Ela acabou ficando um pouco irritada e foi embora. A equipe médica e de enfermagem ficou bem chocada com a situação, porque ninguém sabia o que fazer”, completou a pediatra.
Para o psicólogo Wallace Rodolfo, o episódio reflete um fenômeno social que vai além do comportamento individual, revelando uma profunda carência afetiva, como sinal de adoecimento coletivo.
“Quando um adulto se serve de uma boneca para criar uma relação afetiva a ponto de tornar isso real, parece estar ocorrendo um movimento de infantilização, acompanhado de uma regressão emocional”, contou.
Segundo ele, a substituição de vínculos reais por objetos inanimados é um sintoma de um contexto social marcado por solidão e desconexão emocional.
CRM orienta
O secretário-geral do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), Luciano Florisbelo, classificou o episódio como “inusitado” e destacou que não há protocolo médico para situações desse tipo.
“O médico é habilitado a tratar de vida, de seres humanos. Ele não tem treinamento para atender um bebê reborn. Nesse caso, a doutora foi muito criteriosa ao orientar a mulher a procurar ajuda psicológica ou psiquiátrica”, afirmou.
O médico também alertou para o impacto desse tipo de ocorrência no funcionamento das unidades de saúde, que mesmo lotadas, os especialistas precisam parar o que estão fazendo para lidar com essas situações.
“Casos assim acabam causando tumulto na própria unidade. A médica precisa interromper o atendimento de outras crianças, abrir ficha, resolver a situação, o que atrasa o atendimento de quem realmente precisa de cuidados”, disse o representante do CRM.
O caso
A situação ganhou repercussão após uma mulher levar a boneca do tipo bebê reborn para atendimento médico. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a mulher acompanhava a mãe, que estava em consulta, e carregava o boneco no colo, com bolsa e manta.
Durante o atendimento, ela pediu que a médica pediatra examinasse o “bebê”, afirmando que ele estava com coriza.
Ao perceber que se tratava de uma boneca, explicou que não poderia realizar o atendimento, já que o “bebê” não possuía registro civil nem cartão do SUS. A mulher ficou insatisfeita com a resposta e deixou o local brava, segundo a Secretaria de Saúde do município.
Em nota, a Coordenação da UPA Ipase informou que os atendimentos devem ser destinados a pacientes que realmente necessitam de cuidados médicos, “evitando prejuízo à assistência prestada à população”. (Primeira Página)
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