Autismo na pandemia

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Por Jaqueline França

A pandemia da COVID-19 tirou nossas certezas, nossas rotinas, desafiou nossas verdades e nos forçou a adaptar e criar novos hábitos. Usar máscara, não manter contato físico, fim dos passeios em praças, parques, lazer e trabalho. O isolamento social foi um disparador de uma série de sintomas em pessoas típicas (lê-se: típicas pessoas com o processamento neurológico conhecido e padrão). Mas, são das pessoas atípicas que quero falar. Se, em pessoas típicas a pandemia trouxe episódios de depressão, ansiedade, compulsão, medo e inseguranças e ausência de certezas, pessoas com autismo passaram a lidar com desafios maiores, atrelados em sua condição neurológica que já é por si só desafiadora.

Observamos o aumento de comportamentos repetitivos e de isolamento como forma de regulação diante da imprevisibilidade e falta de controle da situação atual. Aumento de comportamento de heteroagressão e autoagressão como uma resposta a ausência, quebra de rotina e continuidade dos tratamentos. Rompantes de sentimentos de raiva e fuga, caraterizados por muita energia e agitação psicomotora. Por outro lado, congelamento e colapso devido a um estado de apatia e afastamento diante das circunstâncias.

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), mais conhecido como Autismo é uma condição neurobiológica que acomete aproximadamente dois milhões de pessoas no Brasil. As principais características do TEA estão na dificuldade em reciprocidade social, iniciar e manter interações sociais; comportamentos repetitivos, verbais, motores, interesses intensos e isolamento social. Além de dificuldades em comunicação verbal (linguagem), não verbal (expressão facial, gestos e contato visual) e disfunção no processamento sensorial. O tratamento dentro do Espectro demanda profissionais especializados como psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, além de equoterapia, musicalização, fisioterapia, entre outros.

Dra. Jaqueline França

Diante do isolamento social que se fez necessário em 2020, a não continuidade de tratamentos realizados em clínicas, estimulação nas escolas, mudança na dinâmica familiar promoveu uma série de disparadores comportamentais, exigindo mudanças na rotina, quebra e criação de novos hábitos. Isso fez piorar o quadro de alguns sintomas, causou desestruturação familiar decorrente da carga de estresse que o manejo de determinados comportamentos pode causar.

Pelo Brasil, algumas leis foram criadas pensando nas pessoas com autismo, a exemplo de Sergipe com a aprovação da lei ordinária nº 183/2020, quanto a não obrigatoriedade do uso das máscaras em pessoas com TEA. No entanto, mesmo com a volta aos poucos das nossas rotinas, ainda não temos respostas para tudo e ainda não podemos projetar o grau de impacto da pandemia nas pessoas com autismo e seus familiares. Sabemos que os dias atuais exige adaptação e adaptação exige, acima de tudo, flexibilidade da sociedade em ter um olhar individualizado para as minorias e para os que vivenciam o mundo de forma diferente que a nossa.

Jaqueline França é psicóloga, Consultora Sênior Trainer da “Inspirados pelo Autismo” e diretora da Clínica Nosso Espaço.