Não há ninguém em Rondonópolis que não tenha alguma história de acidente de trânsito para contar. Em 2021, antes da implementação do programa CNH Social, aprovado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), 68 pessoas morreram nos chamados sinistros de trânsito no município.
“Eu fui acidentada próximo ao trabalho, um rapaz bateu em mim, o Samu me acudiu rápido, mas foi antes da CNH Social”, diz a auxiliar de limpeza Jaqueline Machado Fagundes, de 37 anos, uma das mais de mil pessoas beneficiadas pelo programa em Rondonópolis. Em todo Mato Grosso, foram 13.704 beneficiários.
Em 2021, antes da criação do programa, Rondonópolis registrou 1.516 acidentes de trânsito. Em 2024, após a criação, foram 1.177 acidentes. A redução foi de 22% no número de acidentes na cidade. Este ano já são 718 acidentes registrados, o que aponta para uma nova redução.
Em Mato Grosso, o número de acidentes caiu de 10.569 em 2021 para 7.101 em 2024. Os números mostram uma redução ainda maior no estado inteiro, que chegou a 33% de queda nos registros.

Jaqueline conta que soube da CNH pelas redes sociais e decidiu se inscrever no programa, ainda em 2023. “Eu sempre quis ter CNH, mas não tinha condição, é muito cara, e a gente acaba tendo que priorizar outras coisas”, afirmou em entrevista ao PNB Online. Atualmente, adquirir uma carteira de habilitação em Rondonópolis custa cerca de R$ 3 mil.
“A importância do programa é que agora eu posso andar com tranquilidade nas ruas da cidade e ter mais oportunidade de trabalho porque amanhã ou depois eu posso conseguir uma coisa melhor. Tipo trabalhar numa empresa que me beneficia em ser uma condutora de uma moto ou condutora de um carro”, disse a agente de limpeza.
CNH social trouxe dignidade, diz presidente de associação
O programa também teve efeito positivo na vida dos empresários de Mato Grosso. Segundo a vice-presidente da Associação das Auto Escola de Rondonópolis, Lia Terezinha Lange, 66 anos, cerca de 40% dos alunos de sua autoescola, a maior de Rondonópolis, foram oriundos do programa CNH Social.
A Autoescola Educar, que pertencia a Lia, realizou durante o programa 167 exames teóricos, 60 alunos na categoria A (motocicletas) e 143 alunos na categoria B (carros). Apenas 10% dos alunos não concluíram as aulas, por diversas razões, como questões de saúde e obrigações de trabalho.
“Para o aluno, a CNH não é só um documento, é um curso de formação de condutores. O indivíduo recebe aulas de direção defensiva, regras de circulação e cidadania. Ele se torna um motorista mais seguro. Este documento abre portas para ele arrumar um emprego. Ter uma habilitação é dignidade. É poder conduzir seu veículo sem ser perseguido, sem passar pela polícia, e conduzir de forma correta”, afirmou a vice-presidente.

Lia também vivenciou um episódio de acidente de trânsito. Ela conta que, na última semana, um motorista colidiu com o carro de sua autoescola, que estava parado no semáforo. De acordo com a empresa, a falta de fiscalização nas ruas é a principal questão para Rondonópolis, mas a falta de qualificação dos condutores também é causa do problema.
“O fato de não ter gente na rua fiscalizando é realmente coisa séria. Mas não é só isso. O cidadão tem que estar preparado para dirigir. Eu tenho certeza que se esse cidadão tivesse adquirido as aulas, ele não teria tido aquela conduta. Meu carro acabou, um carro de trabalho. Isso aconteceu no domingo passado”, relatou a empresária. “Por isso, mais pessoas têm que ter acesso à habilitação, é um programa excelente”, concluiu Lia.
Ideia teve amplo apoio na ALMT
Apresentado em março de 2023, o projeto da CNH Social foi aprovado em setembro do mesmo ano, com amplo apoio dos deputados estaduais. O texto recebeu apoio de deputados como Beto Dois A Um (União), Wilson Santos (PSD), Eduardo Botelho (União) e Max Russi (PSB).
O autor do projeto de lei virou prefeito de Rondonópolis, tamanho o impacto do projeto na vida dos moradores. Cláudio Ferreira (PL), que era deputado estadual em primeiro mandato, conta que a ideia surgiu de sua trajetória pessoal, quando ainda era um jovem jardineiro com dificuldades de obter a habilitação.
“Mais de 70% dos beneficiários são mulheres. Muitas vezes sou parado nas ruas e as pessoas vêm me abraçar, umas chorando, outras alegres, agradecendo a oportunidade. A CNH Social significa dignidade para as pessoas, é o maior projeto que a Assembleia fez nos últimos 5 anos. O projeto de maior impacto social e econômico”, afirmou Cláudio em entrevista no gabinete do prefeito em Rondonópolis.

Ao todo, o projeto custou R$ 12 milhões aos cofres públicos. Parte do dinheiro, do total de R$ 6 milhões, partiu de emenda de Cláudio Ferreira. A outra metade veio de emenda do Governo do Estado e do deputado federal Fábio Garcia (União). O custo-benefício é visto pelos autores do projeto como gigantesco.
“O valor é muito baixo, muito baixo frente aos benefícios. Você evita acidentes, diminui as despesas com saúde pública. Os acidentes de motocicleta são terríveis e causam um custo econômico, pessoal e afetivo muito grande. É barato demais pelo que entrega. É bom demais”, enfatizou Cláudio.
Clamor popular pede continuidade do programa
De acordo com Lia Lange, as autoescolas estão aguardando a prorrogação dos contratos para a continuidade do programa. Para ela, a interrupção do programa teve um efeito negativo imediato nas empresas e na vida de futuros condutores, que não tiveram a oportunidade de retomar o projeto.
“No contrato, estava previsto que ele seria prorrogado, com uma correção. E, de repente, ele parou. Porém, o Detran já está fazendo novas pesquisas, nós já passamos novos preços para eles, e nós temos a promessa de continuarmos com o programa. Interromper o programa é uma coisa muito ruim”, afirmou Lia.
O idealizador do projeto defende que deputados estaduais e o Governo do Estado possuem uma oportunidade valiosa de continuar com o programa.
“O programa é uma lei. Tanto o Governo quanto a Assembleia podem discutir isso. É barato demais pelo que entrega. Eu tenho o maior orgulho disso”, afirmou Cláudio.
Questionada pela reportagem do PNB Online, a assessoria de imprensa do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso (Detran-MT) afirmou que o órgão deve firmar uma parceria com a Secretaria de Assistência Social (Setasc-MT) para lançar um novo edital do programa para chamamento em 2026.
O texto projeto de lei também deve passar por melhorias. O atual presidente da ALMT, Max Russi (PSB), apresentou projeto de lei para incluir entre os beneficiados pessoas com deficiência.
“A gratuidade da CNH para PCD, principalmente em situação de baixa renda, não configura como privilégio, mas sim como uma compensação justa e proporcional diante das dificuldades adicionais enfrentadas por essa população, sendo essencial para o exercício de direitos civis e para o fortalecimento de políticas públicas de inclusão”, diz o autor do projeto, que ainda tramita na Assembleia Legislativa. (PNB Online)








