Anvisa proíbe importação de vacina russa e MT perde 1,2 milhão de doses

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Após cinco horas de debates e apresentação de relatórios, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou nesta segunda-feira (26) o pedido de autorização excepcional para a importação da vacina Sputnik V, imunizante contra a Covid-19 produzido na Rússia. A decisão prejudica Mato Grosso e outros estados brasileiros que não poderão aplicar o imunizante.

O Estado tinha um contrato assinado para compra de R$ 1,2 milhão de doses. Seriam gastos cerca de R$ 67,3 milhões.

O relator do processo, Alex Machado Campos, classificou a situação atual da vacina como um “mar de incertezas” e disse que ela aponta um cenário de riscos “impressionante”. “Os dias de sim à vacina e aos medicamentos são comemorados. Nós comemoramos sempre. Ocorrerão, conduto, inevitavelmente, dias de não. E ele necessariamente traduzirá o que a razão de existir da Anvisa pode traduzir, que é proteger a saúde da população” – Alex Machado Campos

Em seu voto, a diretora Meiruze Freitas ressaltou a falta de informações disponíveis. “Não são informações burocráticas. O que a agência vem exigindo é o mínimo para a garantia da segurança população”, disse Meiruze Freitas.

A diretora Cristiane Joudan Gomes defendeu que a segurança é fator primordial. “A presença de adenovírus (replicante) pode levar serie de consequência, até um surgimento de manifestação e doenças autoimunes”, disse Cristiane.

Julgamento sem relatório

A decisão contra a importação foi tomada em uma reunião extraordinária que ocorreu para atender uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação protocolada pelo governo do Maranhão. Governadores buscam importar a Sputnik com base na lei 14.124/2021, que trata das medidas excepcionais para aquisição de vacinas e de insumos.

Entretanto, a Anvisa lembra que a legislação prevê como uma das exigências a entrega do “relatório técnico da avaliação da vacina”. O documento deve ser emitido por uma autoridade sanitária internacional capaz de comprovar que a vacina atende a padrões de qualidade.

Os técnicos não receberam o relatório. Por isso, o relator Alex Machado Campos disse que basearia seu voto nas contribuições de gerências técnicas da Anvisa.

O primeiro posicionamento foi da Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, que recomendou que fosse negada a importação. O posicionamento foi seguido pela Gerente-geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária e pela Gerência Geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária.

Entre os pontos negativos levantados pela gerência está uma falha na produção do vetor usado na vacina. A Sputnik V utiliza a tecnologia de vetor viral. Nesse tipo de vacina, um outro vírus (nesse caso, o adenovírus) “leva” o material genético do coronavírus, o RNA, para dentro do nosso corpo. Mas esse adenovírus é modificado para não conseguir se replicar (reproduzir). Por isso, ele não deve causar nenhum tipo de doença.

Entretanto, segundo Gustavo Mendes Lima Santos, responsável pela gerência, “um dos pontos críticos e cruciais foi a presença de adenovírus replicante na vacina”. Ou seja, o adenovírus é capaz de se reproduzir. “Isso significa que o vírus que deve ser utilizado apenas para carregar o material genético do coronavírus para a célula humana ele mesmo se replica. Isso é uma não conformidade grave.” – Gustavo Mendes

“A presença de uma adenovírus replicante pode ter impacto na nossa segurança quando utilizamos essa vacina. Esse vírus, que não era para ser replicante, pode se acumular em tecidos específicos do corpo como, por exemplo, os rins”, explicou Gustavo Mendes. Em sua exposição, Mendes apresentou documento da própria desenvolvedora da vacina que admite a replicação do adenovírus.

A Gerência Geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária enviou servidores da Anvisa para a Rússia neste mês de abril. A gerência explicou que a cadeia de fabricação da Sputnik envolve sete fábricas, ou plantas, na Rússia. Os técnicos só conseguiram fazer a vistoria em três dos sete locais.

De acordo com Ana Carolina Marino, gerente geral de fiscalização, o Fundo Russo tentou cancelar inspeção presencial e não autorizou acesso ao Instituto Gamaleya. Além disso, a Anvisa não conseguiu identificar os fabricantes da matéria prima da vacina.

Entre os três locais inspecionados, a vistoria encontrou pendências. A principal, na fábrica UfaVITA, é relacionada a práticas assépticas e teste de esterilidade. “Foram observadas não conformidades que impactam na garantia da esterilidade do produto e que necessitam de correção imediata por parte da empresa para mitigação do risco”, apontou a Anvisa em relatório. “Diante do dispêndio de recursos públicos, (…) sentimento de frustração quanto a visita”, apontou o relator.

A Anvisa informou que a maioria dos países que autorizaram a aplicação da vacina não têm tradição na análise de medicamentos e não produziram relatórios próprios sobre o imunizante. O Fundo Russo cita que mais de 60 países já aprovaram a vacina. Apesar disso, a Anvisa buscou embaixadas do Brasil para obter detalhes do uso nestes países, sendo que a maioria conta com poucas doses aplicadas que inviabilizavam análises sobre a segurança. A agência apurou que, em 23 países com contrato, a vacinação não começou e que apenas 28% dos países relataram que já utilizam a vacina.

Na semana passada, o Fundo Russo celebrou divulgação do ministério da saúde da Hungria que afirmava que a Sputnik era mais segura que as concorrentes. Procurado pelo G1 para dar detalhes dos dados (total de doses, período comparado, perfil dos vacinados), o Fundo Russo disse que não tinha acesso aos dados.

Nesta quarta-feira, o perfil da vacina no Twitter divulgou um apelo para a Anvisa. Durante a reunião, a diretoria colegiada da Anvisa lembrou que a vacina Sputnik V teve eficácia de 91,6% contra a doença, segundo resultados preliminares publicados na revista científica “The Lancet”, uma das mais respeitadas do mundo. A eficácia contra casos moderados e graves da doença foi de 100%. Sputnik é administrada em duas doses, com intervalo de 21 dias entre as doses. “A avaliação sanitária é diferente da avaliação de uma revista científica, que não tem por objetivo recomendar ou aprovar uso”, lembrou Gustavo Mendes.

Fonte: Folhamax