Aniversário de 200 anos de Cuiabá teve festa e obras inacabadas

Fonte:

O som dos clarins ecoou às quatro da manhã pelas ruas estreitas e mal iluminadas do centro de Cuiabá, despertando a população de um sono marcado pela ansiedade.

Da região do Porto à Praça da República, ouvia-se um crescente espocar de foguetes e salvas de tiros. E o amanhecer se encarregava de revelar adereços e bandeirolas coloridas por ruas e avenidas.

Era o dia 8 de abril de 1919, uma terça-feira de céu claro, e a capital de Mato Grosso comemorava seus 200 anos de fundação. Nas ruas, um grande número de moradores se dirigia à Catedral Metropolitana para a abertura oficial dos festejos.

Precisamente às sete horas da manhã, o arcebispo metropolitano, Dom Carlos Luiz D’Amour, abriu a missa campal diante de uma multidão. No átrio da Catedral, autoridades como o presidente do Estado, Dom Aquino Corrêa, se postavam solenes e em trajes de gala.

Arquivo Público de Mato Grosso

Bicentenário

Pouco mais de um ano antes, um grupo de notáveis da sociedade cuiabana havia se reunido com o propósito de planejar cada passo daquele momento. Sob o comando do historiador Estevão de Mendonça, foi oficializada em fevereiro de 1918 a Comissão Central da Comemoração do Bicentenário de Cuiabá.

“O centenário da fundação de Cuiabá, em 1819, não teve qualquer comemoração oficial, e os historiadores mato-grossenses, em especial Estevão de Mendonça, bem sabiam disso”, afirma o historiador Paulo Pitaluga, em trecho de um ensaio a respeito daquele evento.

Mas não era apenas a relevância histórica que impulsionava os preparativos. No campo político, a festa era vista como uma oportunidade de costurar alianças e ainda marcar pontos com a população.

O presidente do Estado, por exemplo, apostava suas fichas na conclusão de uma empreitada iniciada em 1916 e que, se bem-sucedida, seria a grande marca da festa: a chegada da iluminação elétrica às ruas da capital.

Arquivo Público de Mato Grosso

Bicentenário

O sonho esbarrava no atraso da construção da usina hidrelétrica do rio da Casca: a obra dependia de equipamentos fabricados em países europeus que, à época, estavam até o pescoço no pântano na Primeira Guerra Mundial.

Na tentativa de cumprir o cronograma, o concessionário foi autorizado a utilizar provisoriamente uma termelétrica usada, cujo maquinário se encontrava no Rio de Janeiro – o transporte do equipamento até Cuiabá levaria mais de um mês.

Enquanto a usina era montada às margens do rio Cuiabá, o concessionário de energia se encarregava de implantar, também a toque de caixa, uma rede de postes de madeira.

“O projeto original previa os de ferro, mas, como tudo era provisório, acabou-se por aceitá-los de madeira de Lei, desde que pintados”, diz trecho do livro “Rede de Memórias” (Carlini & Caniato), que conta a história da chegada da energia elétrica a Mato Grosso.

Cronograma atrasado

Outras obras previstas também entraram com atraso naquele ano: um obelisco comemorativo a ser instalado na Praça Luiz de Albuquerque, na região do Porto; uma avenida ligando dois distritos da cidade; e a reforma e melhorias do Campo de Demonstração, um espaço para feiras que abrigaria uma exposição de produtos do Estado.

Nenhum destes projetos seria concluído a tempo. No dia do evento, o semanário “O Matto Grosso” trouxe um artigo assinado pelo professor Lamartine Mendes que, muito embora reconheça e lamente este fato, busca manter uma visão positiva da ocasião.

“A inauguração da luz elétrica nesta cidade, por exemplo, retardada pela demora no material necessário, poderá ter lugar a 13 de maio”, escreveu o cronista, errando a previsão em 95 dias.

Sem as obras prometidas, a festa do bicentenário acabou sendo bem mais modesta do que imaginavam seus organizadores. Após a missa campal, o presidente do Estado recepcionou os expoentes da sociedade cuiabana em uma cerimônia no Palácio do Governo.

Cuiabá: Imagens da Cidade (Ed. Entrelinhas)

Bicentenário

Concentração e desfile na Avenida Dom Aquino (Antiga Rua Nova dos Pescadores)

A programação incluiu, ainda, desfiles de forças militares e de estudantes, recitais de poesia, serestas e a distribuição de doces para a criançada. À noite, também na Praça da República, foi organizada uma projeção de filmes.

Ao final da festa, uma cerimônia marcou a inauguração do Instituto Histórico de Mato Grosso, que acabaria por se tornar o mais duradouro legado da festa. Uma instituição que, nas palavras de seu primeiro orador, Philogônio Corrêa, nascia com a missão de “imortalizar heróis e escolher modelos para o futuro”.

“Agora que Mato Grosso comemora o bicentenário do início de sua colonização, sente percorrer por toda a vastidão do seu território, a mesma febre de progredir”.

Fonte: O Livre