Dois homens e uma mulher foram mortos no bairro Benjamim Raiser, em Sorriso (420 km ao Norte de Cuiabá), na última segunda (18). Três dias depois, uma mulher e um homem foram presos após sequestro seguido de morte de um jovem de 23 anos, achado com mãos e pés amarrados.
Na sexta (22), um jovem de 21 anos baleado no pênis e na coxa morreu num hospital da cidade mato-grossense.
Mais rico município do agronegócio brasileiro, Sorriso tornou-se, desde o ano passado, epicentro de uma guerra entre facções criminosas que a transformou na cidade com mais mortes violentas do Centro-Oeste brasileiro e uma das líderes no ranking no país.
Os três crimes acima são atribuídos pela Polícia Militar à batalha entre os grupos criminosos.
Quem trafega pelas principais vias de Sorriso, como a Avenida Blumenau, não percebe que por trás da riqueza gerada pela soja e pelo milho há uma guerra envolvendo CV (Comando Vermelho), facção que domina o estado, e PCC (Primeiro Comando da Capital), que chegou à cidade em 2022 para aliar-se a uma facção local que acabou incorporada pelo grupo originário de São Paulo.
A cidade registrou no ano passado 78 mortes violentas, sendo 67 homicídios, uma após lesão corporal e dez por resistência, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Sorriso é uma jovem cidade de 37 anos, com uma população que cresce muito acima da média nacional devido ao agronegócio e ostenta o título de mais rica do setor no país.
Tem 110.635 habitantes, ante 66.521 do Censo de 2010 –66,31% de alta em pouco mais de uma década– e, apesar disso, há facilidade para encontrar emprego, segundo comerciantes ouvidos pela Folha.
Em abril do ano passado, porém, houve o início de uma guerra entre facções criminosas que resultou numa onda de violência sem precedentes na história do município.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública de Mato Grosso, de janeiro a novembro foram 57 homicídios dolosos (intencionais) em Sorriso, mesmo número de igual período do ano passado.
Policiais afirmam que praticamente a totalidade das mortes se deve a brigas entre criminosos, o que significa mais de uma centena de mortos atribuídas à guerra pelo controle do território.
O problema se originou quando o CV, dominante em Mato Grosso, por desentendimentos internos decretou a morte de alguns de seus integrantes em Sorriso. Os membros que estavam jurados, encurralados, se reuniram com outros criminosos não pertencentes à facção e criaram a chamada Tropa do Castelar.
Esse novo grupo, com estimados 25 integrantes, tinha informações da movimentação do CV por meio de infiltrados que seguiam na facção, o que resultou em uma série de conflitos e mortes nos meses seguintes envolvendo a dominação territorial e a busca pela ocupação de espaços para o comércio de entorpecentes.
A polícia começou a entender o que estava acontecendo, de acordo com o tenente-coronel Jorge Almeida, comandante da Polícia Militar na região de Sorriso, quando, naquele mês de 2022, cinco criminosos entraram num estabelecimento e houve uma tentativa de homicídio. O ferido foi socorrido a um hospital e, baseado nessa pessoa, surgiram informações sobre o cenário de guerra que se desenhava.
Os relatos, obtidos pela Folha com agentes de segurança, associações de moradores e familiares de envolvidos com as facções, indicam que o PCC surgiu efetivamente na rotina local quatro meses depois, após uma operação policial para tentar desmantelar a criminalidade já registrada até então.
Ela enfraqueceu os dois lados e, como a Tropa do Castelar já era pequena, acabou anexada pelo PCC, numa espécie de fusão do crime, que no caso era benéfica para as duas partes.
O PCC sempre existiu na região da fronteira com a Bolívia, e se preocupava com a rota rodoviária para escoar a droga para São Paulo e Paraná, que passa por Sorriso.
Enfraquecer o CV na região era uma forma de garantir caminho livre para o tráfego do entorpecente que entra no país pela fronteira.
“[A entrada da facção em Sorriso] Foi uma oportunidade que apareceu. Eles sempre existiram na região de Cáceres, porque tinham que segurar essa rota deles. Com o racha em Sorriso, um inimigo foi enfraquecido e muito provavelmente o pessoal da Tropa do Castelar deve ter pedido ajuda deles. A gente não tem essa informação, mas é uma coisa presumida”, disse o delegado Bruno França Ferreira, do DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa) de Sorriso.
INVISÍVEL – Esse cenário de guerra não é perceptível no dia a dia de boa parte da população.
Parques ficam lotados aos finais de semana e, no dia a dia, o tradicional calor mato-grossense faz com que os moradores coloquem mesas e cadeiras de praia nas ruas para conversar ou beber mate, entre outras bebidas.
É comum encontrar veículos como camionetes avaliadas em mais de R$ 500 mil estacionadas com os vidros abertos, e pessoas caminhando falando ao celular sem se preocuparem com quem passa por perto delas, cenários impensáveis em grandes centros urbanos devido ao risco de furtos.
“Não faz parte do nosso dia a dia isso [a violência]. A gente sabe que tem, mas não vê”, disse a empresária Carolina de Oliveira Marques.
Esse coro é entoado também pelo vice-prefeito de Sorriso, Gerson Bicego (PL), que afirmou que, apesar do alto índice de violência nas estatísticas, ela está concentrada numa espécie de mundo paralelo do crime.
“A gente não tem nada de violência aqui […] Não é vizinho matando vizinho, é deles [facções], que a gente nem sabe”, afirmou.
A onda de violência subiu após uma operação com cumprimento de mais de 50 mandados em novembro.
Ferreira disse que a retaliação era esperada e que as forças de segurança combatem os dois lados da criminalidade.
De acordo com o secretário de Segurança Pública de Mato Grosso, César Augusto Roveri, as mortes tiveram um pico nos primeiros meses do ano, mas depois foram reduzidas com operações integradas, cumprimentos de ordens de prisões e apreensões de bens de criminosos.
“Os números, apesar de terem sido mais altos no início do ano [2023], foram fruto de brigas entre as organizações criminosas. Realmente acabaram morrendo algumas pessoas, mas pessoas que se confrontaram por questões criminais. Praticamente não teve nenhuma pessoa de bem que foi vitimada. Independente dessa informação, claro que a gente preza pela vida de todos os cidadãos, mas é um fato que a gente tem que observar”, disse Roveri.
Quando o quadro vivido em Sorriso foi divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o governador Mauro Mendes (União Brasil) disse que se tratava de “bandido matando bandido” e que o Gverno toma medidas diárias para combater a violência.
Procurado pela Folha, por meio de sua assessoria de comunicação, ele não quis comentar.
Fonte: Folhapress/Sorriso