‘Prioridade é acabar com facções; há risco de virarem estado paralelo’

Fonte:

Combater a atuação de facções criminosas é a “prioridade número zero” do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual (MPE). A afirmação é do novo coordenador do grupo, promotor de Justiça Adriano Roberto Alves.

Em entrevista ao MidiaNews, Alves citou o risco do Comando Vermelho (CV), do Primeiro Comando da Capital (PCC) e da Tropa Castelar, que surgiu no interior do Estado, criar uma espécie de “estado paralelo” em Mato Grosso.

“Em alguns estados da federação, inclusive, eles [facções] controlam a distribuição de gás, de internet.  Aqui não temos notícia disso, mas se não traçarmos estratégias de âmbito nacional para combatê-las, pode se tornar um estado paralelo em todos os estados da federação. Isso é perigoso”, afirmou.

Alves disse acreditar que a estrutura do Gaeco, aliada às polícias militar, civil e federal, é capaz de vencer essa guerra. “É só trabalhar e estamos trabalhando para isso”, disse.

Ainda na entrevista o chefe do Gaeco defendeu mudanças na legislação penal, principalmente para reincidentes.

Leia os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – O senhor assumiu recentemente o Gaeco. Quais são os principais focos do Grupo nesse período?

Adriano Roberto Alves – O nosso objetivo é combater as facções criminosas. Essa é a prioridade número um. Comando Vermelho, PCC… No Norte do Estado estão aparecendo outras, como a Tropa Castelar. Tendo em vista a quantidade de crimes que eles vêm cometendo: homicídios, guerra entre as facções em algumas cidades, como Sorriso, Sinop, Cáceres

Então, o objetivo nosso, prioridade zero, é combater essas facções criminosas.

MidiaNews – E desde que o senhor assumiu a gestão, quais ações já foram tomadas para combater essas facções?

Adriano Roberto Alves – Foram várias ações. Dentro do Gaeco, o reestruturamos internamente, com algumas legislações, resolução, para que possamos colocar todos os Gaecos tanto aqui da Capital como interior com esse objetivo de combater as facções.

Além disso, a gente estreitou relações para troca de informações com a GCCO [Gerência de Combate ao Crime Organizado] da Polícia Civil, uma vez que o foco deles também são as organizações criminosas.

Também fizemos a gestão junto ao Estado para mudar a lei do Gaeco e incluir a polícia penal e o sistema socioeducativo, tendo em vista que nesses dois ambientes têm membros das facções atuando e eles detêm importantes informações que podem trazer para nós. Também estreitamos relações com a Polícia Federal, trocando informações.

MidiaNews – As facções criminosas estão cada vez mais infiltradas na sociedade, às vezes, atuando como um estado paralelo. Não acha que o País precisa concentrar esforços e travar uma guerra contra elas?

Adriano Roberto Alves – Sim. Em alguns estados da federação, inclusive, eles controlam a distribuição de gás, de internet.  Aqui não temos notícia disso, mas se não traçarmos estratégias de âmbito nacional para combatê-las, pode se tornar um estado paralelo em todos os estados da federação. Isso é perigoso.

MidiaNews – Mas há investigações que apontam que essas facções atuam com entrega de cestas básicas, escolinhas de futebol no Estado…

Adriano Roberto Alves – Eu tive conhecimento aqui em Cuiabá e em Várzea Grande… A gente está trabalhando em cima disso, mas no interior não tive notícia.

MidiaNews – O que significa dizer que o Gaeco está trabalhando em cima disso? Já tem pessoas identificadas?

Adriano Roberto Alves – Nós já temos alguns alvos, mas não podemos revelar nada da investigação, porque os dados são sigilosos.

MidiaNews – Em sua opinião, por que a gente chegou a esse ponto das organizações estarem agindo dessa forma em Mato Grosso?

Adriano Roberto Alves – É um fenômeno complexo e envolve muitos fatores. Primeiro, Mato Grosso é muito grande. Segundo, faz fronteira com um dos países que mais produzem cocaína no mundo, que é a Bolívia.

O Brasil tem uma dimensão territorial muito grande, com portos, com rodovias, com uma rede aérea grande e eles precisam utilizá-las para mandar essa droga para os centros consumidores do país e também para a Europa. É muito mais fácil canalizarem daqui, do que outros países vizinhos.

MidiaNews – Quando o Gaeco foi criado, as facções criminosas ainda não tinham esse poder. Acredita que a estrutura do grupo é suficiente para combater essas organizações?

Adriano Roberto Alves – A estrutura do Estado sempre é aquém daquilo que há necessidade. Se você falar o Gaeco sozinho, não temos condições. Mas aqui no Estado não tem só o Gaeco. Temos a Polícia Civil, a Polícia Militar. Todos unidos, com certeza, vamos vencer essa guerra, como estamos nos unindo.

MidiaNews – O governador Mauro Mendes tem citado várias vezes de que há um número maior de integrantes de facções criminosas no Estado do que profissionais da Segurança. Mesmo assim, acredita que dá para vencer essa guerra?

Adriano Roberto Alves – Nós temos que estruturar mais e estamos estruturando. Mas a gente tem que ter em mente que essa é uma responsabilidade não só do poder público, mas também da população. A população em geral. Tem vários fatores que influenciam para o fortalecimento das organizações.

Mas também tem um lado positivo que o Estado tem uma Polícia Militar muito grande, muito capitalizada. A Polícia Civil também muito preparada. Tem o Gaeco, a Polícia Federal, todos esses órgãos juntos com certeza vai vencer essa guerra. É só trabalhar e estamos trabalhando para isso.

MidiaNews – Que tipo de ações a população precisa fazer para ajudar nesse combate?

Adriano Roberto Alves – Denunciar. Tem várias denúncias anônimas que trazem grandes informações. Tem muito adolescente envolvido e aí é preciso ter uma política pública para impedir que esses adolescentes…

E li um dado essa semana que o Brasil é o segundo colocado em jovens que nem estudam, nem trabalham. São 35% deles. É a nossa ociosidade que está levando a ser captado por esses grupos organizados, facções criminosas.

MidiaNews – As ações das facções muitas vezes são realizadas a partir de ordens de dentro dos presídios. É a favor de se colocar barreiras para o sinal de celulares nas cadeias?

Adriano Roberto Alves – Não só sou a favor, como já insistentemente estamos pedindo para que seja implantado bloqueadores. Hoje, há tecnologia para isso, é preciso ser implantado.

Não posso dizer que a maioria das ordens venha de dentro, mas toda vez que fazemos uma operação e fazemos buscas lá dentro, a gente encontra celular. E isso aí é rotineiramente.

O Gaeco fez uma operação recentemente, prendemos o líder máximo, prendemos não, tiramos ele de cela e fizemos busca lá, porque a gente tinha certeza que ele estava dando ordem lá de dentro. E foi encontrado o celular dentro da cela dele. Precisa que o Estado realmente coloque bloqueadores para impedir isso.

MidiaNews – Na sua opinião, os agentes penitenciários “fecham os olhos” com a utilização de celulares por parte dos detentos nos presídios?

Adriano Roberto Alves – É difícil falar se eles fecham os olhos para isso. Não tenho condição de dizer isso.

MidiaNews – Nos últimos anos temos visto uma crescente de golpes na internet. As facções estão migrando para as redes?

Adriano Roberto Alves – Estão migrando. Hoje, por exemplo, não se vê muitos assaltos e furtos, porque esses criminosos estão cometendo crimes na OLX, no Mercado Livre, WhatsApp.

Crimes como o que aconteceu do Novo Cangaço em Confresa será cada vez mais raro. Muito raro, porque eles conseguem angariar lucro pela internet. É mais fácil e tem menos risco. E delitos de estelionato, as penas são muito baixas. O Código penal tem que se adequar à nova realidade. A realidade hoje mudou. As pessoas tomam milhões de prejuízos através da internet. E nesse tipo de crime, os caras dão golpe no país inteiro. Não é só em Mato Grosso.

MidiaNews – Na gestão do ex-procurador-geral José Antonio Borges, houve uma descentralização do Gaeco com a criação de grupos no interior. Defende aprofundar essa descentralização?

Adriano Roberto Alves – A coordenação é uma só e fica em Cuiabá. Essa medida foi para fortalecer o combate às organizações criminosas, dentre elas as facções. E a gente pretende fortalecer, estruturar melhor esses Gaecos para que efetivamente combater essas facções.

MidiaNews – Nos últimos meses temos visto inúmeras operações na área de Saúde em Cuiabá, com denúncias seríssimas de desvios de recursos, pagamento de propina e lavagem de dinheiro. Não acha que o Gaeco deveria atuar com rigor contra estes esquemas?

Adriano Roberto Alves – Como envolveu o chefe de Poder Executivo, quem tem atribuição e competência é o Naco (Núcleo de Ações de Competências Originárias),. Então, isso foi direcionado para o Naco fazer essas operações e é o que está acontecendo.

Eventualmente, quando não é do Naco, quando o investigado não tem foro, o patrimônio público é quem está fazendo essas investigações. Nós readequamos o Gaeco para centralizar realmente nas facções criminosas.

MidiaNews – O STF voltou a discutir o juiz de garantias, que é responsável pelo controle da legalidade da investigação e não julga o caso. O senhor defende a implantação do juiz de garantias no Brasil?

Adriano Roberto Alves – Eu acho importante uma evolução da legislação, uma modificação, mas assim, o que é importante não é você criar o juiz de garantias. Tudo bem, é relevante, mas tem que criar e dar estrutura, não adianta criar e pôr números de juízes insuficientes, porque você trava todo o sistema.

Aqui tem o Núcleo de Inquéritos Policiais (Nipo), que estão estruturando para ampliar, que é mais ou menos um juiz de garantia. Aí, todas as medidas cautelares, pedido de prisão, quebra de sigilo telefônico ou bancário é feito pelo Nipo.

MidiaNews – A Lei das Organizações Criminosas criou o instituto da colaboração premiada. Porém há juristas que condenam a forma como as colaborações são fechadas no Brasil, citando que muitos acusados sofrem tortura psicológica e não lhes restam outra saída se não falar, muitas vezes acusando sem provas.  O que pensa a esse respeito?

Adriano Roberto Alves – Foi uma evolução da legislação. É um instrumento extremamente importante. Não vejo essa coação, essa tortura psicológica. Eu nunca peguei um caso que realmente isso transparecesse. Todos são auxiliados por advogados. O advogado acompanha o tempo todo as tratativas. Então, qualquer desvio de autoridade, seja do delegado, do promotor, o advogado pode tomar as providências.

MidiaNews – Outra distorção apontada nas delações é que muitos acusados delatam comparsas, se livram de penas, mas ao final a delação não é capaz de levar a condenação. E aí, tanto delator quanto delatado não são punidos…

Adriano Roberto Alves – É claro que em alguns casos a colaboração é tão importante, tão essencial, que sem ela não se apuraria o caso, que a recompensa do colaborador acaba sendo realmente proporcional ao que ele trouxe para o Estado de benefício. Isso acontece realmente.

Mas se tenho provas para condenar, aí discordo de fazer colaboração, não tem sentido. Eu já recusei várias, inclusive.

MidiaNews – O Brasil tem incontáveis casos de corruptos notórios que não ficam presos ou pegam penas muito brandas. O que pensa a respeito da legislação anticorrupção no Brasil?

Adriano Roberto Alves – Entendo que algumas leis precisam mudar no país. Não estou falando de quem furta um celular, furta um pacote de arroz, furta uma picanha. Não estou falando desse tipo de crime. Estou falando de crimes de roubo. Que a pessoa chega, encosta o revólver na cabeça do cidadão, toma o carro dele ou toma um relógio ou toma um celular com grande violência.

E a legislação permite que logo esse cara está na rua. Ele pratica outro assalto, pratica outro assalto. Isso tem que acabar no país. Se é nos Estados Unidos, você pode pegar prisão perpétua. Homicídio, por exemplo, também tem que ser… O cara matou alguém… O cara que morreu, não tem segunda chance. Então para esse delito tem que endurecer, sim, a pena.

MidiaNews –  Defende, então, a prisão perpétua no Brasil para esses casos?

Adriano Roberto Alves – Não. Defendo uma penalização dura, não perpétua. O cidadão não pode cometer um assalto e cometer outro, tem que ter um fim. Se você pega uma pena alta na primeira vez, dificilmente vai praticar um segundo. Mas se praticar, é necessário elevar mais ainda a pena.

Estou falando de roubo, sequestro, homicídio, que são crimes que hoje ficaram banais. Banalizou.

MidiaNews – O senhor é contra as progressões, por exemplo?

Adriano Roberto Alves –  Defendo que tem que ter progressão, mas não tão fácil como é hoje para esses crimes. Tem que se endurecer. A progressão é muito benéfica, logo ele está na rua e logo está cometendo crime de novo. É o que a gente tem visto.

Eu penso que se você endurecer essa legislação e ter uma certa punição, diminuirá substancialmente esse tipos de delito.

MidiaNews –  Na última semana houve uma audiência em Cuiabá para falar da nova lei que tipifica o chamado narcocídio, que seria o homicídio resultante do tráfico de drogas. O que acha da matéria?

Adriano Roberto Alves – Defendo essa tese. Entendo que o crime não é um homicídio comum, é um homicídio praticado por organizações fortemente armadas e extremamente violentas. Se você assistir a imagem das execuções, vê que não é um crime comum. Tem alguns vídeos que impactam muito, dada à violência com que praticam.

E por eles praticarem assim, com muita violência, entendo que julgar igual julgam um homicídio comum não vai ter a mesma eficácia do que transformar isso num narcocídio, que passaria por um juiz togado. Como aconteceu com o latrocínio [roubo seguido de morte]. O latrocínio tem vários anos que não é julgado pelo júri, mas sim por um juiz togado. Entendo que deve ser a mesma lógica para o narcocídio.

Fonte: Midianews