Na busca pela saúde e por uma melhor relação com o próprio corpo, muitas pessoas decidem fazer a cirurgia bariátrica. Juliano Canavarros, especialista em cirurgia bariátrica e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, afirma que a obesidade é uma questão social que precisa ser tratada. Segundo ele, os chamados “gordinhos saudáveis” não existem, pois inevitavelmente o sobrepeso trará prejuízos à qualidade de vida.
“Na verdade, é uma questão de tempo, a obesidade vai te pegar”, explica.
O especialista revela que atende muitas crianças que sofrem com a obesidade severa e que, na maioria dos casos, engordaram pela permissividade alimentar de familiares. Para a mãe de uma jovem, chegou a dizer “vocês estão assassinando essa criança”.
Juliano Canavarros recebeu o MidiaNews em seu consultório para uma entrevista, em que comentou detalhadamente sobre o funcionamento da cirurgia bariátrica, seus riscos e benefícios.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Para quais pacientes a bariátrica é recomendada?
Juliano Canavarros – Isso aí é estabelecido em lei. Temos pessoas que estão em obesidade grau 3, que é o IMC – peso dividido pelo quadrado da altura – acima de 40. Para essas pessoas, a literatura é bem categórica em falar que a cirurgia vai ajudar muito a resolver a doença crônica chamada obesidade. Então já é autorizado a fazer o procedimento cirúrgico.
Se tem de 35 a 39.9 de IMC, você precisa comprovar que a obesidade está causando algum problema. Problemas ortopédicos, apinéia do sono, diabetes, pressões de difícil controle, doenças que estão sendo agravadas pela obesidade.
A lei hoje estabelece que, com mais de 30, ou seja, obesidade grau 1 e diabete de difícil controle, também já é possível fazer a cirurgia.
A cirurgia é chamada de metabólica, porque o termo bariátrica está desaparecendo. Cada vez mais está claro que, toda vez que você faz uma cirurgia bariátrica, você mexe no metabolismo, então ela vai ficar como cirurgia metabólica.
MidiaNews – Quais são os métodos existentes?
Juliano Canavarros – No Brasil, a gente tem tipos de cirurgia que são autorizados. São as cirurgias restritivas, como o uso de banda, que é como se fosse uma cinta que você coloca na transição esofagogástrica. O esôfago é o tubo que leva comida da boca até o estomago, aí você coloca uma cinta de silicone que faz com que entre menos alimento. O paciente como pouco e fica saciado rapidamente.
Outra cirurgia que é mais restritiva se chama sleeve gástrico. Você deixa o estômago pequeno e faz um desvio intestinal. Ela retira uma parte do estômago que produz o hormônio chamado grelina, que dá a sensação de fome, então o paciente vai comer pouco e não sente muita fome.
A by-pass você reduz ainda mais o tamanho do estômago e faz um desvio para o intestino. Você tem a saciedade, mas você tem hormônios intestinais agindo de maneira mais forte. O alimento, ao chegar pouco digerido, faz os hormônios falarem para o cérebro “para de comer, está chegando comida quase in natura aqui na parte final do intestino”. Ela trabalha mais a parte metabólica do corpo. Indico para pacientes mais diabéticos, com hipercolesterolemia, e pacientes que estão mais doentes.
Redução bilio-pancreática é a mais impactante de todas. Ela tem um corte maior do estômago e um desvio intestinal mais forte.
No Brasil, temos mania de falar “eu sou obeso, mas sou um gordinho saudável”. Não existe isso. Na verdade, é uma questão de tempo, a obesidade vai te pegar. É uma doença de causa multifatorial, então você precisa de uma equipe multidisciplinar para conseguir fazer esse tratamento.
Hoje em dia, o tratamento da obesidade é como se fosse subir uma escadaria. Você começa com procedimentos mais simples e vai até as cirurgias que são mais impactantes no organismo da pessoa.
MidiaNews – Quais são as doenças que mais frequentemente acompanham a obesidade?
Juliano Canavarros – Muita coisa. Até o câncer. Por exemplo, se você está obeso, a literatura já mostra que você tem 30% a mais de chance de desenvolver o câncer, seja ele de próstata, de pulmão, de mama.
O paciente fica hipertenso, diabético, com dificuldade de locomoção, tem aquelas dermatites, até a lateral do rosto fica escura. Tem também apneia do sono, inúmeras doenças. Quando a pessoa começa a emagrecer, você percebe que tudo aquilo some.
MidiaNews – Existem casos nos quais a bariátrica é indispensável?
Juliano Canavarros – Sim, na minha opinião sim. Eu tenho um professor de São Paulo que, em palestras, fala que o paciente com mais de 40 de índice de massa tem uma condição clínica tão grave que ele devia ir para o hospital de ambulância, de tanto risco que esse paciente tem de morrer subitamente.
Lembro como se fosse hoje de dois irmãos obesos. Um deles rapidamente fez os exames, fez a cirurgia e emagreceu. O outro ficou enrolando e desapareceu. Um dia encontrei o que fez a cirurgia na rua e perguntei do irmão dele. Ele respondeu que o irmão estava na casa da avó, deitado com um pacote de salgadinho e assistindo televisão, quando dormiu e morreu. Eles eram jovens.
O que a Covid representou para o obeso foi catastrófico. A incidência de internação em UTI foi muito maior em obesos e a gravidade com que a doença se manifestava foi muito severa.
MidiaNews – Existem condições que impedem o paciente de fazer a bariátrica?
Juliano Canavarros – Na verdade, um paciente com uma doença muito severa precisa ser muito bem avaliado. Já trouxeram para mim pacientes em uma maca. O paciente tem uma lesão neurológica que ele não sai da cama, mas, em compensação, os fisioterapeutas e enfermeiras precisam mobilizar aquele senhor e ele estava muito pesado. O cara está sem condição de se mexer e você vai fazer uma cirurgia que, dependendo, é mais impactante que a outra. Tem situações que realmente a própria normativa do conselho federal já veda.
Por exemplo, o paciente tem uma doença cardíaca severa em que qualquer alteração durante a cirurgia ele pode morrer, não vale a pena.
Se o paciente já operou de câncer de pulmão e só tem um pulmão, então esse outro pulmão tem um pouco de alteração pela radioterapia. O paciente está em risco.
Se o paciente não está bem das faculdades mentais, como tendo surto de uma esquizofrenia, é uma situação que impede de fazer o procedimento.
Os psiquiatras cansam de ligar para mim e falar para não fazer a bariátrica porque o paciente é usuário de droga e já deu a entender que vai burlar o pós-operatório da cirurgia. Se você quiser bater na cirurgia, ela vai bater em você, em uma fase que você precisa seguir as orientações à risca.
A grande maioria dos pacientes vem com indicação. Peguei um caso de um colega cardiologista mandou um rapaz jovem e obeso. O médico disse que o paciente precisava emagrecer, pois o que o coração dele conseguia bombear de sangue era o suficiente para o corpo dele magro, não obeso. Foi uma cirurgia de risco, mas hoje o paciente está feliz, porque melhorou muito. Ele tinha desmaios, porque o volume de sangue era insuficiente para alimentar o cérebro dele.
MidiaNews – A cirurgia bariátrica é segura?
Juliano Canavarros – Ela é muito segura, graças à tecnologia. Hoje o nível de segurança da cirurgia bariátrica é semelhante a da cirurgia de vesícula, de tirar útero. Tenho trabalhos que mostram que fazer uma bariátrica é mais seguro que fazer uma histerectomia.
MidiaNews – O senhor acha que muitos casos de obesidade vem de uma falta de moderação familiar?
Juliano Canavarros – Corretíssimo. A causa é multifatorial. Esse aspecto social da obesidade existe. Já peguei um caso de uma criança de onze anos super obesa. Falei para a mãe e para a madrinha da criança “criança de onze anos trabalha? Tem dinheiro para ir ao mercado comprar o que quiser? Vocês estão assassinando essa criança”. Elas que estavam propiciando o alimento para ela ficar daquela maneira.
Tive crianças de oito anos que vieram com síndrome, tipo Prader Willi, que leva a criança a estar daquele jeito, independentemente de pai ou mãe. É uma síndrome que causa alteração genética e faz com que a criança seja obesa. Hoje tem serviços em São Paulo especializados nesse tipo de doença e, na maioria dos casos, tem tratamento medicamentoso.
Alair Ribeiro/MidiaNews
Segundo Juliano Canavarros, a obesidade é uma questão social que, muitas vezes, surge na falta de moderação familiar
MidiaNews – Como funciona a reinserção familiar após a cirurgia?
Juliano Canavarros – Depende da cirurgia. Vamos voltar naquela sleeve, por exemplo. A sleeve é uma cirurgia que corta de 20 a 25 centímetros para grampear o estômago. O estômago tem movimentação autônoma, assim como o coração bate de forma independente. Se você come inadequadamente no pós-operatório, o estômago pode romper, causar uma fístula e a fístula pode matar.
Na sleeve, que é mais chata no pós-operatório, a pressão no estômago fica maior pela redução do tamanho. Então, para isso, deixo o paciente por quinze dias tomando só líquido. Começa apenas com líquidos, depois líquidos que você precisa bater e coar, depois só bater, até a hora que você começa na pastosa.
Voltar para as comidas sólidas depende do tipo de cirurgia, mas geralmente leva 45 dias.
MidiaNews – Como é o pós-operatório em relação às atividades de rotina?
Juliano Canavarros – Você espera cicatrizar a cirurgia, mas logo que opera o ideal é que pequenas caminhadas comecem. Pelas condições da própria obesidade, não é interessante a pessoa ficar acamada. Se ela fica na cama, aumenta a chance de formar trombos na perna e evoluir para atelectasia, que o pulmão fica murcho, pode dar febre, então o ideal é que, assim que recuperar da anestesia, já comece a andar.
Óbvio que você vai graduando esse andar. Começa com pequenas caminhadas, passa a caminhar no corredor do hospital, depois entorno do seu quarteirão quando estiver em casa, aí com trinta dias já está fazendo atividades mais leves. Geralmente, em sete dias as pessoas estão dirigindo. Com trinta dias, você já pode começar a pensar em fazer uma corridinha leve, uma esteira de academia.
Três meses é o prazo que coloco para a pessoa estar fazendo tudo, que é o prazo de cicatrização da aponeurose, que é a camada de gordura cicatrizante.
MidiaNews – Dentro de quanto tempo a pessoa pode voltar a trabalhar?
Juliano Canavarros – Depende. Tenho muitos advogados que operam e, no dia seguinte, estão com o notebook trabalhando. Se não for trabalho de muita movimentação, a pessoa trabalha. Se você pega um policial, por exemplo, ele pode ter um dia de trabalho muito tranquilo e, no outro dia, pode estar lutando com alguém, então está sujeito a um risco de se esforçar antes da hora.
MidiaNews – Caso o paciente não respeite as recomendações do pós-operatório, ele corre risco de vida?
Juliano Canavarros – Corre. Se o paciente não andar no pós-operatório, por exemplo, ele pode evoluir com uma trombose, aquele trombo migrar, ir para o pulmão e matar. Isso serve para qualquer cirurgia.
MidiaNews – A bariátrica é uma cirurgia que pode ser feita só por interesse estético?
Juliano Canavarros – Não. Ontem mesmo atendi uma senhora com obesidade grau um que queria operar e falei que não operava assim e ela disse que não estava preocupada com plano, que ela iria pagar. Eu falei: “Tudo bem, mas eu não me sinto confortável de fazer uma cirurgia sem necessidade. Se você quiser tratamento clínico com nutrólogo e endócrino, tudo bem”. Se ela tivesse uma fístula, como eu explicaria para os familiares que ela foi internada correndo risco de vida por uma cirurgia que não tinha necessidade?
MidiaNews – O senhor acha que tem muita gente que procura a bariátrica para fins estéticos?
Juliano Canavarros – Algumas mulheres vêm, mas se elas forem submetidas à avaliação, o psiquiatra e o psicólogo pegam esse perfil e excluem a possibilidade da bariátrica.
MidiaNews – Quais são os profissionais que acompanham a bariátrica, além do cirurgião?
Juliano Canavarros – Médico de coração, de pulmão, endocrinologista, psicólogo e psiquiatra. Se um deles barrar, não adianta, não vai me convencer. Tem que ter consenso.
MidiaNews – Há garantia de perda de peso depois da cirurgia?
Juliano Canavarros – É muito difícil o paciente não perder peso. Vi uma palestra nos Estados Unidos sobre pacientes que não perderam peso após a cirurgia, mas isso é muito raro. Têm pacientes que perdem menos, mas perdem. Eu opero há vinte anos e nunca vi um paciente não perder nada. Os que não perdem são um estudo de caso raríssimo a nível mundial.
MidiaNews – Geralmente, a pessoa perde quanto de peso após a bariátrica?
Juliano Canavarros – Depende do tipo de cirurgia. A cirurgia de sleeve e a de by-pass temos uma perda de peso bastante interessante, ou seja, o paciente perde mais de 50% do excesso de peso. Perder 15% de massa corpórea já é o suficiente para regular a glicemia e a pressão. A finalidade da cirurgia não é apenas emagrecer, mas dar qualidade de vida.
MidiaNews – Qual a principal faixa etária das pessoas que procuram bariátrica?
Juliano Canavarros – Geralmente meia-idade, mas é muito comum vir pacientes jovens. Entre 16 e 18 anos, a lei estabelece que são casos ultra especiais, então você tem que ter avaliação, além de todos aqueles especialistas, de mais dois pediatras permitindo fazer.
MidiaNews – É necessário passar por alguma cirurgia plástica depois da bariátrica?
Juliano Canavarros – Depende da situação. Tem gente que é impressionante, parece que a pele acompanha a perda de peso e volta à posição normal. Depende muito da qualidade da pele da pessoa, se tem estria, se não tem. As meninas fazem muita mama e abdômen depois da bariátrica, mas já tive homem que teve que fazer até mama, porque era muito obeso e a mama ficou caída.
MidiaNews – É possível engordar depois da cirurgia?
Juliano Canavarros – Muito frequente. Basta você burlar. Depende do tipo de cirurgia. Se eu faço uma cirurgia como a banda e não tem acompanhamento, se a pessoa ficar comendo salgadinho, doce e tomando refrigerante, é normal engordar novamente. Ganhar pouco peso é normal, mas ganhar mais que 50% já é sério.
Já a sleeve você nunca mais vai conseguir fazer um grande prato de comida, porque você nunca vai voltar a comer como antes.
MidiaNews – O psicológico da pessoa fica afetado após a bariátrica? O boato de que a pessoa pode desenvolver depressão é real?
Juliano Canavarros – Depende muito do acompanhamento. Se tem deficiência de algumas vitaminas, como a B, a pessoa pode ficar deprimida se ela deixar esse nível baixar. Se você estiver sendo acompanhado, honestamente não vejo isso acontecer, mas vejo relatado na literatura.
É como as pessoas que dizem que, depois da cirurgia, começaram a beber. Aí você vai conversar com amigos e parentes, percebe que aquele paciente já bebia antes, então usa a cirurgia como gatilho ou justificativa.
Já vi relatos também de pessoas que têm o apetite sexual aumentado e o gosto por compras também. Elas tinham uma limitação de roupas, diziam que a roupa que os escolhia e, agora, como podem escolher, querem comprar o tempo todo.
MidiaNews – Quais são os cuidados mais importantes do pós-operatório?
Juliano Canavarros – Acompanhamento com a equipe, que é o que o americano chama de follow up. Se você não faz, há grandes chances de o paciente apresentar alguma alteração ou até voltar a ser obeso.
Fonte: Midianews