Grupos minoritários de imigrantes venezuelanos carregam pelas ruas de Cuiabá placas com os seguintes dizeres: “preciso de ajuda. O comunismo na Venezuela me fez um pedinte no Brasil”. Um deles, entrevistado pelo HNT, mesmo admitindo que não acompanha com tanto afinco a polarização na disputa presidencial no Brasil protagonizada por Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT) nas atuais eleições, disse que carrega os dizeres por ter sido orientado que, com tal frase, sua família receberia mais ajuda.
Fotos dessas pessoas circulam pelas redes sociais após diversas declarações de políticos mais ligados à direita comparando o Brasil com o país vizinho. O entrevistado declarou que expõe o texto por sugestão de um brasileiro, o qual teria confeccionado o cartaz para ele, pois não saberia escrever direito as palavras em português.
Questionado se ele teria sido induzido politicamente a colocar o cartaz, Yebersson Larys Diaz negou. Disse que pesquisou na internet o que a frase significava e decidiu acatar a sugestão, pois compactua com o que está escrito. No início, contou ter tido medo de receber represália, mas manteve o posicionamento. “No primeiro momento, ficamos com medo de apanhar, mas, sabemos do que se tratava, e estava escrito comunismos”, contou.
Diaz vive no Brasil há quatro anos. Primeiro, passou por Roraima, depois Manaus (AM) e, agora, vive em Cuiabá com a mulher e a filha pequena.
“Não estamos nos envolvendo na política, mas, pelos comentários que o brasileiro faz… Mas, para mim, eu vejo o governo Bolsonaro como muito bom. Eu não vivi aqui no tempo de Lula, né. Mas esse negócio, comunismo, faz muito mal. Hugo Chávez deixou Nocolás Maduro na presidência. A gente confiou nele. Votou nele e agora olha a situação como que está! Estamos aqui, na rua. Na Venezuela, eu tinha um trabalho bom. Tenho minha casa. E agora, o que eu tenho? Nada. Estou aqui no Brasil e o pouco que eu ganho ajudo a minha família lá na Venezuela”, relatou.
Diaz, na Venezuela, trabalhava como repositor de alimentos. A empresa acabou sendo atingida pela crise econômica. Perguntado se o Brasil, pelo pouco que ele observa, pode se tornar uma nova Venezuela como dizem, Diaz ponderou que não sabe muito do governo Lula, mas lembra que ouve as notícias sobre a prisão de Lula e fica com pé atrás.
“Eu acho que pode, né. Porque se Lula ganha, feito uma coisa errada aqui, não sei se é verdade, mas acho que vira uma Venezuela. Para mim é bom o governo de Bolsonaro”, avaliou, complementando que, numa eventual vitória de Lula, tentaria a vida nos Estados Unidos
CRISE POLÍTICA
A Venezuela é um país que desde do fim dos anos 80 e começo dos anos 90 passa por uma grave crise política, que atingiu certa estabilidade durante a gestão Hugo Chavéz. Em razão de interesses de multinacionais e de países como os Estados Unidos, que buscam o petróleo do país (a Venezuela possuí uma reserva de petróleo significativa, sendo considerado o país que tem uma das maiores reservas do recurso natural) e aliados a empresários locais, políticos e servidores públicos de alto escalão, jogaram o país num mar de incertezas, onde o povo é o mais prejudicado.
VENEZUELANOS NO BRASIL
Dados divulgados pela Agência Brasil em abril deste ano apontam que o país é o quinto destino mais procurado por venezuelanos que buscam moradia e trabalho. Conforme esse levantamento, de janeiro de 2017 a março de 2022, o Brasil recebeu 325.763 venezuelanos.
TARJA DE ‘VENEZUELA’
Na avaliação do analista político João Edisom, políticos ou alguns apoiadores de governo A ou B, que chegam a comparar Brasil e Venezuela, pouco conhecem a realidade daquele país ou até mesmo do Brasil, destacando que não precisa ir muito longe para ter conhecimento de algumas mazelas, colocando que o posicionamento às vezes é feito porque em época de política vale tudo.
“Se a gente quiser ver a Venezuela miserável vai em alguns bairros de Cuiabá. Se a gente quiser ver Nova York, é só a gente ir à (avenida) Paulista, em São Paulo, que a gente vê o que tem em Nova York”, comparou.
Ainda conforme o analista, o Brasil vive, hoje, um momento de barbárie. Pontuando que não é nenhuma questão de esquerda ou direita, mas sim uma questão de comportamento depreciativo. “A gente vive um momento desenfreado, onde tudo é permitido, inclusive perseguir e ameaçar pessoas, mentir institucionalmente, descredenciar a Justiça e atacar jornalistas. É uma questão de comportamento depreciativo daquilo que a gente tem de melhor, que é a nossa própria moral. A gente precisaria de uma grande terapia nacional para todo mundo, porque o Brasil está numa paranoia sem tamanho”, pontuou.
João Edisom ainda comentou declaração do governador Mauro Mendes (UB) que, nesta semana, reforçou posicionamento sobre “guinada à esquerda é sofrer fortes consequências econômicas, como aconteceu na Venezuela”.
“O governador e outras autoridades é mais um nesse contexto maluco. Ele fala, Roberto Caiado fala em Goiás. Religiosos falam. É uma loucura. Nós estamos vivendo uma catarse louca no país e as pessoas estão se impregnando por ela”, colocou.
“Devido à publicidade que se deu à chegada dos venezuelanos no Brasil, acabou a Venezuela sendo um ponto negativo. Ou seja, falar em Venezuela hoje ou colocar em alguém a tarja da Venezuela significa o que nós conhecemos de pior, mesmo sem conhecer. Por exemplo, será que o americano olha para gente como a gente olha para Venezuela? Como Europa enxerga o brasileiro que vai para Portugal sem nenhum documento e fica lá trabalhando? A gente deveria deixar que a Venezuela resolva seus problemas, porque nós temos problemas seríssimos no Brasil. Mas terceirizar o problema e rotular é uma forma de não encarar os verdadeiros problemas nacionais”, finalizou.
Fonte: HNT