Primeira indígena formada pela UFMT deixou aldeia aos 12 anos para buscar conhecimento: ‘Empoderamento’

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Isabel Taukane, de 44 anos, da etnia Kurâ-Bakairi, foi a primeira indígena formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ela deixou a aldeia onde morava com a avó aos 12 anos para buscar novos conhecimentos na cidade e, após cerca de 30 anos, se tornou doutora em ‘Estudos de Cultura Contemporânea’ por meio da UFMT.

Taukane também possui mestrado em ‘Desenvolvimento Sustentável’, é graduada em propaganda e marketing, cursou pedagogia e, atualmente, cursa licenciatura em artes visuais pela Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat).

“Minha escolarização começou na aldeia. Na época, tinha só até a quarta série. Naquele tempo não era igual hoje que as crianças começam cedo. A gente entrava com cerca 7 anos na escola e os professores não paravam nas aldeias, então demorava muito para terminar uma série”, relembrou.

Isabel afirmou que sempre achou importante se dedicar aos estudos, mesmo com todas as limitações da época. A mãe dela também saiu cedo de casa, logo após conseguir uma oportunidade de trabalho na área de serviços gerais dentro da Fundação Nacional do Índio (Funai). Devido aos desafios na cidade, a mãe de Isabel decidiu deixá-la na aldeia aos cuidados da avó.

“Ela me deixou para ser criada pela minha avó, porque ela trabalhava muito. Sempre achei importante esse empoderamento por meio do ensino. Foi então que com 12 anos me mudei para Cuiabá para dar continuidade aos estudos”, contou.

Após ingressar em escolas públicas da capital, a indígena passou a fazer parte de um movimento de estudantes para promover encontros e compartilhar conhecimento com outros indígenas.

“Tinha uma loja da Funai chamada ‘Arte Índia’, que fazia exposições na Semana do Índio e recebia crianças. Eu era monitora junto com outros indígenas que estavam em Cuiabá. Passamos a nos encontrar nas dependências da loja e estudávamos sobre algum tema. Esse nosso agrupamento nos levou a fazer o vestibular”, disse.

Isabel Taukane estudou na Universidade Federal de Mato grosso — Foto: UFMT

Isabel Taukane estudou na Universidade Federal de Mato grosso — Foto: UFMT

Desafios para ingressar na universidade

Quando Isabel Taukane tentava uma graduação, não existia a política de cotas nas universidades públicas, o que dificultava ainda mais a formação para pessoas indígenas.

“Fiz alguns vestibulares, mas não conseguia entrar nos cursos que queria. Fomos buscando outras instituições também para ter bolsas de estudo, mas era muita dificuldade, porque a gente veio falante, deixou um idioma, e, mesmo tendo estudado na cidade, tinha um pouco de dificuldade na fala”, explicou.

Depois de várias tentativas de ingresso em universidades públicas, ela passou a buscar uma vaga em faculdades particulares por meio de bolsa.

“Nessa articulação, a Universidade de Cuiabá ofereceu 10 vagas para qualquer curso, desde que conseguíssemos passar no vestibular. Uma escola particular ofereceu uma bolsa de cursinho preparatório e então conseguimos passar”, contou.

Na universidade particular, Isabel passou para propaganda e marketing e, naquele mesmo ano, 2005, foi aprovada também no curso de história na UFMT.

“Comecei a fazer os dois cursos, mas ficou pesado, então optei em fazer publicidade, porque era mais dinâmico, mais divertido e também eu já estava fazendo estágio na área, em uma loja de artesanatos”, pontuou.

Ingresso no mercado de trabalho

Na época, apenas a graduação não foi o suficiente para que Isabel conseguisse um emprego para se manter na cidade.

“Conclui o curso, mas a realidade do mercado, principalmente em Mato Grosso, é muito restrita. Tinha que ter um investimento que eu não tive. Também tinha que ter contatos, conhecer pessoas, e eu não conhecia. Fiquei um pouco frustrada depois de me formar”, relembrou.

Depois de um tempo, ela buscou uma nova formação e passou a fazer mestrado em desenvolvimento de povos indígenas.

“Nessa área, também tinha poucas oportunidades. Acho que os indígenas para conseguir uma oportunidade, conseguir competir, precisam ser muito bons profissionais e mostrar seu valor o tempo todo”, ressaltou.

A estudante afirmou que não possui uma carreira traçada linearmente e que, conforme as oportunidades aparecem, ela busca se encaixar.

Em 2019, ela desenvolveu o trabalho de pós-graduação na linha de pesquisa poética contemporânea com o tema: ‘Kurâ Iwenu (A Nossa Pintura): Performance e Resistência Na Pintura Corporal Kurâ-Bakair’, e concluiu o doutorado.

“Antes era muito raro ter pessoas indígenas com doutorado, mas abriu essa possibilidade e eu fiz tudo o que era para fazer e participei da seleção e entrei para fazer o doutorado, com bolsa e tudo mais”, disse.

Isabel Taukane, de 44 anos, voltou à aldeia — Foto: Arquivo pessoal

Isabel Taukane, de 44 anos, voltou à aldeia — Foto: Arquivo pessoal

De volta à aldeia

“O nível superior, graduação e pós-graduação é a última fronteira de conquista dos povos indígenas em um lugar extremamente colonizador. É muito recente essa inclusão dentro das universidades. Nesse tempo tiveram muitos avanços na educação, nas conquistas, mas nada foi dado aos indígenas. Tudo é luta, tudo é movimento, tudo é uma conquista”, ressaltou.

Depois ‘ultrapassar as fronteiras’, Isabel decidiu que era hora de voltar à aldeia, onde mora hoje com o marido e o filho.

“Achei que tinha que voltar para a aldeia, porque meu marido é Xavante e ele tem essa coisa de passar o conhecimento da tradição do povo ao nosso filho”, disse.

As oportunidades dentro da terra indígena também são restritas, foi então que Isabel decidiu também fazer pedagogia, para ajudar na educação do filho e de outras crianças indígenas.

“Sou licenciada em pedagogia. Hoje eu nem ganho como doutora, ganho como licenciada para atuar na escola. Na aldeia dá para viver com esse dinheiro. Dá para pagar nossas despesas”, disse.

Além de atuar nas escolas, ela também trabalha como pesquisadora.

“Acho que essa minhas formações, o mestrado e o doutorado, são fundamentais hoje para eu atuar como pesquisadora. Fazer produção de artigo. Estou nesse movimento de pesquisadores indígenas também, iniciando o movimento”, disse.

Isabel afirmou que agora a luta é para ajudar os indígenas a entender as questões econômicas e, assim como ela, conseguir buscar uma renda para a família.

“É quase um tabu falar que indígena pode ter dinheiro. Por falta de conhecimento com essas situações financeiras muitos indígenas estão endividados. Temos entender sobre isso, porque esse sistema já chegou nas aldeias. Precisamos de uma política pública que desenvolva renda nas aldeias”, pontuou.

Fonte: G1 MT