Os que são a favor, dizem que é preciso pagar para usar a rede de fios. Os que são contra, dizem haver lobby de quem vai perder receita
Até o Partido dos Trabalhadores e o presidente Jair Bolsonaro concordam. Então, por que o debate sobre o que se convencionou chamar de “taxação do sol” está instalado no Congresso Nacional? Para o líder da bancada mato-grossense, o deputado federal Dr. Leonardo (Cidadania), a resposta é: lobby.
A discussão tem como base o Projeto de Lei 5829/2019, apresentado pelo deputado federal Silas Câmara (Republicanos – AM). A proposta estabelece duas faixas de isenção de taxas e encargos para quem produz a própria energia elétrica por meio, por exemplo, de painéis solares.
Quem instalou sua miniusina solar até o dia 31 de março do ano passado, de acordo com o projeto, ficará isento de pagar qualquer taxa ou imposto até 2040. Isso se sua produção não ultrapassar a marca de três mil quilowatts.
O problema está na outra faixa descrita no projeto, que engloba quem resolveu investir em placas solares depois dessa data. Neste caso, a isenção será de apenas 50% e também só é válida para quem produz, no máximo, três mil quilowatts.
E a discussão gira em torno de três pontos:
- É justo cobrar taxas e impostos sobre um produto que você mesmo está produzindo, consumindo e ainda compartilhando com os demais?
- É justo não cobrar taxas e impostos de quem continua usando a rede de distribuição (a fiação da sua rua) só porque produz a própria energia?
- Será que o Brasil vai desestimular o uso de energia solar (uma fonte abundante e limpa), se aplicar impostos sobre um sistema que já tem equipamentos tão caros?
Dr. Leonardo diz que uma comissão especial – da qual ele fez parte – chegou a ser instalada quando a proposta de Silas Câmara foi apresentada, mas o debate cessou sem chamar muito a atenção.
Primeiro o ICMS
Agora, o assunto voltou à tona porque muitas concessionárias de energia elétrica que (por falta de uma legislação clara) não vinham cobrando ICMS dessas miniusinas, passaram a cobrar. Quem explica é o presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), Gustavo Oliveira.
Segundo Oliveira, em Mato Grosso, por exemplo, a cobrança desse ICMS sobre a taxa de distribuição da energia começou a ser feita em abril. Em São Paulo, no entanto, a concessionária já fazia essa cobrança há anos.
Um impasse, então, se criou sobre essa unificação. O caso foi parar no Judiciário e, hoje, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu uma enxurrada de ações, todas sobre o mesmo tema, para tentar uma decisão “coletiva”.
O Governo de Mato Grosso, conforme Oliveira, já afirmou que não pretende cobrar o imposto. Um projeto de lei prevendo essa isenção até 2027 já foi apresentado na Assembleia Legislativa e deve ser aprovado com facilidade.
Mas não basta isso. É preciso um convênio do Conselho Nacional de Políticas Fazendárias (Confaz), a entidade que atesta toda concessão ou revogação de incentivos fiscais. O problema? Esse convênio só pode ser firmado se houver unanimidade. E para Estados como São Paulo, que já fazia a cobrança, abrir mão desse ICMS significa perda de receita.
A proposta que o secretário de Fazenda de Mato Grosso, Rogério Gallo, deve levar ao Confaz, então, é de um acordo entre todos os Estados para que só aqueles que já cobravam esse ICMS continuem cobrando ou que a cobrança seja facultativa.
Ainda conforme o presidente da Fiemt, a própria Energisa já sinalizou não ter interesse em cobrar o imposto em Mato Grosso, uma vez que ele é repassado integralmente ao governo. Ela precisa, no entanto, de uma regra clara, já que o valor do tributo – se ele for devido – precisa sair do bolso de alguém.
Não é só isso
Mas o ICMS é apenas um ponto do debate sobre a “taxação do sol”. No Congresso, quem defende a cobrança de taxas e encargos de quem produz a própria energia usa o argumento de que, não fazer essa cobrança, vai transferir para outros consumidores (em geral os mais pobres) o custo pelas linhas de transmissão e distribuição.
Hoje, quem opta por instalar painéis solares pode fazer uma ligação on-grid ou off-grid. Na primeira, a mais comum, a unidade consumidora continua ligada à rede de energia elétrica pública, que é usada de duas formas: quando os painéis não produzem energia suficiente, para abastecer aquele imóvel, ou quando a produção própria é tão grande que sobra energia.
Essa sobra é enviada pela rede instalada na rua e volta para o dono dessa miniusina em forma de créditos que podem abater o custo de contas de energia elétrica (inclusive de outras unidades consumidoras cadastradas no mesmo nome) num prazo de até 60 meses.
A questão é que manter essas redes tem um custo e esse custo está embutido na fatura de energia de toda unidade consumidora ligada a ela. O argumento dos que são contra a isenção para quem tem uma miniusina, portanto, é o de que esse custo teria que ser repartido somente entre os consumidores que não têm dinheiro o suficiente para comprar placas solares. A conta deles, portanto, encareceria.
O lobby
Para o deputado federal Dr. Leonardo, todavia, a tese de que o custo da energia elétrica pode ficar mais caro para quem é mais pobre esbarra em um detalhe: com mais gente produzindo energia elétrica (e distribuindo “a sobra”), o custo de produção cairia.
“Se o excedente da energia dessas usinas solares está sendo colocado na rede, porque cobrar tarifa laranja ou vermelha, por exemplo, quando enfrentarmos períodos de seca, que é, justamente, quando se tem mais sol?”, ele questiona.
O exemplo é um dos pontos que sustenta o argumento do parlamentar de que há lobby em prol da cobrança. Para ele, está claro que, a medida em que a tecnologia e os equipamentos para produção de energia solar se popularizarem, haverá cada vez menos gente pagando contas de luz.
E embora exista no Congresso quem defenda a taxação, “o time” dos que são contra reúne “gregos e troianos” ou petistas e bolsonaristas.
O presidente Jair Bolsonaro já manifestou publicamente ser contra a cobrança e foi ele quem apelidou o projeto de “taxação do sol”. E, conforme a deputada federal Rosa Neide Sandes (PT), o Partido dos Trabalhadores também já fechou questão quanto a isso.
Segundo ela, a legenda tem estudos que comprovam a necessidade de manter a isenção para que empresas interessadas em gerar sua própria energia tenham mais condições de importar e instalar os equipamentos.
“Inclusive, defendemos que os projetos de casas populares do governo federal também deveriam ter também placas solares, como os últimos residenciais construídos pela presidenta Dilma Roussef, que já vinham com esses equipamentos, pelo menos, para ajudar essas famílias a ter uma água aquecida na torneira”, ela diz.
Além de Rosa Neide e do Dr. Leonardo, já se manifestaram contra a “taxação do sol” os deputados federais por Mato Grosso Emanuelzinho (PTB), José Medeiros (Podemos) e Nelson Barbudo (PSL).
A reportagem do LIVRE tentou, sem sucesso, contato com Juarez Costa e Carlos Bezerra, ambos do MDB. Nery Geller (PP) disse que precisava se aprofundar mais sobre o tema para firmar uma posição.
MT, terra do Sol
Segundo presidente da Fiemt, Gustavo Oliveira, Mato Grosso é um dos Estados onde a produção de energia solar mais tem crescido no país. Entre as razões para isso, está o clima favorável (com pouquíssimos períodos de céu encoberto por nuvens) e uma das tarifas de energia elétrica mais caras do Brasil.
Quem compra placas solares em solo mato-grossense (não sendo taxado) tem retorno rápido do dinheiro investido, já que a potência de geração de energia é alta.
Conforme a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o Estado tem atualmente mais de 27 mil unidades de geração distribuída (o “nome técnico” dado a essas miniusinas). Elas produzem energia o suficiente para abastecer 34 mil unidades consumidoras, ou seja, têm “sobra” gerando crédito para pagar as contas de 7 mil imóveis que não possuem placas solares.
Quando se trata somente das indústrias, 1.365 instaladas em Mato Grosso produzem a energia que consomem e ainda abastecem com a sobra outras 22 unidades consumidoras.
Tanta “fatura” é o que faz o Dr. Leonardo concordar, em partes, com quem acha que essas miniusinas devem ser taxadas. Para ele, seria necessário criar um período de transição no país, com o percentual de cobrança crescendo gradativamente.
E não só isso, mas também um gatilho, exemplo: quando 4% das unidades consumidoras estiverem produzindo sua própria energia elétrica, haver uma cobrança maior da taxa de distribuição e transmissão, para ajudar a manter as redes.
“Além disso, nós sabemos que existem pessoas investindo em grandes usinas de placas solares. E isso, por si só, já abre um novo campo para discussão” ele completa.
Fonte: O Livre